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Comício drive-in, "exército popular" e o novo 25 de Novembro: o dia intenso de Ventura

Este artigo tem mais de 3 anos

O líder do Chega começou o dia a chamar "cobarde" a Marcelo e a desafiar Rui Rio. Acabou a noite num drive-in a falar para o seu "exército popular" e a prometer dar a vida como Sá Carneiro.

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João Porfírio/Observador

João Porfírio/Observador

“Queremos ver essas luzes”. “Apitem se acreditam”. “Podem abanar o esqueleto dentro do carro”. “Vamos gastar a bateria desses carros”. “Visto daqui, os quatro piscas fica fenomenal”. Cinco frases nunca ouvidas em comícios políticos. Cinco frases ditas, esta noite, no primeiro comício político drive-in feito em Portugal.

O cheiro a combustível queimado no ar frio de Leça da Palmeira era uma boa síntese do espetáculo preparado pela campanha de André Ventura: cerca de 150 carros perto da Praia do Aterro, com a refinaria nas costas e o oceano à frente. A três cabeças por carro, contas por alto, 450 pessoas durante quase duas horas a olhar para um camião gigante com um palco incorporado, luzes roxas e um cartaz gigante de André Ventura. A chauffage coletiva a carburar, uma animadora particularmente inspirada e uma playlist assumidamente eclética fizeram a primeira parte do show de Ventura.

“Temos músicas de todos os países, de todas as raças, de todos as cores. É esse o nosso lema”, gritava a animadora. E tinha razão. Ele foi tudo: “Sweet Dream”, dos Eurythmics; o “Le Feak”, dos Chic; o “Just Can’t Get Enough”, dos Depeche Mode; o “Maniac”, de Michael Sembello; o “Karma Chameleon”, dos Culture Club; passando por outros grandes clássicos como “Morena Kuduro”, de José Malhoa, “O Ritmo Do Amor (Kuduro)”, de Emanuel, o “Mexe, Mexe Que Eu Gosto”, de Ruth Marlene, o “Bamboléo”, dos Gipsy Kings, ou o “Pererê/Citação Musical: Saci”, de Ivete Sangalo.

Não fosse a pandemia e havia potencial para um bom arraial. Até a polícia apareceu para pedir para verificar as licenças para o evento. Tudo em conformidade, e o aquecimento para o comício lá seguiu. Não deu para arraial, mas os apoiantes de Ventura não perderam o ânimo e continuaram a apitar e a investir no jogo de luzes com entusiasmo. Estava tudo pronto para começar, menos o candidato, que estava com a hora de atraso da praxe.

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Desta vez, foi mais fácil adivinhar o momento da chegada do candidato. Uma sucessão rápida de “Porto Sentido”, “Karma Chameleon”, “Não Há Estrelas no Céu”, “Sol Da Caparica”, “O Corpo É Que Paga”, “Baile de Verão”, e, novamente, “Porto Sentido”, enfiado à bruta nas colunas, fez antecipar que o hino à cidade do Porto cantado por Rui Veloso tinha sido escolhido para receber o líder do Chega em Leça da Palmeira. Ventura chegou, recebido ao som, não de gritos, mas de centenas de buzinadelas.

Antes do convidado principal, ainda houve tempo para o mordomo da festa, José Lourenço, o influente líder da distrital Chega/Porto, roubar para si os holofotes. Não deixou os créditos por mãos alheias: da comparação entre Ventura e Humberto Delgado (“ele é o nosso general sem medo”) às acusações a Ana Gomes e Paulo Pedroso (“Sou pai tenho dois filhos e não os entregava a Paulo Pedroso, só se estivesse por perto”), foram 11 minutos de aquecimento de alta intensidade.

Às 22h31, já Ventura tinha recuperado o púlpito para pedir a primeira “salva de apitadelas” da noite. O líder do Chega veio disposto a aquecer a noite gelada de Matosinhos mas também o Inverno em que se transformou Portugal. “Vivemos o inverno de uma sombra enorme. Só nós podemos ser a luz que acabará com esta escuridão imensa”, gritava Ventura. Os apoiantes agarravam-se aos volantes e mediam-se em buzinadelas conjuntas.

Insuflado com as reservas mentais de Marcelo Rebelo de Sousa em dar posse a um Governo PSD/Chega, Ventura aproveitou para se dirigir “ao seu exército popular” e pedir força para um “novo 25 de Novembro”.

