A crise provocada pela pandemia “é uma pistola apontada ao peito” da União Europeia, que está perante “a maior oportunidade” para fazer reformas e preparar o futuro, ou falhar, advertiu esta terça-feira o embaixador da Alemanha em Portugal.

Martin Ney, que foi ouvido pela comissão de Assuntos Europeus da Assembleia da República esta terça-feira, apelou à sobriedade e clareza de análise dos 27 para concluir “antes do verão” as negociações sobre o orçamento plurianual e o fundo de recuperação e advertiu contra o “apontar de dedos” aos frugais.

“Penso que um pré-requisito para negociações bem sucedidas é um sentido de sobriedade e análise clara de onde estamos […] Nunca mais vamos poder, na nossa vida e na vida dos nossos filhos, pedir tanto aos mercados para ultrapassar uma crise”, afirmou o embaixador, ouvido pelos deputados a propósito do programa da presidência alemã do Conselho Europeu, que se iniciou a 1 de julho.

“Se não fizermos as reformas, teremos perdido a maior oportunidade da Europa”, advertiu, acrescentando que “se esse sentido de sobriedade estiver na mesa” do Conselho Europeu de 17 e de 18 de outubro, está “otimista” quanto a um acordo, mas se não estiver presente “em todas as delegações”, está “pessimista”.

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Para sublinhar a urgência de um acordo, o embaixador comparou a crise económica e social provocada pela pandemia de Covid-19 na Europa a “uma pistola apontada ao peito” da Europa e alertou: “Ou aproveitamos a oportunidade e nos preparamos para o futuro, ou todos falhamos”.

Martin Ney advertiu por outro lado contra o “apontar o dedo” aos chamados quatro frugais – Áustria, Holanda, Dinamarca e Suécia, países que contestam o montante do fundo de recuperação proposto (750 mil milhões), a proporção entre subvenções e empréstimos e o período de aplicação do pacote.

“Temos de parar de destacar os quatro frugais e apontar dedos, [porque] podemos apontar muitos dedos a cada um de nós por […] não cuidar do Estado de Direito, não usar o dinheiro sensatamente, etc”, disse. “Podemos apontar dedos, mas não ajuda quando temos uma regra de consenso”, acrescentou, lembrando que os frugais “têm um público e têm um parlamento de que dependem para dizer sim”, tal como todos os outros Estados-membros, o que faz com que cada delegação nacional esteja “dividida entre a frente interna e a frente a que se senta na mesa das negociações”. Por outro lado, afirmou “há resistências de todos os países”, não apenas dos frugais.

Em alguns países, há resistência quanto à “disposição para fazer reformas”, noutros à “vontade de contribuir”, mas é para ultrapassar esses obstáculos que estão em curso intensos contactos bilaterais.

Martin Ney considerou por outro lado que Portugal é, para a Alemanha, “um parceiro chave” que pode ter “um papel chave nas negociações” pelo seu “registo de reformas económicas credíveis”, que lhe dá especial autoridade junto de outros parceiros para defender a necessidade de reformas económicas.

Questionado pelos deputados sobre se há, como tem pedido o Parlamento Europeu, um plano de contingência para o caso de não haver acordo sobre o Quadro Financeiro Plurianual, o orçamento da UE para 2021-2027 a que está associado o fundo de recuperação, o embaixador voltou a frisar que ou há acordo, ou a UE falha. “Não há. Isto é talvez o efeito de sobriedade de ter uma pistola apontada ao peito, não há plano de contingência para nos esquivarmos à bala. Ou o fazemos, ou falhamos”, afirmou.

O embaixador frisou ainda que o fundo de recuperação proposto, primeiro pela França e pela Alemanha e depois, em moldes muito semelhantes, pela Comissão Europeia, permite “eliminar desigualdades” na UE, porque foi “feito à medida para os que foram mais atingidos pela crise”.

O Conselho Europeu de 17 e 18 de julho, no qual os líderes dos 27 vão tentar fechar um acordo sobre o orçamento plurianual e o fundo de recuperação, é o primeiro Conselho realizado sob a presidência alemã, que se iniciou a 1 de julho e decorre até 31 de dezembro.

A presidência alemã abre o chamado trio de presidências, que prossegue no primeiro semestre de 2021 com a presidência portuguesa e, no segundo semestre, a presidência eslovena. Alemanha, Portugal e Eslovénia formaram, em 2007, o primeiro trio de presidências da UE, que ficou marcado pela assinatura do Tratado de Lisboa. Os três países têm um programa conjunto assente na chamada agenda estratégica da UE: transição digital, transição climática e reforço da autonomia e da resiliência da UE.