A Galp vai encerrar a atividade de refinação em Matosinhos a partir do próximo ano e concentrar as suas operações de refinação e desenvolvimentos futuros no complexo de Sines, anunciou esta segunda-feira a empresa. A unidade de Matosinhos já tinha suspendido a produção de combustíveis devido à falta de procura causada pelo impacto económico da pandemia, primeiro em abril e depois em outubro. Com a decisão de encerrar a atividade de refinação em Leça da Palmeira, Portugal fica apenas com uma refinaria a operar, Sines.

Galp suspendeu produção de combustíveis em Matosinhos. Sines pode parar se armazenamento esgotar

O Ministério do Ambiente e Ação Climática considera que o encerramento da unidade, apesar de inserido na transição energética, “levanta preocupações, sobretudo no que respeita ao destino dos trabalhadores afetos àquela unidade industrial”.  A refinação em Matosinhos conta atualmente com 400 trabalhadores efetivos, de acordo com informação confirmada ao Observador por fonte oficial da Galp. Mas sindicatos falam em mais de 1.500 trabalhadores afetados, eventualmente contabilizando postos indiretos em empresas que são fornecedoras ou prestam serviços às operações industriais de Leça da Palmeira.

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Em comunicado, o ministério assinala que esta é uma decisão de uma empresa privada, mas manifesta-se disponível para reunir com trabalhadores e empresa para encontrar soluções e assinala que o Fundo europeu para a Transição Justa tem verbas disponíveis para apoiar regiões onde há empresas com refinação ou atividades industriais emissoras de CO2 que tenham de encerrar por causa da transição energética.

O Governo sublinha ainda que a segurança de abastecimento de combustíveis está assegurada, apesar do fecho da unidade que abastece um terço das necessidades nacionais de produtos refinados. O Porto de Leixões continuará a receber produtos refinados, que serão transportados por pipeline para o local da refinaria, de onde serão distribuídos para a região norte do país. Mas apela à Galp para que procure “rentabilizar os ativos físicos que detém em Leça da Palmeira para o desenvolvimento de novos negócios industriais no domínio da energia, estando o Governo disponível para colaborar com a empresa nesse domínio.”

Em comunicado enviado aos trabalhadores, a Galp diz que esta é “uma decisão complexa e difícil que ocorre depois de muita ponderação, mas torna-se inevitável em face da ausência de resiliência e sustentabilidade perante o contexto em que estamos inseridos”. Na nota enviada à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), a petrolífera refere que “continuará a abastecer o mercado regional mantendo a operação das principais instalações de importação, armazenamento e expedição de produtos existentes em Matosinhos”, e que está a “desenvolver soluções adequadas para a necessária redução da força laboral e a avaliar alternativas de utilização para o complexo”.

O Ministério do Ambiente salienta que o concelho de Matosinhos pode ser beneficiado pelo Fundo para a Transição Justa, que mobiliza verbas destinadas precisamente a apoiar regiões da Europa onde existem empresas como esta refinaria. Portugal tem uma verba de 200 milhões de euros prevista neste mecanismo que pode ser usada para proteger os impactos nos trabalhadores e financiar novos negócios que potenciem a transição para a descarbonização. O mesmo fundo será também usado para mitigar o impacto do encerramento da central a carvão de Sines da EDP, agendando para janeiro. O Governo já tem um grupo de trabalho para estudar soluções de qualificação profissional.

Covid e transição energética aceleram fecho que já foi estudado há quase 20 anos

O encerramento de Matosinhos já tinha sido encarado pela Galp há quase 20 anos, mas o Governo de então travou essa intenção estudada quando António Mexia era presidente da empresa. Na altura, era a falta de rentabilidade da unidade devido às dificuldades de abastecimento das instalações, mas entretanto foram realizados investimentos e esse problema foi ultrapassado. Até agora. O fecho anunciado para 2021 é a consequência de dois fatores combinados: a queda da procura provada pela pandemia e a aceleração para a transição energética, o que fará com que o consumo de produtos refinados não volte ao nível pré-covid com a retoma económica.

Em comunicado, a Galpo explica que as “alterações estruturais dos padrões de consumo de produtos petrolíferos motivados pelo contexto regulatório e pelo contexto Covid-19 originaram um impacto significativo nas atividades industriais de ‘downstreaming’ da Galp”, e afirma que “o aprovisionamento e a distribuição de combustíveis no país não serão impactados por esta decisão”.

O Ministério do Ambiente adianta que a “segurança de abastecimento de combustíveis está assegurada. O Porto de Leixões continuará a receber produtos refinados, que serão transportados por pipeline para o local da refinaria, de onde serão distribuídos para a região norte do país. Mantendo-se apenas a função logística, deve a Galp procurar rentabilizar os ativos físicos que detém em Leça da Palmeira para o desenvolvimento de novos negócios industriais no domínio da energia, estando o Governo disponível para colaborar com a empresa nesse domínio”.

Em declarações aos jornalistas, o ministro do Ambiente, João Matos Fernandes, não afastou a possibilidade de Matosinhos vir ver a acolher uma refinaria de lítio, projeto industrial que faz parte da estratégia nacional para este minério. Embora essa seja uma decisão da Galp. O porto de Aveiro tem sido apontado como destino para esta instalação que permitirá reter em Portugal o maior valor acrescentado da exploração de lítio ao produzir a matéria-prima usada nas baterias elétricas.