A noite de dia 24 tem de ser nossa, deste exército popular que se levantou para salvar Portugal. A noite de 24 de janeiro será o nosso 25 de novembro, feito agora no século XXI.”

Já perto do fim, e mesmo resistindo em colar-se à comparação com Humberto Delgado, Ventura não resistiu em despedir-se com uma alusão a Francisco Sá Carneiro. “Quero ser o herdeiro daquele enorme projeto de transformação que teve pelo nome de Francisco Sá Carneiro. Onde quer que esteja, se me estiver ouvir, ele sabe que aquilo que quero para Portugal e que desejo para este país é entregar como ele toda a minha vida a Portugal”. Saiu como chegou: em apoteose.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Pode ouvir aqui a reportagem da Rádio Observador:

Ventura em comício drive-in com “música de todas as raças”

O “cobarde Marcelo” e o desafio a Rio

A tarde de campanha de André Ventura tinha começado a um ritmo igualmente intenso. Num almoço-comício com cerca de 50 pessoas, no restaurante Coral, em Viana do Castelo, o candidato aproveitou o facto de Marcelo Rebelo de Sousa ter dito que só daria posse a um Governo PSD/Chega mediante um acordo escrito de governação para fazer o ataque mais violento ao Presidente-candidato nesta campanha: “cobarde”, chamou-lhe o líder do Chega.

“Um suposto Presidente de direita dizer que vai exigir um acordo escrito entre o Chega e PSD, quando nas eleições de 2019 não exigiu um acordo escrito ao PS, Bloco de Esquerda e PCP. Marcelo confia mais na extrema-esquerda do que confia nos partidos de direita. Disse que não confia em André Ventura e em Rui Rio. É um Presidente cobarde, que ousa dizer coisas como esta, mas quando esteve frente a frente comigo disse que o Chega era um partido como os outros”, insurgiu-se Ventura.

Deixa perfeita para tentar cercar Rui Rio. “Deixo um desafio a Rui Rio: para que saia do confinamento em que se colocou para denunciar esta vergonha. Hoje não há saída. Marcelo Rebelo de Sousa deixou de ser o candidato do PSD nestas eleições. Tornou-se o candidato do PS e de António Costa. Não sei onde está Rui rio, mas sei que tem de vir a jogo. Só há um candidato de direita nestas eleições”, disse.

Foi o terceiro take de uma estratégia de tiro ao alvo à direita e, em particular, a Rui Rio. Há três dias, em Vila Real, Ventura prometeu ir “atrás do PSD ao longo do próximo ano”. No domingo, em Braga, sugeriu que o líder do PSD fazia parte da “direita travesti”. Esta segunda-feira, tentou colocar a pressão toda do lado de Rui Rio sabendo que há muitos militantes e dirigentes do PSD que não se reveem em Marcelo Rebelo de Sousa.

A noite em que Ventura atingiu Rio do “lápis na orelha” e disparou contra a “direita travesti”

Ao som de gritos “dá-le, André!”, o candidato do Chega não tirou o pé do acelerador. “Não podemos esquecer aqueles que nos traíram. O que aconteceu hoje foi particularmente grave. Só há uma candidatura de direita nestas eleições e essa força somos nós. Rui Rio tem de vir dizer hoje [o que pensa] e se for preciso ligo-lhe aqui à frente de todos. Não há segundas oportunidades. Hoje, Rui Rio não pode ficar em casa. Sou único candidato que junta o Chega e o PSD numa única força conjunta”, atirou Ventura.

Make America Great Again e Viana ao lado de Ventura

De acordo com as informações transmitidas pela campanha do candidato do Chega, André Ventura mostrou disponibilidade para participar no debate das rádios por videoconferência ou nos estúdios do Porto de uma das transmissoras, opções que foram sendo sempre rejeitadas. Não lhe terá sido concedida essa exceção.

Ventura, não deixou, ainda assim, de participar no debate em diferido, voltando a gritar vitória. “Se alguém deu uma coça nos adversários, fui eu!”, celebrou. A jogar em casa, os adeptos concordavam, com fervor.

Entre os comensais, não faltavam pescadores que fizeram questão de estar ao lado do candidato — os mesmos que iam intercalando o discurso de Ventura com audíveis “dá-le, André “. Um dos convidados, aliás, exibia com orgulho um boné vermelho com letras brancas estampadas onde se lia o “Make America Great Again” de Donald Trump.

