O juiz desembargador indicado por Jair Bolsonaro para ministro do Supremo Tribunal Federal do Brasil, Kassio Nunes Marques, apresentou, em 2015, à Universidade Autónoma de Lisboa (UAL) uma tese de mestrado que terá vários excertos idênticos aos que estão presentes em publicações feitas quatro anos antes pelo advogado Saul Tourinho Leal. Este é apenas um dos episódios que envolve o currículo do magistrado, já que também a Universidad de La Coruña, em Espanha, rejeita a informação de que Kassio Nunes Marques tirou na instituição um curso de pós-graduação.

A informação do alegado plágio foi avançada pela revista Crusoé, que acrescenta que não é feita a referência bibliográfica ao autor em questão e que os textos contêm até os mesmos erros ortográficos. O advogado e autor dos textos iniciais, no entanto, assegura que não foi alvo de plágio, argumentando que os excertos idênticos são “fruto de debates, discussões e trocas de informações académicas” com o juiz. Também Kassio Nunes Marques já veio negar as acusações.

A tese de Kassio Nunes Marques, intitulada de “Concretização Judicial do Direito à Saúde: um contributo à sua efetivação no Brasil a partir das experiências jurisprudenciais no Direito Comparado e nas matrizes teóricas portuguesas” e realizada em janeiro de 2015 para a conclusão do mestrado em Direito na UAL, está disponível em acesso aberto no Repositório Institucional da Universidade Autónoma de Lisboa. A dissertação teve a orientação da deputada do PS e ex-ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa, que, em resposta à revista Crusoé, disse ter ficado surpreendida com as notícias e indicou que “há um procedimento na comissão científica”, uma vez que tudo “tem de ser avaliado”.

“Já não está nas minhas mãos. A partir do momento em que tive conhecimento dessa situação, ao meu ver, tenho que comunicar diretamente à universidade, ao departamento”, referiu Constança Urbano de Sousa à mesma revista. O Observador tentou contactar a ex-ministra e a Universidade Autónoma de Lisboa, mas sem sucesso.

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No documento em causa, de acordo com a investigação da Crusoé, foram encontrados parágrafos semelhantes ao texto que consta em, pelo menos, três artigos de Saul Tourinho Leal, publicados em 2011, sem que tenha sido incluído nas referências bibliográficas da tese. Em causa estão os textos “Ativismo judicial: as experiências brasileira e sul-africana no combate à Aids”, “Direito à saúde: cidadania constitucional e reação judicial” e ainda “O debate imaginário entre Luís Roberto Barroso e Richard Posner quanto à concretização judicial do direito à saúde”.

Olhando ao detalhe para um excerto do texto “Ativismo judicial: as experiências brasileira e sul-africana no combate à Aids“, de Saul Tourinho Leal, e comparando com o que consta na dissertação de Kassio Marques, é possível observar que há três parágrafos praticamente iguais deste artigo que estão incluídos na tese de mestrado, sem ser feita a devida referência bibliográfica. As ideias e palavras que antecedem as citações são iguais nos dois trabalhos.

(Clique na imagem para ler com melhor qualidade) Comparação do mesmo excerto nos dois trabalhos. A imagem número 1 diz respeito ao texto de Saúl Tourinho Leal e a imagem número 2 diz respeito à tese de Kassio Marques

Na imagem abaixo é possível constatar outro exemplo de dois parágrafos que têm praticamente o mesmo texto no trabalho de Saul Tourinho Leal — “Direito à saúde: cidadania constitucional e reação judicial” e na dissertação de Kassio Nunes Marques. Outro dos aspetos mencionados pelos meios de comunicação brasileiros é o facto de serem repetidos erros ortográficos que também estavam no texto de Saul Tourinho Leal, como é o caso da palavra “Naníbia” em vez de “Namíbia”.

(Clique na imagem para ler com melhor qualidade) Comparação do mesmo excerto nos dois trabalhos. A imagem número 1 diz respeito ao texto de Saúl Tourinho Leal e a imagem número 2 diz respeito à tese de Kassio Marques

Advogado e juiz negam tratar-se de plágio e falam em “esforço mútuo”

Face à investigação, conta o Estadão, o advogado Saul Tourinho Leal já veio negar qualquer tentativa de plágio da parte de Kassio Nunes Marques, argumentando que os excertos mencionados são semelhantes aos dos seus textos por serem “fruto de debates, discussões e trocas de informações académicas que, em conjunto com o desembargador, constituíram um acervo doutrinário comum para ser utilizado na produção de ambos”.

No presente caso, as ideias expostas na dissertação do Desembargador Kassio Marques são de sua autoria, até porque, temos linhas doutrinárias absolutamente divergentes, guardando em comum tão somente parte do acervo pesquisado, fruto do esforço mútuo dos autores, acrescentou o advogado, citado pelos jornais brasileiros.

O advogado acrescenta que “há anos” que tem “uma relação académica com o desembargador Kassio Marques, cuja trajetória profissional e académica é orgulho para os juristas do Piauí, do Nordeste e do Brasil”.

Também a assessoria de Kassio Nunes Marques desmentiu as acusações, argumentando que o desembargador e o advogado até têm posições diferentes sobre o tema do trabalho. “O desembargador Kassio Nunes Marques busca em sua dissertação a autocontenção judicial. O trabalho é diferente do posicionamento do professor Saul Tourinho, defensor do ativismo judicial. (…) A coincidência das citações apontadas provavelmente decorre da troca de informações e arquivos relacionados a um dos temas abordados”, justificou a assessoria, acrescentando que, na altura, a universidade já utilizaria uma ferramenta para detetar plágio e que a tese do ministro indicado para o Supremo terá sido também alvo de análise e considerada “dentro do padrão exigível pela instituição”.

Esta terça-feira foi ainda revelado pelo jornal Estadão que a Universidad de La Coruña, em Espanha, negou a informação de que Kassio Nunes Marques tirou um curso de pós-graduação neste estabelecimento de ensino. “Informamos que a Universidade de La Coruña não lecionou nenhum curso de pós-graduação com o nome de Postgrado en Contratación Pública”, referiu a universidade em resposta ao jornal.

Kassio Nunes Marques é desembargador do Tribunal Regional Federal da 1.ª Região, no Brasil, e foi indicado a 1 de outubro deste ano pelo Presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, para assumir a liderança do Supremo Tribunal Federal, precisando ainda da aprovação do Senado brasileiro.

(Notícia atualizada às 23h24. No lead do artigo foi substituída a parte em que era referido que a ex-ministra Constança Urbano de Sousa disse que a dissertação vai ser reavaliada pela citação: “Isso tem que ser avaliado”).