António Costa vai voltar a prestar depoimento por escrito, desta vez na fase de julgamento do caso Tancos, que arranca a 2 de novembro. O Tribunal de Santarém pediu esta terça-feira que o Conselho de Estado autorize o primeiro-ministro a testemunhar por escrito — tal como já tinha autorizado na fase de instrução —, num despacho a que o Observador teve acesso.

Costa, que foi arrolado como testemunha pelo ex-ministro da Defesa e arguido no processo Azeredo Lopes, já tinha respondido às perguntas do juiz Carlos Alexandre por escrito, depois de o Conselho de Estado não ter autorizado o primeiro-ministro a fazê-lo presencialmente. Desta vez, o Tribunal de Santarém nem sequer chegou a pedir um depoimento presencial, partindo já para um pedido de depoimento por escrito — evitando assim um braço de ferro como o que se assistiu entre o juiz Carlos Alexandre, que defendia um depoimento presencial, e Costa, que pediu ao Conselho de Estado para ser autorizado a depor apenas por escrito.

No despacho datado de 2 de outubro, o tribunal entende que, apesar de Costa “já ter prestado depoimento por escrito” na fase de instrução, terá de ser novamente autorizado pelo Conselho de Estado “em cada fase processual” em que seja chamado “a prestar depoimento” — enquanto membro do Conselho de Estado, Costa não pode ser testemunha, sem autorização do mesmo. Isto significa que os conselheiros de Estado poderão ter de autorizar que o primeiro-ministro deponha várias vezes, já que uma testemunha pode ser ouvida mais do que uma vez se surgirem dúvidas ao longo do julgamento que só possam ser esclarecidas com novas declarações.

Determina-se que, antes de mais, se solicite junto do Conselho de Estado, por meio de ofício assinado pelo ora signatário, autorização para prestação de depoimento escrito como testemunha nos presentes autos”, lê-se no despacho.

Já na fase de instrução — uma fase em que se decide se o caso segue para julgamento e em que moldes —, no início do ano, o primeiro-ministro tinha sido chamado por Azeredo Lopes como testemunha. Nessa altura, o juiz Carlos Alexandre pediu a Costa que prestasse depoimento presencialmente, mas o primeiro-ministro não acedeu ao pedido e manifestou ao Conselho de Estado a sua disponibilidade para depor por escrito.

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No entanto, o juiz Carlos Alexandre discordou da decisão e insistiu que era indispensável a presença do primeiro-ministro no tribunal para o questionar sobre “subhipóteses, explicações, intróitos”. O magistrado fez ainda questão de recordar que o seu entendimento jurídico, de que não é admissível o depoimento por escrito de Costa, se baseava no que foi ensinado pelo “mestre professor Marcelo Nuno Duarte Rebelo de Sousa” no que à Constituição diz respeito.

Portugal é uma “República soberana, baseada na dignidade pessoal e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária”, escreveu o juiz Carlos Alexandre.

Carlos Alexandre insiste que depoimento presencial de Costa é indispensável

Ainda assim, a decisão que prevaleceu foi a do Conselho de Estado. O juiz aceitou que o depoimento fosse feito por escrito e enviou 100 perguntas ao Palácio de São Bento, às quais Costa tinha 15 dias para responder. Assim foi: a 5 de fevereiro deste ano, o primeiro-ministro enviou as 100 respostas — 29 das quais apenas com “Não” — ao juiz Carlos Alexandre.

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O Tribunal de Santarém parece agora querer evitar este impasse, pedindo desde logo ao Conselho de Estado que autorize o depoimento por escrito — sem colocar a hipótese de que Costa responda às perguntas presencialmente.

O julgamento dos 23 arguidos do processo sobre o furto das armas de Tancos terá início em 2 de novembro — e já tem sessões marcadas até maio de 2021. Entre os arguidos está o ex-ministro Azeredo Lopes, o ex-diretor nacional da Polícia Judiciária Militar (PJM), Luís Vieira, o ex-porta-voz da PJM, Vasco Brazão, e o ex-fuzileiro João Paulino, que segundo o Ministério Público foi o cérebro do furto divulgado pelo Exército a 29 de junho de 2017 — a alegada recuperação do material de guerra furtado ocorrido na região da Chamusca, em Santarém, quatro meses depois.

Os arguidos respondem por um conjunto de crimes, como terrorismo, associação criminosa, denegação de justiça, prevaricação, falsificação de documentos, tráfico de influência, abuso de poder, recetação e detenção de arma proibida. Azeredo Lopes está acusado dos crimes de denegação de justiça, prevaricação, favorecimento pessoal praticado por funcionário, abuso de poder e denegação de justiça.

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