“Há muito espaço lá em baixo.” Esta foi a frase inaugural que o físico norte-americano Richard Feynman utilizou na conhecida conferência de 29 de Dezembro de 1959, na Califórnia, referindo-se ao admirável mundo desconhecido das nanopartículas. Por isso, quase sessenta anos depois, em julho de 2018, quando a cientista alemã Jana Berit Nieder viu a escultura Plenty of Room, com várias mãos reproduzidas de forma tridimensional, na exposição All the Way Down, em Braga, da autoria do artista norte-americano Matthew Biederman, constatou que essa poderia ser a melhor materialização do seu atual universo investigativo.

Nieder foi consultora da exposição, organizada em parceria com o Laboratório Ibérico Internacional de Nanotecnologia (INL), em Braga, da qual é investigadora. Biederman, motivado pela frase de Feynman, passou uma semana em residência artística com o grupo de investigação coordenado pela cientista do INL. Para conceber essa escultura tridimensional, o artista foi ajudado pelos cientistas, que recorreram à impressão 3D a laser ultrarrápida.

O princípio é semelhante a uma das tecnologias utilizadas no projeto científico Diamond4Brain, liderado por esta cientista alemã, e que está a tentar fornecer um novo meio de diagnóstico para a doença nervosa degenerativa de Parkinson.

“Vamos utilizar a mesma tecnologia, usando fontes de laser ultrarrápidas, para fabricar microarquiteturas em 3D, tipo gaiolas, nas quais mini cérebros em 3D desenvolvidos pelo grupo de António Salgado podem ser cultivados”, diz Nieder. “O Diamond4Brain vai aliar essa tecnologia de impressão a laser 3D ultrarrápida à detecção de luminescência de nanodiamantes que podem ser usados ​​para extrair informações de campo magnético e temperatura”, servindo, assim, para analisar os sinais de um cérebro com Parkinson.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O Parkinson é a segunda doença neurodegenerativa mais prevalente no mundo (depois do Alzheimer), afeta cerca de vinte mil pessoas em Portugal e carece ainda de ferramentas de diagnóstico. O Diamond4Brain, liderado por Jana Nieder, pode ser uma ajuda preciosa

António Salgado do Instituto de Investigação em Ciências da Vida e Saúde, da Escola de Medicina da Universidade do Minho, é um dos investigadores que se juntou à equipa de Jana Nieder. Tal como Ramiro de Almeida, professor do Departamento de Ciências Médicas e membro do Instituto de Biomedicina da Universidade de Aveiro.

O Diamond4Brain é assim o resultado de um consórcio que une a nanofotónica às Ciências Médicas (através da pesquisa de Parkinson) e à Neurociência. “Com neurocientistas especializados na detecção de neuro-sinalização com metodologias alternativas mais estabelecidas, para fazer o benchmark da nova tecnologia fotónica de diamante.”

Em fotónica, os nanodiamantes são “uma tecnologia de alta sensibilidade”. Essa tecnologia será testada em cérebros em miniatura, de forma a validar, em neurociência, a técnica proposta, comparando cérebros saudáveis e cérebros com a doença degenerativa. Se os resultados forem conforme o previsto, permitirão alcançar uma melhor compreensão da doença de Parkinson, assim como melhorar o diagnóstico precoce e, dessa forma, otimizar os tratamentos. O projeto está financiado em cerca de um milhão de euros pela Fundação “la Caixa”, através do concurso Health Research, em parceria com a Fundação para a Ciência e para a Tecnologia.

Considerada a segunda doença neurodegenerativa mais prevalente no mundo (depois de Alzheimer), o Parkinson carece ainda de ferramentas de diagnóstico. Depois, há poucas opções terapêuticas. Na Europa, existem mais de um milhão de pessoas diagnosticadas. Em Portugal, segundo a Associação Portuguesa de Parkinson, há entre 18 a 20 mil doentes.

3 fotos

É pelo menos essa a expectativa desta cientista apaixonada pela luz. Na hora de ser fotografada vai dando algumas dicas sobre a melhor fonte luminosa, à entrada do edifício. O escritório da também coordenadora do cluster de tecnologias emergentes e do futuro do INL fica no primeiro andar, na parte laboratorial. Sobe-se as escadas cor-de-cimento, vira-se à direita e percorre-se um longo corredor, onde domina a cor branca no mobiliário minimalista. É fim de tarde, mas, durante o dia, a luz natural é aproveitada ao máximo pela arquitetura do espaço, com dezenas de secretárias em open office. Nieder tem um escritório à porta fechada. É a última porta, ao fundo do corredor. Ao lado, fica o laboratório onde trabalha.

