Donald Trump vai escolher a juíza Amy Coney Barrett para preencher a vaga deixada por Ruth Bader Ginsburg, fazendo dela a terceira escolha deste Presidente para o Tribunal Supremo, que passa assim a ter um pendor mais conservador.

A notícia está a ser avançada por vários órgãos de comunicação social dos EUA, entre os quais o The New York Times, a CBS, a NBC e a CNN. Todos citam “várias fontes republicanas” e indicam ainda que Amy Coney Barrett foi a única pessoa a ser entrevistada pelo Presidente para preencher esta vaga — isto apesar de o próprio ter dito ainda antes da morte da juíza Ruth Bader Ginsburg que tinha uma lista de vários juízes que poderia vir a nomear.

Ao completar a sua terceira nomeação para o Tribunal Supremo, e sempre com nomes de juízes conservadores, Donald Trump pode estar mais perto de garantir a manutenção de vários votos conservadores que ajudaram a elegê-lo em 2016, com destaque para os evangélicos brancos — o grupo demográfico que mais apoio deu ao Presidente, de acordo com as sondagens à boca da urna de há quatro anos.

Amy Coney Barret tem 48 anos e é desde novembro de 2017 juíza do Tribunal da Relação do Sétimo Circuito, que lida com casos em três estados: Illinois, Wisconsin e Indiana.

Com fortes credenciais entre os meios mais conservadores da política norte-americana, Amy Coney Barret era já um nome altamente cotado para preencher uma vaga — fosse qual ela fosse — no Tribunal Supremo, onde os juízes nomeados ficam até decidirem reformar-se ou, como foi no caso de Ruth Bader Ginsburg, de forma vitalícia.

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“Ela é combinação perfeita de uma jurista brilhante e uma mulher que traz ao Tribunal [Supremo] uma ideia potencialmente contrária às das juízas em funções”, disse ao The New York Times Marjorie Dannenfelser, presidente da Susan B. Anthony List, uma ONG a favor da criminizalização do aborto.

Antes da morte de Ruth Bader Ginsburg, o Tribunal Supremo dividia-se entre 5 juízes de pendor conservador e outros 4 tendencialmente conservadores, entre os quais Ruth Bader Ginsburg. Com a morte desta última e com a nomeação de Amy Coney Barret, passam então a ser 6 os juízes conservadores e apenas 3 os liberais.

O nome de Amy Coney Barret ainda terá de ser aprovado pelo Senado, mas essa será, à partida, uma tarefa relativamente fácil para os defensores daquele nome. Com uma maioria de 63 republicanos para 57 democratas, é praticamente garantido que o nome de Amy Coney Barret seja aprovado naquela câmara.  Até agora, apenas duas senadoras republicanas — Lisa Murkowski, do Alasca; e Susan Collins, do Maine — manifestaram a sua oposição a que Donald Trump pudesse nomear uma juíza tão perto das eleições.

As dúvidas de que esta decisão poderia encontrar uma barreira dentro do Senado esfumaram-se quando Mitt Romney, ex-candidato presidencial e senador republicano pelo Utah, apoiou a possibilidade de Donald Trump escolher um nome para ser mais tarde aprovado pelo Senado.

Se do lado republicano parece estar quase tudo afinado para receber mais uma juíza conservadora no Tribunal Supremo (depois de esta mesma maioria ter aprovado, durante o mandato de Donald Trump, os juízes conservadores Neil Gorsuch e Brett Kavanaugh), entre democratas esta decisão está a causar alvoroço.

Democratas estudam resposta: do silêncio à revolução

Entre democratas, houve quem defendesse abertamente a possibilidade de se enveredar pelo caminho do court-packing — isto é, uma manobra para aumentar o número de juízes do Tribunal Supremo, criando um conjunto de vagas adicionais que, por estarem disponíveis, caberiam ao próximo Presidente preencher. Essa opção faria sentido para alguns democratas caso Joe Biden vença as eleições e o Senado passe da atual maioria republicana para as mãos dos democratas. Que o Partido Democrata vai continuar a ter maioria na Câmara dos Representantes, a câmara baixa, é praticamente um dado adquirido.

Para aumentar o número de juízes, teria de haver uma iniciativa presidencial e, para ter seguimento, teria de contar com uma maioria simples primeiro na Câmara dos Representantes e depois no Senado.

