A Renault já tem no mercado um dos veículos eléctricos mais vendidos, o Zoe. Mas, para atingir a meta imposta por Bruxelas de 95g de dióxido de carbono (CO2), em média, no acumulado das vendas de 2020 – fasquia que vai depois baixar em 2025 e de novo em 2030 –, os franceses têm de tirar mais uns coelhos da cartola. No campo dos eléctricos, vêm aí para já o Twingo ZE e, depois, um SUV eléctrico do tamanho do Kadjar sobre a mesma plataforma do Nissan Ariya. Contudo, é preciso ir ainda mais longe para conter as emissões de CO2, daí que tenham avançado com modelos híbridos e híbridos plug-in nos segmentos mais populares e que mais vendem. A partir de Setembro, vão iniciar as entregas no nosso país o Clio híbrido (o modelo mais vendido em Portugal e o segundo na Europa), bem como o Captur híbrido plug-in (o líder de vendas, cá e lá fora, no segmento B-SUV) e o Mégane híbrido plug-in.
Para colocar à prova estes populares três modelos electrificados, a Renault decidiu que, em face da pandemia, em vez de realizar uma mega-operação europeia, obrigando os jornalistas de todos os países a convergir para um mesmo local, onde estavam os três veículos à espera, acompanhados dos respectivos técnicos para defenderem as qualidades dos produtor, organizar pequenas apresentações em cada país, específicas para a imprensa local, com os técnicos disponíveis através de videochamada.
Tecnologia de F1 para o Clio, Captur e Mégane
A Renault poderia ter avançado para os veículos electrificados como a esmagadora maioria dos seus rivais, com soluções baratas, já existentes, ainda que pouco eficientes. Em vez de utilizar motores normais, concebidos para extrair potência e caixas de velocidade convencionais, os franceses decidiram seguir a lide da Toyota, a referência no mercado quando toca aos híbridos e híbridos plug-in (PHEV). Vai daí, pegaram num motor 1.6 atmosférico da Aliança Renault-Nissan-Mitsubishi, concebido para funcionar segundo o ciclo Atkinson (que é o melhor para reduzir o consumo e as emissões), e dele extraem 91 cv graças a uma série de melhorias introduzidas. A começar pelo duplo injector.
A esta unidade com quatro cilindros, a Renault aliou uma inovadora caixa de velocidades, que possui 15 relações, mas nada de embraiagem ou sincronizadores. Esta caixa é o segredo mais bem guardado da marca francesa, que a vê como um dos seus grandes trunfos, ou não tivesse sido concebida com a ajuda dos técnicos da equipa de F1 da Renault, habituados a lidar desde 2014 com mecânicas híbridas, com um motor 1.6 V6 a gasolina de 700 cv, dois motores eléctricos e uma caixa.
Os homens da F1 retiraram muito do que absorve potência para tornar a mecânica mais eficiente. Assim, saíram a embraiagem e os sincronizadores, tendo sido adoptados carretos de dentes direitos, em vez dos tradicionais helicoidais, melhores para reduzir o ruído, mas à custa de mais fricção e aquecimento, o que absorve potência, exactamente o que se pretendia evitar.
Para assegurar a função híbrida, a caixa monta dois motores eléctricos, o principal, destinado a ajudar o motor de combustão e a participar activamente na locomoção do veículos, anuncia 49 cv, para depois a segunda unidade eléctrica, com 20 cv no Clio híbrido e 34 cv nos Captur e Mégane PHEV, ser responsável pelo sincronismo da caixa, além de “criar” as três velocidades eléctricas (neutral, 1ª e 2ª) e fazer de motor de arranque.
Além das três velocidades, a caixa que os franceses apelidam de multimodo conta ainda com cinco relações convencionais (que na realidade são quatro mais o neutral), ou seja, mecânicas, que surgem com o objectivo de evitar o escorregamento quando se acelera mais violentamente, altura em que o motor sobe exageradamente de rotação, sem o correspondente ganho de velocidade, como é típico das caixas CVT, de variação contínua, ou nas que recorrem a um trem epicicloidal, como as da Toyota.