A cientista de blazer preto e sapatos de saltos altos é discreta. Quando a luz incide no cabelo, podemos perceber que os fios ruivos enaltecem o olhar aguçado e atento. É fluente em alemão – a língua materna –, em francês, espanhol, português e inglês. Se tiver de falar mandarim sabe o básico. Prefere conduzir a conversa em inglês, apesar de, em 2019, ter falado fluentemente em português sobre outros projetos do INL numa entrevista ao Porto Canal.

Formada em Física pela Freie Universität Berlin, na Alemanha, com um percurso académico, investigativo e de liderança de excelência em equipas científicas, Nieder tem vindo a traçar um caminho profissional sólido e centrado na utilização e desenvolvimento de técnicas fotónicas. Ela acredita ser essencial contribuir para uma melhor compreensão da vida à nanoescala. Além de Berlim, já viveu em Paris e em Barcelona, onde trabalhou no Instituto de Ciências Fotónicas, no âmbito do Pós-Doutoramento. Antes de se mudar para o universo multicultural do INL, com 250 investigadores de trinta nacionalidades, trabalhou no Instituto Gulbenkian de Ciência, em Oeiras, onde desenvolveu um microscópio de super resolução.

A líder do Diamond4Brain nasceu em Heidelberg, mas cresceu em Malente, “uma cidade entre dois lagos, perto do mar Báltico”. Por isso, à parte de “andar atrás de galinhas no jardim de casa”, na infância, recorda divertida, mas a custo, o que mais se lembra da cidade é de velejar. Desses tempos ficou a paixão pelos desportos na água. Sobretudo windsurf. Em Portugal, aventurou-se a fazer surf. Matosinhos, Esposende e Azurara são os lugares de eleição da cientista.

O Diamond4Brain, liderado por Jana Nieder, une a nanofotónica à neurociência e à medicina e resulta de um consórcio entre o INL (onde trabalham 250 investigadores de trinta nacionalidades), a Universidade do Minho e a Universidade de Aveiro

O tom de voz ganha mais vigor quando fala do sonho: “Encontrar uma forma eficaz de lutar contra as alterações climáticas”, reflete. “Os políticos começam a acordar um pouco mais para a importância da ciência nestas questões”, constata, contundente, reforçando que “é preciso que a sociedade também se envolva mais”.

O espaço de trabalho de Jana Nieder parece uma câmara escura. As cortinas pretas permitem que ela mergulhe no mundo profundo da fotónica. Os ambientes em que se sente mais à vontade são, sem sombra de dúvida, ou a espreitar pelo microscópio de super resolução, ou a olhar para o ecrã do computador. Nele pode-se ver vários pontos brancos que nos fazem lembrar um céu generosamente estrelado. São uma sequência de imagens tiradas de uma amostra com nanodiamantes dispersos que não podem ser vistos a olho nu. A cientista está a utilizar um software de uma conhecida marca de tecnologia fotográfica, que permite controlar o contraste, a cor e fazer inversões de imagens.

Se formos capazes de observar um padrão que seja específico para um tipo de células de Parkinson, podemos trabalhar com a possibilidade de diagnosticar precocemente a doença.”

Além disso, sublinha, “poderemos utilizar [essa informação validada] para testar novas terapias, permitindo uma abordagem da Medicina personalizada com amostras dos pacientes, para testar se os agentes terapêuticos poderão ter efeitos que possam diminuir determinados tipos de assinaturas de Parkinson”. Se tudo correr bem, o Diamond4Brain vai colocar o INL na vanguarda da utilização da nanofotónica, criando um centro especializado. E, pela primeira vez, vai combinar duas tecnologias.

Apesar da “fase inicial desta investigação”, afirma zelosa, a expectativa é que, futuramente, esta tecnologia em desenvolvimento possa vir a ser utilizada para diagnosticar outro tipo de doenças – como Alzheimer. “Em três anos de investigação será prematuro dizer que iremos trazer esta tecnologia para a aplicação clínica, mas podemos trazê-la para a arena na investigação in vitro, como ensaio que poderá ser utilizado para estudar células saudáveis e diferentes modelos de doenças neurodegenerativas.”

Este artigo faz parte de uma série sobre investigação científica de ponta e é uma parceria entre o Observador, a Fundação “la Caixa” e o BPI. O projeto Diamond Photonics Platforms for Synaptic Connectivity Assessment in Healthy and Parkinson Disease Neuronal Models (Diamond4Brain) / Nanosenores de Diamantes para Detectar Parkinson, liderado por Jana Nieder, do INL, foi um do 25 selecionados (6 em Portugal) – entre 602 candidaturas – para financiamento pela fundação sediada em Barcelona, ao abrigo da edição de 2020 do Concurso Health Research. A investigadora recebeu cerca de um milhão de euros por três anos. O Health Research apoia projetos de investigação em saúde e as candidaturas para a edição de 2021 encerraram a 3 de dezembro. Em meados do próximo ano deverão estar disponíveis as informações sobre as candidaturas para 2022.