Milhares de pessoas esperaram por um teste à Covid-19 na China, em janeiro. A razão? O regime chinês recebeu um milhão de yuans (cerca de 125 mil euros) de três empresas de Shangai para lhes conceder os direitos de distribuição dos testes ao novo coronavírus, que vinham com defeito. Esta ação poderá ter sido a razão pela qual o vírus se espalhou pela região chinesa de Wuhan desenfreadamente — e poderá ter estado na origem da propagação da Covid-19 pelo mundo, revela uma grande investigação da Associated Press (AP).

“Havia muitos poucos testes, basicamente quase nenhuns”, relata a mãe de Peng Yi, um professor de 39 anos que acabou por morrer vítima da Covid-19. Começou com tosse em meados de janeiro e foi ao hospital no dia 23 desse mês, tendo de esperar durante oito horas para ser atendido. Realizou uma TAC que mostrava sinais de infeção nos pulmões. Foi para casa. Testou negativo a 30 de janeiro. Sem uma confirmação, ninguém poderia ser admitido no hospital mesmo que apresentasse sintomas: “O médico disse que não havia nada a fazer”, lembra Zhong Hanneng, mãe de Peng Yi.

Um inquérito do Imperial College London citado pela AP mostrou isso mesmo. Apenas um em cada 19 infetados testou positivo ao novo coronavírus até 31 de janeiro na China — mas eram na sua maioria falsos negativos. E os doentes eram mandados para casa, o que potenciava a transmissão do vírus. Aliás, de 5 a 17 de janeiro poucas foram as infeções detetadas na China, apesar de uma análise posterior mostrar que milhares em Wuhan contraíram Covid-19 naquele intervalo de tempo.

Na origem, estão os testes das três empresas de Shangai (GeneoDx Biotech, Huirui Biotechnology e BioGerm Medical Technology) que fizeram atrasar a testagem massiva. Para além do atraso, os testes não funcionavam corretamente — vários apresentavam resultados inconclusivos ou eram falsos negativos.

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O regime chinês contribuiu para este atraso. O Centro de Controlo e Prevenção de Doenças da China e a Comissão de Saúde Nacional impediram que outras empresas desenvolvessem testes para a Covid-19. As amostras do novo coronavírus apenas podiam ser enviadas para laboratórios específicos autorizados pelas entidades chinesas, de modo a serem posteriormente usadas pelas empresas de Shanghai.

Em consequência das falhas nos testes, o vírus espalhou-se sem controlo na região de Wuhan e fez com que os cientistas não tivessem perceção da facilidade da transmissibilidade do novo coronavírus. Segundo a AP, estes erros poderão ter facilitado a propagação do vírus não só na China, mas em todo o mundo. Um estudo da revista Nature estima que se tivessem sido aplicadas várias medidas de controlo à Covid-19 duas semanas antes, tal poderia ter reduzido o número de casos em 86% pelo mundo.

Os acordos entre entidades governamentais chinesas e as três empresas de Shangai ocorreram clandestinamente. A AP, que teve acesso a documentos, contratos, mensagens e emails secretos, conseguiu também detetar que existiam conexões pessoais entre os responsáveis de saúde chineses e as três empresas de Shangai.

Para os “olhos das autoridades, ele era como um grão de areia”, diz a mãe do professor de 39 anos. “Na nossa casa, ele era o nosso céu, ele era tudo. Sem ele não conseguimos ser felizes outra vez”, lamenta Zhong Hanneng. O filho morreu a 19 de fevereiro. Testou novamente a 4 de fevereiro pela insistência de família. Tinha mesmo Covid-19. Mas já era demasiado tarde.