A estratégia do court-packing foi abertamente defendida por alguns congressistas democratas, entre os quais Joe Kennedy III (da família do ex-Presidente John F. Kennedy) e Alexandria Ocasio-Cortez. Nas primárias do Partido Democrata, ainda antes da morte de Ruth Bader Ginsburg, apenas um candidato (Tom Steyer) disse ser a favor desta estratégia, ao passo que outros 10 disseram estar “abertos à ideia” — entre eles Kamala Harris, candidata a vice-Presidente. O candidato presidencial, Joe Biden, disse então que era contra.

Quem também falou sobre essa possibilidade, embora implicitamente, foi o líder do Partido Democrata no Senado, Chuck Schumer. “Deixem-me ser claro: se McConnell [líder do Partido Republicano Senado] e os republicanos no Senado forem para a frente com isto, então nada estará fora da mesa no ano que vem”, disse. “Nada está fora da mesa.”

Quem tem guardado silêncio sobre este tema é Joe Biden. Questionado numa entrevista sobre a possibilidade de ele próprio apoiar um aumento do número de juízes caso venha a ser eleito Presidente, Joe Biden preferiu não responder — e explicou porquê.

“É uma questão legítima, mas deixe-me dizer-lhe porque é que não lhe vou dar um a resposta: porque ela só iria desviar as atenções e isso é o que ele quer”, disse, referindo-se a Donald Trump. “Imaginemos que eu até respondia à pergunta. A partir desse momento, o debate seria todo sobre o que é que Biden disse ou não disse, Biden disse que fazia isto e que não fazia aquilo.”

“A discussão devia antes ser sobre porque é que ele está a ir numa direção que é totalmente inconsistente com aquilo que os fundadores [dos EUA] queriam. A Constituição diz que os eleitores podem escolher um Presidente, que por sua vez escolhe o juiz e o Senado escolhe. Estamos no meio de umas eleições, já há pessoas a votar. Quando as audiências para a aprovação desta juíza aconteceram, se elas existirem, estima-se que 30 a 40% dos americanos já tenham votado. Isso é uma quebra constitucional básica”, argumentou Joe Biden.

Há quatro anos foi igual, mas com Barack Obama (menos um pormenor importante)

Esta não é uma questão inédita. Há quatro anos, o juiz Antonin Scalia, então decano dos conservadores no Tribunal Supremo, morreu em fevereiro — isto é, a menos de 9 meses das eleições de 8 de novembro de 2016. Na altura, Barack Obama escolheu o juiz Merrick Garland, um centrista de pendor liberal, para o substituir Antonin Scalia. Porém, à altura, o Senado, que já era de maioria republicana, bloqueou essa possibilidade — com vários legisladores conservadores a referirem que a escolha devia caber ao próximo Presidente. Essa é, porém, uma posição que alguns deles, quatro anos mais tarde e ainda mais perto das eleições, não parecem estar dispostos a tomar.

Um desses senadores foi Lindsey Graham, republicano da Carolina do Sul e um dos mais próximos de Donald Trump naquela câmara. Em 2016, perante a proposta de Barack Obama para que fosse nomeado o juiz Merrick Garland, Lindsey Graham opôs-se e à altura disse: “Quero que usem as minhas palavras contra mim”, disse. E continuou: Se houver um Presidente republicano e uma vaga surgir no último ano do primeiro mandato, podem dizer que o Lindsey Graham disse ‘vamos deixar o próximo Presidente, seja ele qual for, fazer essa nomeação'”.

Agora, Lindsey Graham está a ser confrontado com as próprias palavras, que encaixam como uma luva no que está agora a acontecer quatro anos depois. E, numa resposta por escrito que enviou aos democratas do comité judiciário do Senado, nem por isso recuou: “No meu lugar, vocês fariam o mesmo”.

Este é um tema em que há vários telhados de vidro — e dos dois lados da política norte-americana. Em 1992, igualmente ano de eleições, a mesma questão colocou-se durante o último ano do mandato do republicano George H. W. Bush. À altura, perante a possibilidade de haver juízes a reformarem-se, o então Presidente do comité judiciário do Senado fez um discurso a favor de que as nomeações fossem feitas pelo próximo Presidente — que viria a ser o democrata Bill Clinton. O nome desse senador era nada mais nada menos do que Joe Biden.

Nessa época, os republicanos opunham-se a essa posição. Em 2016, defenderam-na eles próprios. E, em 2020, fugiram dela rapidamente ao passo que os democratas se agarraram a esse princípio. Como se pode ver, a política norte-americana dá muitas voltas — e, com ela, o Tribunal Supremo.