Cecília Meireles não deixou pedra sobre pedra. No conselho nacional do CDS, que decorreu este sábado, a deputada democrata-cristã interpelou diretamente a direção do partido e exigiu “respeito” por si e pelo grupo parlamentar do CDS. “Tudo tem limites”, atirou.

A reunião aconteceu por videoconferência, só acessível aos conselheiros eleitos, mas o Observador sabe que Cecília Meireles teceu duras críticas à direção do CDS, dizendo mesmo que o partido está a “inverter por completo” as suas prioridades. “Está excessivamente concentrado na sua vida interna e a transformar isso no essencial. A política não é a vida interna do partido. É a ação sobre o país.”

A deputada referiu-se ainda aos dirigentes do partido que não hesitam em questionar a lealdade e o desempenho do grupo parlamentar, como aconteceu em outubro, quando Francisco Rodrigues dos Santos aproveitou uma reunião do partido para se queixar de “sabotagem interna” e do papel dos deputados. Cecília Meireles não se retraiu:

O meu trabalho está à vista de todos. Em vez de o partido andar em guerras de alecrim e manjerona, que têm muito mais de ficção de que realidade, era muito útil definirmos as linhas que têm de ser definidas. Tudo tem limites“.

Depois, Cecília Meireles falou ainda da questão do “Chega, o elefante na sala”, que o CDS parece “não querer enfrentar”. A democrata-cristã não resistiu à ironia (“O PS diz que tudo é culpa do Passos; o CDS agora diz que a culpa é da Assunção”) e pediu uma “estratégia clara” para enfrentar o Chega.

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“O problema está a agravar-se. [André Ventura] faz gala de nos enxovalhar a todos através do presidente do nosso partido e eu quero lutar contra isto. Mas precisamos de ter uma estratégia”, rematou.

Cecília Meireles é apontada, internamente, como possível candidata à sucessão de Francisco Rodrigues dos Santos. Numa entrevista ao Observador, João Gonçalves Pereira, deputado, vereador e dirigente do CDS, chegou mesmo a dizer que a deputada “seria uma boa solução para a liderança do CDS”.

Líder do CDS queixa-se de “sabotagem interna” e não esconde o desconforto com o próprio grupo parlamentar

“Chega é uma ameaça à nossa sobrevivência”

De acordo com o que apurou o Observador, a intervenção de Adolfo Mesquita Nunes foi no mesmo sentido. O antigo vice-presidente do CDS questionou a falta de definição do partido em relação ao Chega.

Temos um problema com o Chega. É um partido normal, apenas nosso concorrente? Ou é um partido que nos causa repulsa? Se é um partido que nos causa repulsa temos de aceitar que haja dúvidas sobre acordos, consensos com o Chega”, afirmou Mesquita Nunes.

Mesquita Nunes, tal como Cecília Meireles, sugeriu que André Ventura “humilha diariamente” o CDS e que se transformou rapidamente numa “ameaça à sobrevivência” do partido. “Não temos política para lidar com o Chega. Não paramos para pensar o que fazer com uma das nossas maiores ameaças”, lamentou.

A esse respeito, o antigo vice de Assunção Cristas argumentou que o facto de o CDS admitir alegremente que pode vir a fazer parte de uma solução de poder com o Chega coloca um problema de estratégia eleitoral: o CDS perde o monopólio do voto útil à sua direita e cria-se a perceção de que é indiferente votar num ou noutro partido porque, no final, todos se vão entender.

Resistindo à tentação de criticar diretamente Francisco Rodrigues dos Santos, Mesquita Nunes não deixou de fazer uma referência às palavras do atual líder que chegou a classificar aqueles que, no CDS, criticaram um acordo nos Açores como a “direita fofinha e dos salões do bairro alto”.

Quando fui dirigente nacional peguei nos meus tarecos e fui candidato à minha terra [Covilhã].  Que não se retire [do facto de estar afastado da vida política] qualquer falta de lealdade com o partido”, rematou.

Adolfo Mesquita Nunes rompe o silêncio: “O erro cometido nos Açores compromete a sobrevivência do meu partido”

Também Telmo Correia, líder parlamentar do CDS, foi particularmente duro na sua intervenção, exigindo a Rodrigues dos Santos uma clarificação: os elogios públicos da direção do partido ao grupo parlamentar são verdadeiros ou uma “hipocrisia” para esconder um desejo mais profundo de querer manter acesa “a conflitualidade” entre as partes?

Decidam-se: ou querem um partido unido e a trabalhar, e é bom que tenham uma ideia política e um projeto, ou querem continuar a alimentar esta conflitualidade”, atirou Telmo Correia.

De resto, o líder parlamentar não deixou de questionar o discurso ensaiado pela atual direção que vai dizendo que foi escolhida por uma larga maioria dos congressistas e que, como tal, goza de uma legitimidade que a coloca acima das críticas dos derrotados.

