A Google pode recolher dados através da Interface de Programação de Aplicações (API) que cedeu aos governos (juntamente com a Apple) para a criação de apps de rastreio à Covid-19. A notícia é avançada pelo The New York Times, que refere que várias agências governamentais foram apanhadas de surpresa com o facto e estão a tentar obter justificações. Ao Observador, o INESC TEC, responsável por esta app, confirma que é uma destas entidades.

Com outros responsáveis do desenvolvimento de aplicações similares europeias, temos vindo a questionar a Google e a solicitar a correção do sistema operativo”, diz o INESC TEC.

De acordo com o INESC TEC, esta questão não é nova: “A Google está ciente do problema mas, nas suas palavras, é uma limitação do próprio sistema operativo. O serviço BLE [tecnologia Bluetooth utilizada] está, no sistema operativo Android, ligado aos “Serviços de localização” pelo que estes têm de estar ligados para o utilizar”. Porém, este instituto ressalva que “a utilização da API não requer de facto, e não utiliza a interface de GPS”. Ou seja, a API não usa os dados, mas, para poder ser utilizada, a localização do utilizador tem, por defeito do sistema, de estar ligada no smartphone.

Em resposta ao Observador sobre esta notícia, a Google esclarece que “o sistema de notificação de exposição não utiliza a localização do dispositivo Android e não partilha nenhuma informação do utilizador com a Google”. No entanto, a empresa afirma que “por uma questão de transparência com os utilizadores, desde 2015, que o Android requer que a definição de localização do dispositivo Android esteja ativa para procurar outros dispositivos Bluetooth já que algumas aplicações podem usar o Bluetooth para determinar a localização do utilizador”. A empresa refere também que “o Android foi projetado para que nenhuma aplicação possa aceder sem permissão à localização do dispositivo”.

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É pedido aos utilizadores para ativarem a localização do dispositivo Android de modo a que o sistema de notificação de exposição possa detetar dispositivos próximos com notificações de exposição ativadas. Porém, quando um utilizador ativa a localização, o Android continua a proibir o acesso a quaisquer aplicações, incluindo as apps da Google, que não tenham permissão para utilizar a localização do dispositivo Android”, diz a Google.

Cecilie Lumbye Thorup, porta-voz do Ministério da Saúde da Dinamarca, foi uma das intervenientes no processo destas apps que mostrou preocupações ao New York Times. Segundo, Thorup, mal soube do problema, tentou “iniciar um diálogo com o Google sobre como a empresa geralmente usa dados de localização”.

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Contudo, outros países como a Suíça, um dos primeiros a lançar uma aplicação com esta API, afirmam que estão há semanas a tentar alterar este requisito de localização para a app funcionar, mas sem sucesso. “Os utilizadores devem poder usar estas aplicações de rastreio de proximidade sem vincular outros serviços”, disse ao mesmo jornal Sang-Il Kim, responsável pelo Departamento Federal de Saúde Pública da Suíça.

Associação de Direitos Digitais diz que app de rastreio vai ter “falsos positivos”

O The New York Times refere que o facto de ser necessário ter a localização ativada no smartphone para a app funcionar que “compromete as promessas de privacidade que os governos fizeram ao público”. Em Portugal, o governo tem afirmado que a app não recolhe dados nem compromete a privacidade dos utilizadores, tendo inclusivamente dado aval à app Stayaway na semana passada. Contudo, ativistas como a associação de Defesa de Direito Digitais D3, afirmaram esta terça-feira que este projeto tem erros que podem ter resultados negativos na luta contra a Covid-19.

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Em junho, Jorge Soares, presidente do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV), questionava em resposta ao Observador o papel da Apple e da Google ao criarem a API base para estas apps. “Se calhar não é tão inocente que a Google e a Apple estejam tão interessadas em encontrar uma plataforma comum que possa permitir a utilização destas aplicações em modelos Android e iOS“, disse o médico.