Caixa de 15 velocidades com sotaque português
Em termos práticos, o condutor tem à disposição 15 velocidades – ainda que não as possa controlar, pois é tudo automático –, uma vez que o sistema pode estar com a primeira mecânica engrenada, mas em neutral nas mudanças eléctricas, e vice-versa, pelo que as 15 velocidades são conseguidas num esquema de 5 mecânicas (0, 1, 2 , 3 e 4) x 3 eléctricas (0, 1 e 2).
Para poupar peso, volume e custos, a caixa multimodo não possui marcha-atrás, sendo o motor eléctrico a assegurar essa função, o que é fácil a partir do momento em que os electrificados da Renault arrancam sempre em modo eléctrico, tanto para a frente como para trás, evitando assim o momento em que o motor a combustão se revela menos eficiente.
Curioso para nós, portugueses, é o facto da inovadora caixa de 15 velocidades ter sotaque nacional. Mais precisamente de Cacia, uma vez que é lá que se produz o diferencial que possui no seu interior. Este é, simultaneamente, o primeiro passo da fábrica da Renault em Cacia rumo à electrificação, ou seja, ao futuro.
Feitas as contas e se bem que o construtor nunca tenha avançado com custos, do motor à caixa, sobretudo esta última, a electrificação destes modelos implicou um investimento brutal. Este só se tornou possível por a Renault o replicar nas versões híbridas e nas PHEV, alterando apenas a potência do motor eléctrico mais pequeno e a capacidade da bateria, pois do motor de combustão à caixa, incluindo o motor principal de 49 cv, tudo é igual. E para reduzir os custos ainda mais, a Nissan vai igualmente recorrer a estas mecânicas, para já no Micra e no Juke, no que deverá ser secundada pela Mitsubishi, quando começar a construir veículos com base nestas plataformas.
Clio E-TECH Hybrid com apenas 3,5 l/100km
O Clio híbrido, cuja denominação completa é E-TECH Hybrid, monta o mesmo motor a gasolina 1.6 atmosférico com 91 cv e um motor eléctrico principal de 49 cv, para depois a 2ª unidade eléctrica dentro da caixa, que modula as mudanças e trata do sincronismo, debitar 20 cv (menos 14 cv do que nas versões PHEV). A bateria possui apenas 1,2 kWh de capacidade, pouco face às versões PHEV, mas bastante para um híbrido. No total, esta versão do Clio dispõe de 140 cv.
A Renault anuncia que, em meio urbano, o utilitário é capaz de funcionar 80% do tempo em modo eléctrico. Mas o trajecto que tínhamos pela frente era composto por estrada sinuosa, muitas pequenas povoações e abundantes subidas e descidas – longe do ideal para que o Clio electrificado surpreendesse pelos consumos.
Arrancámos com a bateria com cerca de ¾ de carga, mas isso não impediu o utilitário francês de percorrer 2,6 km em modo eléctrico, tendo nós ficado com a ideia que em condições normais e com a bateria cheia, os 5 km anunciados seriam exequíveis, tornando-o no híbrido mais generoso em termos de modo EV.
Em estrada, tentando não abusar do acelerador, mas acompanhando o trânsito, o Clio E-TECH Hybrid começou por estabilizar nos 4,2 litros de média, quando as vias rápidas abundavam no percurso, para depois começar a descer à medida que apareciam as filas e os cruzamentos, onde o modo eléctrico era uma presença regular. No final, atingimos os 3,5 l/100 km (em modo Eco, o mais económico, existindo em alternativa o Sport e o My Sense), um excelente valor para um modelo com motor a gasolina, a que nem um diesel consegue chegar.
As encomendas para o Clio E-TECH Hybrid arrancam ainda em Julho, para as primeiras unidades começarem a ser entregues durante Setembro. Os preços começam em 23.200€ no nível Intense, subindo para 25.300€ no RS Line, 25.800€ no Exclusive e 28.800€ no Initiale Paris, com a série especial Edition One, de que só vêm para o nosso país 65 unidades, a ser proposta por 26.900€.
