Duas mensagens principais: só quem é competente pode ser independente e, por outro lado, não faz sentido falar em conflitos de interesse, em temas como o Novo Banco ou o Banif, porque não foi o Governo – leia-se, o ministro das Finanças – quem tomou as decisões (de resolução, venda ou outras) que marcaram essas instituições: foi o Banco de Portugal. Em pouco mais de um tweet, pode resumir-se assim a mensagem que Mário Centeno quis passar na audição parlamentar que foi vista como pouco mais do que uma formalidade no caminho até à liderança do Banco de Portugal. Isto embora o partido Iniciativa Liberal tenha atirado uma pedra para esse caminho: uma providência cautelar.
Depois de ler uma declaração inicial a velocidade supersónica, como quem tem pressa de ser nomeado governador, Centeno sublinhou: “Sinto-me qualificado, motivado e apoiado para estas funções” – isto apesar de quase todos os partidos lhe terem dito, na cara, que não consideravam que Centeno deveria, por ter sido ministro das Finanças tão recentemente, ser a pessoa escolhida para o cargo.
O PSD foi o primeiro partido a dizer que Centeno não “preenche as condições para exercer com independência e credibilidade” o cargo de próximo governador do Banco de Portugal. E, mais tarde, o mesmo deputado, Duarte Pacheco, viria a apontar o que considera ser uma incongruência fundamental na posição de Centeno em todo este processo: por um lado, puxa dos galões dizendo que o Governo onde teve papel de destaque foi determinante para estabilizar o setor bancário a partir de 2016 mas, por outro lado, desvaloriza a sua intervenção – a de Centeno – em processos que continuam sem solução total, como a resolução do BES e venda do Novo Banco, a resolução do Banif e venda da operação ao Santander: “Não foi o Governo que vendeu o Novo Banco nem resolveu o Banif. Foi o Banco de Portugal“.
É com este tipo de argumentação que Mário Centeno diz não ver razões para pedir escusa, caso seja nomeado, quando estes temas forem tratados no Banco de Portugal. Seja como for, disse Centeno, numa das frases mais icónicas desta audição parlamentar: por ter sido ex-ministro das Finanças e presidente do Eurogrupo, teve uma influência ou um conhecimento direto sobre uma enormidade tão grande de temas que, se falássemos em conflitos de interesse desta forma, “não arranjava emprego em Portugal nas próximas décadas“.
[recorde aqui os principais momentos da audição parlamentar, no nosso artigo liveblog]
https://observador.pt/2020/07/08/caminho-de-centeno-para-bdp-passa-pelo-parlamento-ex-ministro-das-financas-ouvido-na-comissao-de-financas/
Mas tanto o PSD como o Bloco de Esquerda acabaram por ajudar a que esta fosse apenas uma audição não-vinculativa, uma mera formalidade. Estes partidos, além do PCP, abstiveram-se na votação lançada pelo CDS-PP para que a audição de Mário Centeno para governador do Banco de Portugal ocorresse apenas após a conclusão do processo da proposta do PAN sobre o período de nojo de cinco anos. Essa proposta foi chumbada, pelo que a audição já se tenha realizado mas que nem sequer seja vinculativa.
Foram estas alegadas “mudanças de opinião”, que Mariana Mortágua recusou – “porque historicamente o BE não vê conflitos de interesse entre cargos do setor público, apenas entre privado e público” – que levaram o partido Iniciativa Liberal a revelar a intenção de lançar uma providência cautelar contra a nomeação de Mário Centeno.
João Cotrim de Figueiredo, deputado da Iniciativa Liberal, diz que quer saber “que negociatas foram feitas no parlamento” para que “vários partidos tenham mudado de opinião” e, assim, viabilizando-se a nomeação de Mário Centeno para a liderança do Banco de Portugal. Para isso, o partido decidiu interpor uma providência cautelar – anunciou-o no final da audição parlamentar a Centeno e explicou, aos jornalistas, à margem, que desejavelmente seria o parlamento a fazer este escrutínio, não um tribunal, mas considera que o parlamento, aqui, não cumpriu esse papel.
Contra nomeação de Centeno no BdP, Iniciativa Liberal lança providência cautelar
Mário Centeno procurou, até, na audição parlamentar, virar a questão: será que a experiência recente do ex-governante – nas Finanças mas, sobretudo, no Eurogrupo – deve ser vista como um handicap ou como um trunfo? Além da formação académica e dos 10 anos de serviço em cargos diretivos no Banco de Portugal, antes de ir para as Finanças, Mário Centeno puxou dos galões dizendo que participou em reuniões do G7, e até do G4, em representação da zona euro, que lhe deram uma experiência que devia ser vista como “uma mais-valia” para Portugal. O próprio Centeno, pelo menos, diz que vê como um “imperativo” colocar essa experiência ao serviço do país – não como ministro das Finanças, porque esse “ciclo” terminou, mas como governador do Banco de Portugal.
O PAN, partido que acabou por ter um papel importante neste dossiê pela proposta apresentada, enumerou um conjunto de exemplos práticos de possíveis conflitos de interesse que, à luz do código de conduta do Banco de Portugal, teriam de o levar a pedir escusas frequentes devido à “ocupação profissional anterior”. Centeno responde ao PAN com a lei geral, asseverando que “não existe nenhuma legislação no mundo inteiro que identifique conflitos de interesse” – e isso não é por acaso, diz. Mas o PAN diz que, na prática, Centeno será um “governador de mãos amarradas” em vários processos-chave para a banca nacional.
Além do PSD e do BE, também o PCP se absteve na proposta do CDS-PP, mas voltou nesta audição a reiterar que não “parece” ao partido que a nomeação de Centeno “assegure esse papel que achamos que o Banco de Portugal deve ter” no que diz ser um caminho de concentração dos capitais bancários, subidas de comissões e entrega da banca nacional ao investimento estrangeiro. Outros partidos com representação parlamentar, como o Chega e a Iniciativa Liberal, claro está, também disseram a Centeno que não concordavam com a nomeação de Centeno – e o PSD, que no início da audição desafiou Centeno a provar, nesta audição, que o PSD não estava certo, reiterou no final que os argumentos do ex-ministro das Finanças não persuadiram o grupo parlamentar social-democrata, que reiterou a posição contrária à nomeação de Centeno.
Entre as várias forças políticas no parlamento, todos são contra exceto o PS mas “a nomeação vai acontecer na mesma“, atirou o deputado João Cotrim Figueiredo, considerando esta mais uma instância em que “o PS se acha dono disto tudo“. Para Centeno, porém, a nomeação acontecerá porque nas democracias liberais – sublinhou democracias e liberais – seguem-se as regras, e as regras são as que estão na lei. “E a lei, nem em nenhum país da Europa nem, eventualmente, do mundo colocam entraves” a uma nomeação de um ex-ministro das Finanças para o cargo de principal responsável do banco central nacional.