A PSA, o maior grupo francês de automóveis, anunciou que as duas plataformas multienergia que actualmente possui, onde é possível montar motores a gasolina, diesel, híbridos plug-in e 100% eléctricos (e baterias), vão ser substituídas até 2025 por duas novas plataformas 100% eléctricas, para optimizar as vantagens dos modelos alimentados a bateria. Esta solução acarreta investimentos muito mais elevados, tanto nos modelos como nas fábricas, mas, para o CEO da PSA, Carlos Tavares, este é o caminho a seguir para evitar ficar para trás face à concorrência, no que respeita ao consumo e à autonomia.
Tavares nunca foi grande fã dos veículos eléctricos e esteve mesmo entre os CEO que mais lutaram contra a imposição de modelos a bateria (ou fuel cells) como a melhor solução para reduzir a média de emissões de CO2 de cada fabricante. Contudo, já se imaginava que esta luta contra os carros a bateria seria uma versão moderna das batalhas de D. Quixote, pois a vontade da União Europeia era (e é) bem clara. Daí que construtores como a BMW (com o iX3) ou a Mercedes (com EQC), por exemplo, tenham optado por recorrer às plataformas que já possuíam para motores de combustão, adaptando-as para aí instalar baterias e motores eléctricos e produzir os seus primeiros EV fabricados em quantidade. A PSA procedeu de igual forma, dando origem aos Peugeot e-208 e e-2008, Opel Corsa-e e DS 3 Crossback E-Tense.
Onde estão as desvantagens das arquitecturas multienergia?
Como qualquer solução de compromisso, as plataformas multienergia não são ideais para nenhum tipo de combustível. Mas trouxeram consigo grandes vantagens, desde não ter de conceber novas plataformas específicas, poupando tempo e dinheiro, a não ter de reformular fábricas, ou construir novas, para lidar com este novo tipo de estruturas.
Mas nem tudo são vantagens, uma vez que é mais difícil “arrumar” de forma ideal as células das baterias num pack que não seja plano, com a PSA a ter decidido distribuí-las pelo túnel central e sob os assentos anteriores e posteriores, uma solução que não permite gerir de forma optimizada a sua refrigeração. Como se isso não bastasse, desapareceu o espaço sob os bancos, para alojar os pés de quem se senta atrás e foi ainda necessário adoptar uma suspensão menos confortável (de eixo rígido) atrás.
Talvez por isto os eléctricos da PSA anunciam entre 310 e 340 km de autonomia com uma bateria de 50 kWh, enquanto o Renault Zoe chega aos 395 km com 52 kWh, ou seja, mais 16% de autonomia com mais 4% de capacidade. Ora, este é um tipo de vantagem que a PSA prefere não dar à concorrência.
Como vão ser as novas plataformas 100% eléctricas?
Segundo Carlos Tavares, a partir de 2023, a PSA vai começar a lançar uma série de veículos, entre berlinas e SUV dos segmento C e D, onde por exemplo a Peugeot se faz representar pelo 308 e 508, respectivamente, todos eles montados sobre a nova Electric Vehicle Modular Platform, ou eVMP. Com a capacidade de alojar 50 kWh por metro de distância entre eixos, a PSA avança que os veículos que recorrem à eVMP vão oferecer uma capacidade de bateria entre 60 e 100 kWh, intervalo em que os limites mínimo e máximo, respectivamente, figuram entre os melhores valores dos segmentos C e D.
Convenhamos que encaixar 50 kWh por metro de distância entre eixos é obra, com o grupo francês a reconhecer isso mesmo ao anunciá-lo como o novo benchmark. Quer isto dizer que um modelo como o e-208, hoje com 2,57 m entre eixos, deveria ser capaz de alojar 128 kWh caso beneficiasse da eVMP. Um eléctrico como o Tesla Model 3, considerado hoje uma referência no segmento D, não consegue ultrapassar de momento os 75 kWh mas, seguindo o raciocínio da PSA, poderia alojar 144 kWh se recorresse à eVMP. “Esta plataforma demonstra a nossa capacidade de inovar e desenvolver tecnologias avançadas mas acessíveis”, realçou o director de Investigação e Desenvolvimento da PSA, Nicolas Morel.
Com capacidades de bateria entre 60 e 100 kWh, a nova plataforma 100% eléctrica irá permitir autonomias entre 400 e 650 km, em WLTP, mais uma vez entre os melhores valores dos segmentos. Certo igualmente é o facto de, para já, a eVMP estar garantida para as quatro marcas da PSA (Citroën, DS, Opel e Peugeot), mas correndo o risco de ver o seu número de potenciais clientes vir a ser consideravelmente alargado, caso se confirme o casamento com a FCA e as suas marcas europeias e americanas. Isso faria maravilhas à redução dos custos para o novo gigante da indústria automóvel.
O que falta saber?
Além de esclarecimentos sobre a real capacidade da eVMP para receber baterias, falta ainda saber se a PSA se mantém fiel à tracção à frente ou se, à semelhança do que aconteceu com a plataforma MEB da Volkswagen, instala o motor principal na traseira, conseguindo assim melhorar o comportamento e o raio de brecagem.
Outro detalhe que importa conhecer é o tipo de híbridos em que o grupo francês está a pensar quando afirma que “a eVMP poderá alojar mecânicas híbridas em alguns mercados”. Será complexo conceber uma plataforma eléctrica que se revele capaz de receber um motor de combustão e a respectiva caixa de velocidades, a menos que a PSA esteja a pensar num eléctrico com extensor de autonomia, o que já seria mais simples.
A PSA fala de duas plataformas multienergia, que hoje utiliza e que vão ser substituídas por outras duas eléctricas. As arquitecturas a substituir são eCMP (que origina o e-208 e modelos similares) e a EMP2, utilizada nos 3008 e 508, que não dá origem a eléctricos, mas sim a versões a gasolina, gasóleo e PHEV. Contudo, para as substituir, o comunicado apenas especificou a nova plataforma eVMP, pelo que importa saber qual é a segunda plataforma eléctrica mencionada.
Independentemente destes detalhes, é sempre bom ter a PSA como mais um grupo a investir de forma forte e decidida nos veículos eléctricos. Só assim será possível retirar todo o potencial da tecnologia e bater-se com os melhores deste segmento. E nem sequer estamos a falar apenas da Tesla, pois com os modelos a bateria do Grupo VW que vão chegar até final de 2021, além dos previstos para a Renault e Nissan, qualquer opção técnica longe do ideal corre o risco de deixar o grupo dirigido por Carlos Tavares afastado da liderança.