A Organização Mundial de Saúde e a Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) apelaram esta quinta-feira aos governos de África para que reabram as escolas de forma segura, porque as crianças estão a ser prejudicadas de várias formas. Um inquérito da Organização Mundial de Saúde (OMS) a 39 países da África subsaariana revelou que apenas seis deles têm todas as escolas abertas.
Em 14 países todos os estabelecimentos de ensino continuam fechados e em 19 estão parcialmente abertos (aulas e exames), quanto outros cerca de 12 estão a planear retomar o ensino em sala de aula em setembro, início do ano letivo em alguns deles, adiantam ainda as conclusões do inquérito da OMS.
Para as duas organizações, porém, o encerramento prolongado dos estabelecimentos de ensino no continente africano com o objetivo de proteger os alunos em relação à Covid-19 está a prejudicar as crianças.
A pandemia da Covid-19 em que estamos mergulhados criou uma crise sem precedentes na educação no continente, em termos de alcance, duração e impacto. Na região da África Oriental e Austral, no pico da crise da Covid-19, 140 milhões de crianças foram privadas da possibilidade de acesso à educação”, indicou Mohamed Malick Fall, diretor regional da Unicef para a África Oriental e do Sul.
O responsável falava numa conferência conjunta com a diretora regional da OMS para África, Matshidiso Moeti, através da plataforma Zoom.
“Apesar dos apoios ao distanciamento social, e reforço das condições materiais oferecidas aos sistemas de educação dos vários países da região, há ainda 75 milhões de crianças privadas da oportunidade de regressarem às aulas”, acrescentou Malick Fall.
Em muitas escolas, sublinhou o dirigente da Unicef, “entre 20 e 25 crianças não regressaram às aulas”, uma situação que comparou com o que se passou há alguns anos com a eclosão do surto de Ébola em alguns países da África Ocidental. Os dois responsáveis discutiram a questão da reabertura das escolas, um assunto que deve ser resolvido com a “mesma urgência dada à reabertura das economias e negócios”, defendeu Matshidiso Moeti.
Para a OMS e a Unicef, num comunicado conjunto, o impacto social e económico a longo prazo do encerramento escolar prolongado “é também preocupante” tendo em conta que, de acordo com um modelo do Banco Mundial, o encerramento de escolas na África subsaariana poderia resultar em perdas de rendimento vitalício de 4.500 dólares (3.795 euros) por criança.
Este valor pode ser ainda agravado pela redução do rendimento dos pais por serem obrigados a ficar em casa para cuidar das crianças, especialmente em famílias que não podem pagar serviços de cuidados infantis.
A decisão de abrir ou não as escolas no meio da pandemia é “difícil”, concedeu a responsável da OMS, na conferência virtual. “Mas temos que encontrar um equilíbrio para evitar a troca de uma adversidade por outra. Quanto mais tempo as crianças estiverem afastadas das escolas maior é o risco de nunca mais regressarem”, afirmou.
O encerramento das escolas tem o potencial de exacerbar os índices de gravidez entre adolescentes, violência contra crianças, abuso de drogas, aumento de ansiedade, solidão e isolamento”, sublinhou Matshidiso Moeti.
Segundo Malick Fall, isso já acontece: “Manter as crianças afastadas da escola é expô-las a riscos enormes, riscos de abusos físicos e sexuais”.
“A monitorização online e direta está a mostrar um número crescente de crianças que estão a sofrer abusos, assim como dos índices de gravidez entre crianças ou adolescentes em muitos países da região”, adiantou.
A OMS, a Unicef e a Federação Internacional da Cruz Vermelha emitiram orientações sobre a prevenção e controlo da Covid-19 nas escolas. Essas orientações incluem recomendações para garantir o distanciamento físico, tais como escalonar o início e o fim do dia escolar, cancelar eventos escolares que criem aglomeração, espaçar carteiras, quando possível, e fornecer instalações de lavagem das mãos, uso de máscaras, desencorajar toques desnecessários e assegurar que alunos e professores doentes fiquem em casa.
A OMS e a Unicef também recomendam uma série de medidas de higiene e desinfeção para que as escolas reabram e funcionem em segurança, incluindo lavagem manual regular, desinfeção diária e limpeza de superfícies, água básica, instalações sanitárias e de gestão de resíduos, e limpeza e descontaminação ambiental.
“No entanto, milhões de crianças frequentam escolas que carecem de água, saneamento e serviços de higiene”, lê-se no comunicado das duas organizações.
Na África subsaariana, apenas um quarto das escolas tem serviços básicos de higiene, 44% destas têm água potável básica e 47% têm serviços básicos de saneamento, de acordo com um relatório da OMS e da Unicef que avalia os progressos em matéria de água potável, saneamento e higiene nas escolas entre 2000 e 2019.
Assim, as duas organizações defendem que “existem soluções rápidas para a lavagem das mãos nas escolas, tais como uma torneira, um balde e sabão”. Outra das ameaças do prolongamento do encerramento das escolas no continente africano é a degradação de um sistema que era já muito pobre antes da Covid-19.
A região era já marcada por uma crise de aprendizagem. Se, por um lado, um grande número de crianças não frequentavam a escola, por outro o ensino era de má qualidade. O que tememos é que esta crise e esta prolongada interrupção dos serviços de educação venham a exacerbar os problemas que já existiam”, afirmou o diretor regional da Unicef.
Em África, há 26.618 mortos confirmados em mais de 1,1 milhões de infetados em 55 países, segundo as estatísticas mais recentes sobre a pandemia no continente.