“Frugal”. É assim que o diretor de campanha de Ana Gomes, Paulo Pedroso, descreve ao Observador aquilo que vai ser a campanha presidencial em tempos de Covid-19, ou mesmo que não houvesse Covid-19: uma campanha de “baixo orçamento auto-imposto”, sem outdoors, sem brindes, nem sequer jantares comícios. “Vai ser uma campanha muito frugal, e seria sempre mesmo que não houvesse pandemia”, diz Paulo Pedroso ao Observador à margem de uma entrevista gravada esta semana.
O primeiro evento está já marcado para o dia 5 de junho, no Teatro da Trindade, em Lisboa. A ideia é que todos os eventos tenham uma dimensão presencial mas também que sejam transmitidos online, e tenham a participação de expectadores à distância, até para acautelar situações em que, em plena campanha, algum evento tenha de ser cancelado devido à pandemia ou até que algum protagonista tenha de estar em isolamento. “Todos os acontecimentos vão ser físicos e online até para que possam ser só online caso os físicos tenham de ser suspensos por razões de saúde”, explica.
O orçamento vai ser baixo e assente em “nas bases de colaborações voluntárias e de cidadania”. A ideia é que cada cidadão apoiante da candidatura, que queira colaborar e contribuir, possa contribuir monetariamente com um teto máximo bem abaixo daquele fixado por lei: 100 euros.
Paulo Pedroso vai ser um dos organizadores da campanha, e admite ter sido escolhido, em parte, devido à campanha autárquica que protagonizou em Almada, em 2009, e que ficou conhecida como a “campanha tupperware” de tão “porta a porta” que foi. Os tempos são outros, e a pandemia não deixa sequer um candidato entrar porta adentro, mas o conceito é idêntico: ouvir as pessoas.
Campanha dos afetos Vs. campanha do divã?
Se Freitas do Amaral inovou ao fazer campanha em modo “super produção”, Jorge Sampaio inovou num modelo mais “intimista” e Marcelo Rebelo de Sousa inovou na campanha dos afetos sem qualquer máquina partidária, bandeiras ou brindes. O que está na cabeça da organização da campanha de Ana Gomes é dar mais um passo na inovação e fazer uma campanha “intimista” mas ao contrário: não é a candidata que vai falar para uma pequena plateia, é a pequena plateia que vai falar para a candidata ouvir.
Sem comícios, muito menos almoços e jantares, o grosso das iniciativas vão ser os eventos estilo “town hall“, modelo muito usado nos EUA para promover debates de proximidade em escolas, universidades, bibliotecas ou outro tipo de fóruns, onde a candidata estará no meio a ouvir e a responder a perguntas dos participantes — que serão alvo de uma filtragem, no caso dos participantes presenciais — mas que também serão abertas a quem quiser participar remotamente através da transmissão online.
“O objetivo é ter uma campanha junto das pessoas, com as circunstâncias das limitações impostas pela situação de saúde publica, e com um caráter completamente diferente das outras num ponto: as pessoas não vão ouvir Ana Gomes, Ana Gomes vai ouvir as pessoas”, diz ao Observador em entrevista, sublinhando a componente “interativa” que pretende imprimir nos eventos. “A candidata não se apresenta como o político que chega com todas as soluções feitas e que as vai vender aos eleitores, vai conversar e ouvir”, acrescenta.
Isto não invalida que não haja a tradicional volta ao país — “vai haver mais do que uma volta” — nem que não haja a tradicional reta final de campanha mais mediatizada, com os jornalistas a tempo inteiro. Ana Gomes tem neste momento já o apoio anunciado do partido Livre e do PAN, sendo que se espera que haja personalidades do PS que, depois da comissão nacional socialista marcada para o dia 24 de outubro, declarem o seu apoio individual. Ainda assim, a ideia é ser uma candidatura cívica, que vai girar à volta do que cada um dos candidatos entende ser a função do Presidente e de como cada um entende conseguir melhorar o sistema democrático e aproximar os cidadãos.
Com uma dualidade no meio: por um lado, não dar importância a André Ventura, que é o candidato “fora da Constituição”, e, por outro, reduzir a hegemonia de Marcelo, o Presidente-espetáculo (“que está sempre em frente às câmaras a puxar o protagonismo para si próprio”). É, aliás, esse o objetivo de uma candidatura nesta ala política até aqui vazia: proliferar as candidaturas à esquerda para levar mais gente a votar, numa primeira volta, para impedir que uma franja da população se fique pela abstenção — sendo certo que a abstenção beneficia o candidato mais votado.
“O surgimento de quatro candidatos [três à esquerda e um à direita, Ventura não entra nesta equação], em princípio o único efeito que tem é o de aumentar o número de pessoas que votam”, diz Pedroso em entrevista, deixando claro que o objetivo da candidatura de Ana Gomes, ainda que se toque em muitos pontos com a de Marisa Matias ou de João Ferreira (com a diferença de estas duas candidaturas são mais partidárias), é reduzir o poder de Marcelo e obrigá-lo, no limite, a ir a uma segunda volta. Essa é a meta.
Quanto a Ventura, não entra na equação. Pedroso, que tem sido pessoalmente visado nos ataques do líder do Chega, diz que a estratégia vai ser deixá-lo a “falar sozinho”, mas tendo sempre presente que os temas a que Ventura recorre são temas que preocupam as pessoas e, por isso, não é possível ignorá-los. “A extrema-direita e a extrema-direita populista têm uma característica que é uma das características que a torna perigosa, que é: geralmente tenta aproveitar-se de temas que são reais. E os democratas, o pior erro que poderiam fazer era ignorar que certos problemas são reais e existem”, diz. Ou seja, é preciso atacar os problemas de frente, mas dentro do Estado de direito, e não de fora, “a procurar destruir o Estado de direito”. É essa candidata que Ana Gomes quer ser.