Captur E-TECH Plug-in Hybrid: 48,7 km em modo EV
Apesar de se tratar de um PHEV, o Captur E-TECH Plug-in Hybrid monta praticamente a mesma mecânica do Clio híbrido, excepção feita para o segundo motor eléctrico, que passa de 20 para 34 cv (enquanto a potência total salta para 160 cv), e para a bateria, cuja capacidade evolui de 1,2 kWh para 9,8 kWh. Esta surge colocada sobre o eixo traseiro e sob o assento posterior, mas acaba por não retirar espaço ao habitáculo, com o banco a manter mesma regulação longitudinal, o que é conseguido com a troca da suspensão original, do tipo semi-rígido, por outra mais sofisticada e eficiente, do tipo independente multibraços.
A Renault propôs-nos um trajecto de 48,7 km para experimentar o Captur electrificado na zona de Loures, onde está localizado o seu concessionário Renault Retail Group, que serviu de base ao evento e que vai igualmente alojar a única operação de reparação de baterias do país. Limitando-nos a seguir o trânsito, com vias rápidas e travessia de povoações, completámos a volta sempre em modo eléctrico e tínhamos um pouco de energia no final, pelo que a autonomia de 50 km reivindicada pelo fabricante, com a promessa de poder chegar aos 65 km se circular exclusivamente em cidade, pareceu-nos perfeitamente plausível, o que é notável com apenas 9,8 kWh de acumuladores.
O sistema híbrido plug-in da Renault é obviamente recarregável, mas apenas em AC, podendo ser ligado até 22 kW, mas aceitando apenas 3,6 kW, o que o leva a necessitar de três horas para ficar a 100%. Além de anunciar 50 km em modo EV, o Captur PHEV reivindica um consumo médio de 1,4 l/100 km, a que correspondem 32g de CO2.
O Captur E-TECH Plug-in Hybrid pode ser encomendado a partir de Julho, com a chegada ao nosso país a estar agendada para Setembro. A versão mais acessível é a Exclusive, proposta por 33.590€. Apesar desta já ser a versão tradicionalmente mais bem equipada dos veículos da marca francesa, existe ainda a possibilidade de optar pela Initiale Paris, por 36.590€, com a versão de lançamento Edition One (de que só estão disponíveis para o nosso país 50 unidades) a ser comercializada pelo mesmo valor da Exclusive.
Mégane E-TECH Plug-in Hybrid melhor que Captur
O Mégane PHEV herda exactamente a mesma mecânica do Captur e apesar de ser 39 kg mais pesado, consegue ser ligeiramente mais eficiente, anunciando menos um décimo de litro no consumo (1,3 l/100 km) e menos 4g nas emissões de CO2/km (28g). A explicação deverá poder ser encontrada na aerodinâmica, com o Mégane a ser mais largo, mas mais baixo e com menor distância ao solo.
De momento apenas disponível na versão Sport Tourer, uma vez que a Berlina chegará mais tarde, o Mégane PHEV vai surgir em simultâneo com um restyling do modelo, de que falaremos oportunamente, apesar da garantia que o início das entregas também começará em Setembro.
Uma vez que o Mégane usa a mesma mecânica do Captur, aproveitámos a carrinha para colocar à prova a mecânica PHEV numa condução mais desportiva. A primeira constatação é que não há escorregamento, ou seja, aquela subida do regime do motor que não é acompanhada pelo incremento da velocidade sempre que se acelera mais violentamente. Sentem-se várias modulações na transmissão, sobretudo se formos de olho no painel de instrumentos. Ocasionalmente sente-se uma troca de mudança, que deverá corresponder a uma das velocidades mecânicas, mas como tudo se processa automaticamente, sem intervenção do condutor, é difícil reparar.
Mais fácil é constatar que o ruído nunca é tão elevado quanto o gerado pelas caixas CVT ou trem epicicloidal. Os três modos de condução, nomeadamente Pure, Sport e My Sense, similares aos do Captur, permitem dar mais gozo ao condutor (Sport) ou proteger-lhe a carteira (Pure), sendo que a própria caixa pode ser utilizada em D (de Drive) ou B (de Brake), sendo que esta última oferece uma capacidade de regeneração de energia maior. Ficámos com a sensação que a experiência de regeneração ganha com o Zoe confere aqui uma vantagem importante aos PHEV e híbrido da Renault.
O Mégane E-TECH Plug-in Hybrid, o único dos três electrificados franceses que ainda não vai poder ser encomendado este mês, vai estar disponível nas versões de equipamento Zen, Intens e RS Line, com preços de 36.350€, 37.750€ e 39.750€, respectivamente.