Francisco Sá Carneiro “era um homem de coragem — com ela nasceu, com ela viveu e com ela morreu” e foi alguém que “marcou de forma indelével a democracia em pilares fundamentais”. Quem o afirmou esta sexta-feira foi o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que evocou o histórico fundador e líder do PSD no dia em que se assinalam os 40 anos da morte de Sá Carneiro, no desastre aéreo de Camarate a 4 de dezembro de 1980.
Marcelo Rebelo de Sousa falou no âmbito do lançamento de um livro sobre o trajeto e a vida de Francisco Sá Carneiro, no Grémio Literário, em Lisboa, como nota a RTP.
Desfazendo-se em elogios ao longo do discurso, Marcelo descreveu ainda o histórico líder do PPD-PSD como “uma irrequieta e inquieta força da natureza”, alguém “extraordinariamente inteligente”, “culto” e “implacável no argumento”, “um dos pais civis da democracia” portuguesa e um homem que conseguiu “a partir de quase nada e por várias vezes” fazer um “partido galvanizante” — “um partido tido por impossível, inviável, sem espaço político à nascença” naqueles anos 70 revolucionários.
Sobre a incerteza de Camarate: “Um pesar que não me abandona”
Notando que além de Francisco Sá Carneiro morreram ainda, no desastre de Camarate, outras vítimas — o então ministro da Defesa português Adelino Amaro da Costa, Snu Abecassis, Maria da Silva Pires, António Patrício Gouveia e os dois pilotos, Jorge Albuquerque e Alfredo de Sousa —, Marcelo lembrou as dúvidas em torno dos contornos do desastre aéreo.
O Presidente da República assumiu sentir “um pesar” que não o “abandona enquanto cidadão” por “a nossa democracia nunca ter podido no plano jurisdicional carrear dados probatórios bastantes para provar se Camarate foi acidente ou crime”. A avaliação última da Justiça, a “derradeira decisão judicial”, elencava motivos “para não poder ser provado que existiu crime”, mas também “considerava não haver prova bastante para concluir que tenha havido acidente”, notou ainda Marcelo.
É muito frustrante ter de admitir que o tempo acabou por não facilitar uma decisão jurisdicional com mais sedimentada base probatória. Qualquer que ela fosse [a decisão], ter-me-ia aquietado mais como cidadão”, acrescentou o Presidente.
“Uma irrequieta e inquieta força da natureza”: como o lembra Marcelo
O Presidente da República lembrou ainda que “todos os sucessivos Presidentes homenagearam Francisco Sá Carneiro”: “Alguns de nós condecorámo-lo com as mais significativas ordens honoríficas”. Isso mostra, entende, que há “uma unanimidade na gratidão a quem em menos de seis anos em vida em democracia a marcou de forma indelével, em pilares fundamentais num dos partidores fundadores e matriciais [do regime]”.
Referindo-se à Aliança Democrática (AD), Marcelo lembrou “a aliança que abriu perspetivas reformistas no exercício do poder, em opções que criaram consensos de regime”. Mas também outros contributos de Sá Carneiro, cujos “traços de caráter, personalidade, racionalidade, coragem e sentido institucional de Estado ficaram e ficarão no património de um regime” que Sá Carneiro ajudou “a fundar” e que “reformaria as vezes que entendesse necessário fazer”.
Cultor das amizades, apreciador de cada dia como se fosse o último, excecionalmente inteligente, culto da cultura de raiz e da cultura da leitura, sagaz, implacável no argumento, incisivo no humor, como sempre seria uma irrequieta e inquieta força da natureza. Como amigo, devo-lhe dias e noites inesquecíveis”, referiu ainda.
O PR destacou ainda a “coragem” como uma das qualidades definidoras de Francisco Sá Carneiro: “Mais ainda do que o óbvio prazer do desafio e o gosto do risco que deram um cunho ético e estético à sua vida”, o antigo fundador e líder do PSD “era um homem de coragem — com ela nasceu, com ela viveu e com ela morreu. E morreu exatamente como viveu, em luta. Mas não morreu nem morrerá a sua memória e o seu exemplo: são hoje património de um partido mas sobretudo património de Portugal”.
Entrevista a Pedro Santana Lopes: “Sá Carneiro sempre preferiu aliar-se à sua direita”
“Um dos pais civis da democracia” e “autor de um partido tido por impossível”
Chamando-lhe ainda “um dos pais civis da nossa democracia”, Marcelo lembrou os vários momentos da vida política de Sá Carneiro: foi “vencedor em 1974, temporariamente vencido em 1975, novamente vencedor entre o final de 1975 e 1977, de novo temporariamente vencido do final de 1977 a 1978 e no final o grande vencedor de 1978 a 1980”.
Marcelo notou ainda que Sá Carneiro era um “democrata” e “civilista” que foi também “o autor de um partido tido por impossível, inviável, sem espaço político à nascença, sem a Internacional a apadrinhar, sem aparente lugar possível entre a revolução e a contra-revolução radicalizadas, entre as esquerdas múltiplas e o centro-direita e a direita democráticas a construirem-se, entre o MFA [Movimento das Forças Armadas] e a sociedade civil, entre o Partido Socialista hegemónico e tudo o mais em constante redefinição”.
Não esquecendo além da “construção da Aliança Democrática”, do “exercício do Governo” e da “reforma de Portugal”, também as “duas cisões dramáticas” no partido do qual foi fundador e líder histórico, cada uma delas a estimular um novo “caminho a reiniciar”, Marcelo puxou dos galões de militante do partido de Sá Carneiro para lhe agradecer: “Como militante de primeira hora do PPD-PSD, devo-lhe o reconhecimento pela missão impossível tornada possível: ter construído um partido galvanizante a partir de quase nada e por várias vezes”.
Francisco Sá Carneiro foi ainda alguém que “teve muitas mas mesmo muitas vezes razão antes do tempo”, apontou Marcelo. Teve-a “ao querer acelerar uma democracia civil, ao querer acelerar um regime económico de mercado mais europeu e menos ligado ao tempo revolucionário, ao querer mais Europa mais cedo… Viu-o antes e quis antes. Infelizmente já não pôde viver o que antevira e fizera”.