Já a Galp adianta que vai prosseguir “com o estudo de utilizações alternativas para a estrutura industrial de Matosinhos assim como concluiremos a avaliação do desenvolvimento de projetos de adaptação de unidades da Refinaria de Sines com vista a aumentar a sua preparação e competitividade futura, incluindo a integração de produção de biocombustíveis avançados”. Para já, Matosinhos irá funcionar como parque logístico, o que implicará o encerramento de outras unidades industriais associadas à produção de lubrificantes e aromáticos.

Galp diz que fecho reduz custos em 90 milhões por ano

A reconfiguração do aparelho refinador “permitirá uma redução de mais de 90 milhões por ano em custo fixos e investimentos e 900 mil toneladas  das emissões de CO2 e (scope 1 e 2) associadas ao sistema atual”, refere a nota. “O valor contabilístico das atividades a serem descontinuadas é de 200 milhões de euros”, acrescenta a empresa.

A Galp tem sido uma das empresas industriais mais penalizada pelos efeitos do Covid que fizeram cair a atividade económica e os transportes, arrastando o consumo de petróleo e de combustíveis. A petrolífera apresentou prejuízos de 45 milhões de euros até setembro e teve de suspender as duas refinarias, estando agora a operar apenas Sines. Apesar destes impactos, e das fortes críticas à esquerda do Governo, a Galp, onde o Estado tem 7% do capital, manteve em maio a distribuição de dividendos prevista relativa aos resultados de 2019.

Costa dá bênção à distribuição de dividendos pela Galp. Estado acionista “fica muito satisfeito”

A Galp diz ainda que se vai focar “no aumento da resiliência e competitividade do complexo industrial de Sines, com uma capacidade de processamento de crude de 200 mil barris de crude por dia e equipado com unidades de maior conversão, estando em análise iniciativas com vista ao aumento da sua eficiência processual e energética, bem como a integração da produção de biocombustíveis avançados e de outros produtos com baixo teor de carbono e maior valor acrescentado”. “Os investimentos potenciais associados a estas iniciativas poderão ser suportados pelas poupanças da reestruturação em curso e pelos mecanismos de apoio à transição energética”, acrescenta a empresa.

No passado dia 11, o Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Transformadoras, Energia e Atividades do Ambiente (Site-Norte) tinha alertado para a “incerteza” quanto ao futuro da refinaria de Matosinhos, onde a produção de combustíveis está suspensa “indeterminadamente” e a monobóia desativada. “O momento atual no complexo industrial é de enorme incerteza e vulnerabilidade no que diz respeito à sua continuidade como um dos maiores polos industriais existentes no norte do país”, referia o sindicato, num comunicado distribuído aos trabalhadores da Petrogal, em Matosinhos.

“A suspensão da produção de combustíveis indeterminadamente, parando equipamentos que, recordamos, foram considerados na altura como o garante do futuro e competitividade da refinaria é sem dúvida revelador do momento delicado que atravessamos”, sustentava a estrutura sindical, exigindo a “retoma plena da atividade da fábrica de combustíveis” e alegando que “os avultados investimentos que aí foram realizados são o garante do emprego, da criação de riqueza e do desenvolvimento da economia regional e do país”.

Câmara de Matosinhos exige saber os planos para os terrenos da Petrogal

A Câmara Municipal de Matosinhos, liderada por Luísa Salgueiro, reagiu com “surpresa e preocupação” à notícia do encerramento da refinaria na cidade e tem duas questões que quer ver respondidas: a garantia do cumprimento dos direitos dos trabalhadores e os planos para os terrenos da Petrogal. “Durante 50 anos, Matosinhos tolerou uma infraestrutura com efeitos altamente lesivos em prol de uma atividade que era fundamental para toda a região sem nunca prescindir de todas as exigências em termos ambientais”, referiu a autarca Luísa Salgueiro numa nota publicada nas redes sociais.

Com a decisão de encerrar a refinaria, a autarquia considera que importa “numa primeira instância, acautelar os direitos dos trabalhadores e conhecer o seu futuro“, salientando que estão em causa centenas de postos de trabalho — 400 trabalhadores diretos e mais 500 de empresas que prestam serviço regular no interior da refinaria. A Câmara Municipal de Matosinhos quer saber “o número de trabalhadores que serão necessários e qual o plano de reconversão e mobilidade dos restantes, não esquecendo o brutal impacto económico indireto desta decisão nas empresas e trabalhadores que prestam serviços nesta cadeia de valor”.

A autarquia exige também saber o que é que a GALP pretende realizar como atividade alternativa nos 290 hectares destinados a atividade económica da empresa e “de que forma pretende reestruturar a sua atividade”, “não estando a Câmara Municipal disponível para aprovar qualquer licenciamento de outra atividade igualmente lesiva do ponto de vista ambiental”.

“Neste momento, não existe esse projeto de reconversão e, por essa razão, esta é uma decisão que se antecipa a qualquer estratégia de descarbonização da economia”, refere a autarquia, acrescentando que vai continuar em contacto com sindicatos, empresa e o Governo, exigindo “uma resposta rápida no âmbito da estratégia de transição justa”.