No ano passado, as habituais listas de apostas para o Prémio Nobel da Literatura, o mais imprevisível prémio literário, foram dominadas por mulheres. Não foi por acaso — depois do escândalo sexual envolvendo o dramaturgo francês Jean-Claude Arnauld, marido de uma ex-membro da Academia Sueca e dono de um clube literário parcialmente financiado por esta, a vontade por uma mudança dentro do organismo que atribui o Nobel era generalizada. Não foi isso que aconteceu. Depois de um hiato de um ano, o prémio foi para o austríaco Peter Handke, personagem polémica e pouco consensual, sobre a qual pairam graves acusações, que incluem a negação de genocídios.

O choque da atribuição do Nobel a Handke foi tal que nem a atribuição do prémio referente ao ano de 2018 a Olga Tokarczuk, ativista política, opositora da extrema-direita e crítica do conservadorismo do seu país, a Polónia, foi capaz de salvar a edição de 2019 (durante a qual foram anunciados os dois prémios devido à paragem de um ano) — a credibilidade que o presidente da Fundação Nobel disse ter sido perdida, continuou perdida. Leitores e críticos esperam agora que a Academia Sueca ponha finalmente um ponto final aos anos de convulsão, restabelecendo o Nobel da Literatura como aquilo que sempre foi — o mais importante prémio literário do mundo. Mas será que é isso que vai acontecer esta quinta-feira, quando o vencedor de 2020 for anunciado?

Se as listas de apostas estiverem certas (e poucas vezes o estão), o Nobel de 2020 será atribuído a uma mulher. A guadalupina Maryse Condé e a canadiana Anne Carson, que venceu há poucos meses o Prémio Princesa das Astúrias das Letras, são as candidatas mais consensuais, juntamente como a antiguana Jamaica Kincaid, a favorita dos críticos literários. A canadiana Margaret Atwood, que partilhou o Booker Prize de 2019 com Bernardine Evaristo, e a russa Lyudmila Ulitskaya são igualmente apontadas como possíveis vencedoras. No grupo dos homens, em menor número, repetem-se os nomes do costume: o japonês Haruki Murakami, o queniano Ngũgĩ wa Thiong’o e o checo Milan Kundera.

Jamaica Kincaid é a favorita dos críticos, mas a Academia trabalha de “maneira misteriosa”

Para Björn Wiman, editor de Cultura do maior jornal diário da Suécia, o Dagens Nyheter, a melhor aposta da Academia seria Jamaica Kincaid. A escritora de 71 anos aborda nas suas obras questões relacionadas com racismo, colonialismo e género. “Vale a pena ouvir hoje a sua posição em relação a vários temas morais e políticos”, afirmou à agência de notícias France-Presse. “Ela é exatamente o tipo de pessoa que leva o prémio para a direção idealista de que o fundador do prémio, Alfred Nobel, falou”, apontou. Madelaine Levy, crítica literária no Svenska Dagbladet, é da mesma opinião: Kincaid é “uma escritora incrível de quem é fácil gostar”.

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Mas nada é certo e ambos jornalistas não colocam de lado a hipótese de a Academia Sueca continuar igual a si mesma e optar por um “antigo candidato”, “como fizeram com Handke”, apontou Björn Wiman. Madelaine Levy considera que seria até mais provável que o organismo optasse por um nome como Michel Houellebecq, personagem igualmente controversa: “É o mesmo tipo de escritor, com uma visão negra da Europa contemporânea e uma visão muito negativa da humanidade, onde o homem é um falhanço”, disse à France-Presse, admitindo que a sua preferência pessoal recai sobre a norte-americana Joan Didion, que “começou um tipo de estilo de ensaio social mas virado para a política e cultura pop”.

Svante Weyler avançou também como hipótese a escritora britânica Hilary Mantel, que pode vencer “por combinar descrições extremamente inteligentes com um grande apelo do público”. A autora da famosa trilogia sobre Thomas Cromwell, ministro de Henrique VIII, “não tornou apenas o romance histórico aceitável, ela tornou-o no principal género no mundo literário”, afirmou. Para o jornalista sueco, nada é certo. A Academia Sueca surpreendeu muitas vezes e pode voltar a fazê-lo este ano. “Eles trabalham de maneira misteriosa.”

Independentemente de quem vencer o Prémio Nobel esta quarta-feira, para Peter Mass a resposta dessa pessoa deve ser: “Obrigado, mas não obrigado”. “A Academia Sueca, que seleciona o vencedor do Nobel, é uma instituição corrupta que tolerou o negacionismo de genocídio e o assédio sexual”, declarou o jornalista num artigo de opinião publicado no The Intercept. “O ano de 2020 é um tempo de emergência. É o momento de desafiar as instituições corruptas e não de lhes agradecer.”