A diretora do Departamento Central de Investigação e Ação penal (DIAP), Fernanda Pêgo, acompanhou de perto o processo por violação do segredo de justiça em que dois jornalistas foram fotografados e filmados ao longos de três meses para descobrir com quem se relacionavam. E, em resposta à Sábado, considera não ter sido cometida qualquer ilegalidade, mesmo que essa vigilância servisse para denunciar possíveis fontes de informação a quem os jornalistas devem proteção e sigilo.

“É tudo legal, tudo legal. Vocês seguem-nos e isso é possível. Então nós não podemos seguir jornalistas na via pública? Não é nas vossas casas, pois não?”, respondeu à revista Sábado, cujo subdiretor Carlos Rodrigues Lima é um dos dois jornalistas arguidos no processo, a par de um coordenador da Polícia Judiciária.

Ministério Público mandou vigiar jornalistas e acedeu a contas bancárias por violação do segredo de justiça

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Uma opinião diferente de Auristela Pereira, que coordenava a 9.ª secção onde corre este processo quando os jornalistas foram vigiados, mas que garantiu à Sábado desconhecer por completo essas diligências. “Nem sei se isso é legal”, disse a magistrada, que entretanto saiu como inspetora do MP, cansada de guerras internas no DIAP.

Foi Fernanda Pêgo quem atribuiu esta investigação à procuradora Andrea Marques na sequência de uma alegada fuga de informação em março de 2018. Carlos Rodrigues Lima e o à data editor do Correio da Manhã, Henrique Machado, agora na TVI, noticiaram em primeira mão a detenção do assessor jurídico do Benfica, Paulo Gonçalves e as buscas no estádio da Luz ainda antes de elas terem terminado e de ser emitido um comunicado público.

O Ministério Público abriu então um inquérito por violação do segredo de justiça, com a procuradora titular, Andrea Marques, a mandar a PSP vigiar dois jornalistas, ao longo de três meses. Nessa vigilância, entregue a elementos da PSP à civil que normalmente fazem vigilâncias encobertas para crimes como o tráfico de droga, por exemplo, foram tiradas fotografias e feitos vídeos de todos os passos destes profissionais.

Procuradoria-Geral da República não foi informada da vigilância e do acesso a contas de jornalistas

Polícia até relata que jornalista pagou parquímetro

Na edição em papel desta quinta-feira, da revista Sábado, são reproduzidas várias dessas imagens do dia a dia de Carlos Rodrigues Lima, desde que sai da sua casa na linha de Sintra, até ao local de trabalho. O jornalista foi várias vezes fotografado à porta do edifício da Cofina, que alberga as publicações do grupo, ao lado de colegas de trabalho com quem almoçava. Foi também fotografado no Campus de Justiça, onde testemunhou num processo também de violação do segredo de justiça, assim como no Departamento Central de Investigação e Ação Penal, onde foi consultar o processo EDP devidamente autorizado enquanto jornalista.

O relatório policial entregue à procuradora até descreve os momentos que Lima foi ao café ou colocou simplesmente o talão do parquímetro no carro. Mas não chega a identificar as pessoas com quem foi fotografado. Porém, já em interrogatório, mais dois anos depois, Lima já como arguido não foi confrontado sequer com estas informações nem teve que dar explicações sobre as mesmas. Carlos Rodrigues Lima só soube que tinha sido vigiado depois de ter consultado o processo em que era arguido.

Esta vigilância foi ordenada pela procuradora Andrea Marques mas não foi validada por um juiz de instrução. O Ministério Público considera que não tinha que o fazer. Porém, este processo foi passando pelo crivo de uma juíza, que segundo a Sábado foi acompanhando o processo e nunca levantou qualquer questão aos procedimentos adotados para investigar os jornalistas, mesmo podendo estes ferir um direito previsto na Constituição, o da liberdade de imprensa.

No âmbito deste processo foram também feitas buscas à Polícia Judiciária, como o Observador já tinha descrito. Segundo a edição impressa do Público desta quinta-feira, só do então diretor, Almeida Rodrigues, foram levados os e-mails que trocou ao longo de um ano assim como os registos do seu telemóvel. Já o atual diretor da PJ, Luís Neves, à data à frente da Unidade Nacional Contra Terrorismo, recusou fornecer os seus dados por considerar uma devassa da vida privada. E no processo deu conta disso e de outras irregularidades que, do seu ponto de vista, encontrou no processo, lembrando que nessas buscas foi levado diverso material em segredo de estado. Mais, sublinhou o facto de Pedro do Carmo, o adjunto de Almeida Rodrigues, não ter sido alvo das buscas. É que Pedro do Carmo era magistrado e só podia se investigado pela relação — o que implicava que Andrea Marques perderia o processo-crime. Podendo aqui estar-se perante um crime de denegação de justiça.

Ministra não comenta caso de jornalistas vigiados, mas remete avaliação de atos de magistrados para Conselho Superior