O International Booker Prize foi entregue a Marieke Lucas Rijneveld, dos Países Baixos, por The Discomfort of Evening. O anúncio foi feito durante a tarde desta quarta-feira pelo presidente do júri de 2020, Ted Hodgkinson, durante um evento online apresentado por Razia Iqbal, jornalista da BBC. Rijneveld (uma pessoa do género não binário que se apresenta com pronomes neutros e muitas vezes no plural, como “eles”), de 29 anos, é a mais nova a vencer o International Booker e os primeira de nacionalidade holandesa.

Para trás ficaram The Enlightenment of The Greengage Tree, de Shokoofeh Azar (Irão), The Adventures of China Iron, de Gabriela Cabezón Cámara (Argentina), Tyll, de Daniel Kehlmann (Alemanha), Hurricane Season, de Fernanda Melchor (México), e ainda The Memory Police, de Yoko Ogawa (Japão). Este último será publicado ainda este ano em Portugal, pela Relógio d’Água.

Reagindo ao anúncio, Rijneveld mostrou-se honrada por receber o International Booker Prize pelo seu romance de estreia. “Há duas palavras que me trouxeram até aqui. Quando estava a escrever The Discomfort of Evening, peguei num marcador e escrevi na parede, por cima da minha secretária — sê persistente. Hoje, numa altura em que o mundo está virado do avesso e é possível ver o seu lado mais negro, lembro-me muito muitas vezes dessas palavras. Portanto, escrevam, leiam, ganhem, percam, amem-se uns aos outros, mas sejam persistentes nisso.”

A tradutora de The Discomfort of Evening, que divide o prémio com Rijneveld, lembrou que “as traduções abrem janelas para outros mundos” e que nos permitem “ver outros lugares e as mentes de outras pessoas. Agora que já não é possível viajar como costumávamos fazer, devíamos viajar lendo livros“, afirmou Michele Hutchison, apelando a que os leitores se dediquem não apenas a The Discomfort of Evening, mas a todos os finalistas.

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“The Memory Police”, nomeado para o International Booker Prize, publicado em Portugal em novembro

Um “livro que não é igual a nenhum outro”

Marieke Lucas Rijneveld cresceu numa quinta na província de Brabante do Norte, nos Países Baixos, antes de se mudarem para a cidade de Utrecht. Considerada uma das grandes vozes da nova literatura holandesa, estreou-se em 2015 com a coletânea de poesia Calfskin, que foi galardoada com o prémio C. Buddingh para a melhor estreia poética. The Discomfort of Evening, o primeiro romance, saiu em 2018 e foi um sucesso nos Países Baixos. O romance recebeu o prémio ANV, refere a biografia de Rijneveld disponível no site da editora Faber & Faber, que publicou a obra no Reino Unido. Além de se dedicarem à escrita, Rijneveld trabalham numa quinta.

The Discomfort of Evening segue a história de Jas e da sua família conservadora e extremamente devota, que se deixa abater pela dor após a morte do seu irmão mais velho, Matthies, num acidente durante uma viagem à neve. O pano de fundo é a zona rural dos Países Baixos, de onde Rijneveld é originária.

O primeiro romance de Rijneveld impressionou os jurados desde a primeira leitura, no final do ano passado. Desde então, esse “fascínio” inicial só se aprofundou, admitiu o presidente do júri do International Booker deste ano, o escritor e crítico literário Ted Hodgkinson, durante o anúncio desta quarta-feira. “Este é um romance de uma força inquestionável escrito por um escritor de um talento e habilidade eletrizante. [Trata-se de] um olhar inabalável do interior da vida familiar, uma evocação terna e visceral da estranheza de uma infância apanhada entre a vergonha e a salvação”, disse Hodgkinson.

O presidente do júri elogiou também a qualidade da tradução, da responsabilidade de Michele Hutchison, descrevendo-o como “um ato” que “exigiu o mais alto nível de sensibilidade, para apresentar uma perspetiva tão distinta e poética”.

Fiammetta Rocco, administradora do International Booker Prize Administrator, garantiu que este “livro não é igual a nenhum” que os jurados “tenham lido antes”. De acordo com a administradora, a principal preocupação do grupo foi procurar um livro que fosse “intemporal”. Rocco revelou ainda que que o júri lhe tinha confessado que a escolha do vencedor do International Booker foi a “maior aventura” do seu ano. Para Hodgkinson, foi mais do que isso: foi “a experiência de uma vida” e que, devido às particularidades deste ano, sentiu que “foram várias vidas numa só”.

O júri deste ano foi composto pelo escritor e crítico literário Ted Hodgkinson (presidente), a diretora da Villa Gillet e editora Lucie Campos, pela tradutora Jennifer Croft (que recebeu o prémio pela tradução de Viagens, de Olga Tokarczuk, em 2018), pelo jornalista e escritor Jeet Thayil e pela autora Valeria Luiselli.

Os jurados encontraram-se pela primeira vez em Londres, em outubro do ano passado. Depois desse encontro, levaram para as suas casa, em diferentes cidades e diferentes países, 124 obras, traduzidas de 30 línguas diferentes. O grupo voltou a reunir-se presencialmente em fevereiro, para decidir a longlist do galardão deste ano. A 13 de abril, quando a shortlist foi anunciada, a pandemia tinha obrigado ao isolamento e os seis livros escolhidos foram anunciados online por Ted Hodgkinson.

[A atriz Natalie Haynes lê um excerto de The Discomfort of Evening:]

A situação provocada pela Covid-19 levou a um adiamento do anúncio do vencedor do Internationao Booker, de maio para agosto, e a que a cerimónia de atribuição do prémio acontecesse também remotamente.

O International Booker Prize é atribuído anualmente a um obra de ficção traduzida para o inglês e publicada no Reino Unido ou Irlanda. Foi criado para incentivar a publicação e leitura de ficção internacional de qualidade e promover o trabalho de tradução. Tem um valor pecuniário de 50 mil libras (quase 56 mil euros), que é dividido em partes iguais pelo autor e tradutor. Os autor e tradutores nomeados para a shortlist de seis obras recebem mil libras (1.113 euros).

No ano passado, o prémio foi atribuído a Jokha Alharti, pelo romance Corpos Celestiais. Alharti foi o primeiro escritor originário do Sultanato de Omã a vencer o International Booker, o primeiro a ser traduzido para inglês e a sua obra a primeira em língua árabe a ganhar o galardão.