A esse propósito, Telmo Correia recordou que Pedro Borges Lemos, apoiante de Rodrigues dos Santos nas últimas diretas, já deixou o partido para se juntar ao Chega e que Abel Matos Santos, da Tendência Esperança e Movimento, acabou afastado pela atual direção. Nas entrelinhas: a base de apoio de Francisco Rodrigues dos Santos é cada vez menor, sugeriu o líder parlamentar. “Se queremos unidade vamos trabalhar para isso“, rematou.

Tal como Telmo Correia antes dele, João Gonçalves Pereira, deputado, vereador e líder do CDS/Lisboa, notou que o resultado conseguido nos Açores está longe de ser feliz, uma vez que o partido registou o pior resultado dos últimos 25 anos, perdeu eleitores e mandatos.

O facto de fazer parte do governo açoriano, notou Gonçalves Pereira, não apaga esse resultado nem a falta de liderança no CDS, que não consegue impor “uma mensagem, bandeiras ou agendas alternativas à direita”.

Aconselhando “bom senso e recato” à atual direção, o deputado democrata-cristão disse mesmo que o CDS luta neste momento pela sua “sobrevivência” e que é “uma enorme irresponsabilidade política” pensar que resultados mínimos na casa dos 2% serão suficientes para integrar um eventual governo de direita.

“Não acredito nesta liderança e não acredito neste caminho”

João Almeida, deputado e adversário de Francisco Rodrigues dos Santos nas últimas eleições internas, juntou-se ao coro de críticas a Rodrigues dos Santos e foi taxativo: “Esta não é a minha liderança e este não é o meu caminho. Não acredito nesta liderança e não acredito neste caminho“, disse.

Ainda assim, o democrata-cristão, sabe o Observador de acordo com relatos da reunião, repetiu diversas vezes que nada fará para criar obstáculos à atual direção. “Este é o meu partido. Não farei nada para que as coisas corram mal.”

Voltando às críticas, João Almeida disse que o primeiro ano de Rodrigues dos Santos “não correu nada bem” e que o “partido está muito pior do que estava há um ano“. “Precisávamos de ter recuperado o nosso espaço político. Rui Rio deu-nos essa oportunidade.”

Não me conformo que não haja da nossa parte a capacidade de representar esse espaço política. A resposta é a direita democrática e popular. Denunciar o pântano, os subsídios à comunicação social, a promiscuidade no Banco de Portugal, na PGR, o Tribunal de Contas, no apoio ao PCP e à CGTP, e a promiscuidade entre a Presidência da República e do Governo. Se nós fizéssemos este discurso de alternativa, sobrava menos espaço para os outros.”

Lobo d’Ávila segura Rodrigues dos Santos

Filipe Lobo d’Ávila, vice-presidente do CDS e aliado instrumental do atual presidente — foi ele que permitiu a Rodrigues dos Santos ter maioria no congresso –, garantiu estar totalmente empenhado na direção do partido e garantiu “total solidariedade” para com o líder do CDS.

“O meu compromisso é com o CDS. Estou contigo, meu caro Francisco Rodrigues dos Santos“, afirmou o vice-presidente do partido. Na sexta-feira, o semanário Expresso sugeria que a ala de Lobo d’Ávila poderia estar prestes a romper com o líder do partido, desiludida com o rumo que a atual direção estava a levar.

Ora, no conselho nacional do CDS, Lobo d’Ávila foi cristalino: “Enquanto a mudança que foi prometida no congresso for possível, a minha solidariedade é total”, assegurou, já depois de ter lembrado que, quando achou que Assunção Cristas estava a cometer um erro estratégico decidiu deixar o lugar de deputado na Assembleia da República. “Desenganem-se se acham que me mantenho porque me quero segurar num qualquer lugar dentro do CDS”, notou.

Antes, Lobo d’Ávila já tinha interpelado diretamente Francisco Rodrigues dos Santos para elogiar o empenho do líder do partido. “Sei bem quais foram as circunstâncias em que começaste a exercer o mandato”, começou por dizer o vice, recordando os desafios colocados pela pandemia e também, por exemplo, da “situação financeira desastrosa” em que se encontrava o CDS.

Mais grave ainda, argumentou, foi ter herdado um partido sem “identidade na mensagem”, um problema crónico que foi “letal na confiança do eleitorado” do partido.

Filipe Lobo d’Ávila: CDS no Governo com o Chega? “A nossa prioridade tem de ser ter uma alternativa ao socialismo”

Cecília Anacoreta Correia, porta-voz do CDS, acabou por intervir no mesmo sentido, criticando a “minoria que foi vencida no congresso” e que continua sem aceitar os resultados eleitorais, revelando “falta de maturidade democrática”.

“Os que têm mais espaço mediático têm responsabilidade partilhada de reconstruir o caos dos 4% e de promover aquilo que é bem feito pela direção e pelo grupo parlamentar. A nossa batalha está lá fora, chama-se socialismo, pobreza e desemprego. As pessoas não compreendem que os políticos do CDS se percam com politiquices”, sublinhou.

*Artigo atualizado às 03h41