Francisca Van Dunem assumiu esta quinta-feira perante os deputados que lhe passou pela cabeça demitir-se mas, ao falar com o primeiro-ministro António Costa e depois de ele lhe devolver a sua confiança, fez uma avaliação e concluiu que tinha condições para continuar à frente do Ministério da Justiça.
“Entendo que tenho condições para continuar”, disse já na reta final da audição na primeira comissão pedida, no parlamento, pelo PSD, pelo CDS-PP e pelo Bloco de Esquerda.
Esta não era a primeira vez que a ministra se deslocava ao parlamento para falar sobre o processo de seleção do caso José Guerra, o magistrado selecionado há pouco mais de um ano para o cargo de Procurador Europeu, na sede da Procuradoria Europeia no Luxemburgo.
Já em outubro, a pedido do PSD, Van Dunem tinha esclarecido os deputados das razões de o Governo português ter indicado o nome de José Guerra para o cargo, quando o comité internacional responsável pela escolha de um em três nomes propostos por cada estado-membro, tinha colocado como primeira opção a procuradora portuguesa Carla Almeida — que teve nas mãos o caso das golas da Proteção Civil.
Ministra da Justiça e a polémica do Procurador Europeu: “Entendo que tenho condições para continuar”
Mas, desta vez, como lembrou o próprio deputado Telmo Correia do CDS-PP, não foi “a escolha” que causou o debate. Mas sim uma informação avançada, já mesmo no final do ano de 2019, pela SIC e pelo Expresso e que dava conta de que o Governo português tinha enviado informações falsas à União Europeia sobre o currículo de José Guerra.
Inicialmente foram apontados três erros: na carta enviada para o Conselho da União Europeia, que acabou por decidir por José Guerra e não por Carla Almeida, era dito que o magistrado era procurador-geral adjunto (acima da sua verdadeira categoria profissional), que tinha liderado a investigação ao caso caso UGT, e que se investigava o desvio de fundos europeus (afinal participou na fase de julgamento) e que tinha estado numa secção do DIAP que mais crimes económico financeiros liderou, quando tal será um feito do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP).
Na audição a ministra explicou que esse documento nasceu depois de uma reunião no seu gabinete, em novembro de 2019, com elementos Direção Geral da Política de Justiça (DGPJ) — entre eles o seu diretor Miguel Romão que se demitiu na sequência deste caso. Nesse encontro foram falados vários assuntos que tinham que ser tratados. Entre eles o facto de se ter que enviar a tal nota para a REPER (Representação Permanente de Portugal junto da União Europeia).
“É um contexto de grande pressão de urgência” esclareceu a ministra, embora tenha havido depois “uma dilação temporal” e o processo tenha sido decidido depois. “Havia uma grande pressão da REPER para a nota ser enviada na altura”, insistiu.
A ministra deu então indicações. Na audição a ministra disse achar “uma estupidez” “pensar que alguém que é magistrado há muitos anos” dá tal orientação. Defendeu-se mesmo com o facto de raramente tratar os magistrados pela sua categoria profissional, mas pelo seu nome. Uma vez que “ninguém sabe o que é um procurador-geral adjunto”.
Miguel Romão. “Caso UGT foi relembrado pela ministra Francisca Van Dunem”
A deputada do PSD, Mónica Quintela, não se sentiu esclarecida com as explicações e voltou a insistir no caso, lembrando que esta não era uma “notazinha” mas um “documento” rigoroso claro e “feito a filigrana”.
Francisca Van Dunem , porém, considerou, nessa reunião de 29 de novembro, que era “relativamente fácil fazer uma nota”, por isso, depois de redigida por um diretor de serviço, revista pelo diretor geral e enviada aos serviços do seu gabinete, tomou-a “por boa”. “O gabinete parte do pressuposto que é um documento que foi feito com a minha orientação”, conclui. E no mesmo dia em que a recebeu, enviou-a para a União Europeia.
Por outro lado, lembra que esta nota não pesou no processo de decisão do Conselho, até porque este órgão até deve desconhecer as categorias profissionais da magistratura em Portugal e o documento traduzido para inglês também não consegue ser-lhes fiel. A decisão, justifica, assenta sim no processo que já lá estava. “A vida daqueles senhores está toda espelhada no processo que já existia”, diz.
Ainda assim, a governante reconheceu os erros, mas considera que não houve uma intenção. Foram lapsos. “Não questiono que essa nota contenha erros. É óbvio que essa nota tem erros e isso é mau. Não quero aligeirar”, disse.
A ministra da Justiça sublinhou também o facto de todo este processo ter sido sujeito a dois júris, um nacional, o do Conselho Superior do Ministério Público — que tão bem conhece os seus magistrados e as suas competências — e outro intrnacional, no seio da União Europeia. E que podendo o estado-membro indicar um nome, a avaliação feita e comunicada foi a mais correta.
“O governo português disse que a sua preferência coincidia com o que tinha escolhido o Conselho Superior do Ministério Público”, para depois dizer que em nenhum país houve tanta politização do caso como em Portugal.
“A gravidade disto está a ser empolada”, acabou por dizer quase ao fim de duas horas de audição, não só no plano nacional como no internacional “no momento em que se inicia a Presidência Portuguesa [no Conselho da União Europeia] pretende-se criar um embaraço”, diz. No fundo, concluiu, ela mesmo está a ser “vítima” das regras que criou, uma vez que decidiu criar regras para um concurso europeu, que normalmente não existem.