Enquanto criticava o Governo por maltratar a “maioria de bem” enquanto dá tudo a quem nada faz, Ventura fez uma referência aos antigos combatentes do Ultramar, esquecidos, diz o líder do Chega, pelo Governo socialista. Da audiência saltou um sénior, com boina de militar, que entregou uma carta de apoio de outros antigos combatentes. “É uma honra, meu amigo”, agradeceu Ventura.

Não era o único presente da tarde. Já depois de mostrar um anzol que recebera dos pescadores como prova das dificuldades que o setor atravessa neste período em particular, Ventura não se despediu sem receber um bordado característico da região com uma mensagem de apoio: “O Chega veio para ficar e Viana ao seu lado está. A rouvalheira ade acabar quando Ventura a primeiro chegar”. Nota: Dina Nunes, mulher de André Ventura, trazia uns brincos de filigrana em forma Coração de Viana. No Minho, sê minhoto.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Pedido de desculpas aos jornalistas e WCgate

Antes do almoço-comício, o staff de André Ventura convocou os jornalistas para se demarcar do que tinha acontecido na véspera, quando cerca mais de uma centena de apoiantes do candidato do Chega recebeu a comunicação social com assobios, insultos e cânticos ameaçadores no jantar-comício de Braga.

André Ventura chegou ao restaurante às 13h27 e a comunicação social foi convidada a captar imagens do interior do espaço, antes de se retirar para um almoço que seria à porta fechada — como têm sido todas as iniciativas deste género.

A ação foi fortemente vigiada pela equipa de segurança pessoal do candidato do Chega, que não deixava que ninguém se aproximasse do restaurante. Dado o prolongar do almoço para lá da hora marcada na agenda oficial, e visto que não havia outros espaços abertos nas redondezas, jornalistas houve que pediram para usar a casa de banho do restaurante. Foi-lhes permitido, desde que mantivessem os telemóveis no bolso. Objetivo: impedir qualquer eventual captação de imagens.

Já no interior do restaurante, e minutos antes da intervenção de André Ventura, Rui Paulo Sousa, mandatário nacional e diretor de campanha, que na véspera se tinha referido aos jornalistas no interior do restaurante como “inimigo”, lamentou o sucedido. “A candidatura de André Ventura não se revê no que aconteceu ontem à noite. Acreditamos na democracia”, garantiu.

À saída, André Ventura, desafiado a comentar o sucedido, assegurou o mesmo. “Todos os atos de ameaça, insultos ou ofensas são condenáveis. Tenho sido alvo de ofensas lamentáveis pelo país todo. O mesmo critério que aplico a mim, aplico a vocês e ao vosso trabalho”.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Ainda os ciganos na campanha

De resto, o caso ciganos-ou-não-ciganos na campanha de Ventura voltou a animar a tarde, numa polémica que já dura há dois dias. No sábado, em Bragança, uma mulher, de nome Fátima Gomes, foi ao comício do candidato do Chega. Apresentou-se como cigana ao staff que acompanha Ventura, que lhe dirigiu o convite para se juntar à inauguração da sede.

Tudo aconteceu no Auditório Paulo Quintela, quando alguns jornalistas tinham já deixado o local em direção ao centro de Bragança. A assessoria de imprensa de Ventura ainda conseguiu informar alguns dos órgãos de comunicação social de que elementos da comunidade cigana tinham sido convidados a juntarem-se a inauguração da sede, sugerindo que era interessante entrevistar essas pessoas.

Quando finalmente chegaram, num grupo de seis pessoas, Fátima Gomes foi convidada a entrar no espaço exíguo, tal como Nataniel André, que se saberia depois ser sobrinho, para prestarem declarações aos jornalistas. Fátima Gomes assumiu-se sempre como cigana e reconheceu que tinha sido convidada pela candidatura para se juntar à inauguração da sede. Nataniel nunca desmentiu o facto de ser cigano e até interveio, interrompendo a tia, num momento em que Ventura já tinha cedido o palco aos dois para que falassem com os jornalistas. Um dia depois, o próprio acabaria por recorrer às redes sociais para desmentir ser cigano — era apenas casado com uma.

O caso chegou rapidamente à campanha de Ventura. Esta segunda-feira, o líder do Chega disse ser completamente alheio ao sucedido e explicou que a sua candidatura se limitou a fazer um convite a uma pessoa que manifestou o interesse em particpar na ação de campanha. “Então esses ciganos parece que não são bem ciganos, apesar de a senhora dizer ‘eu sou cigana’. Os outros sabem melhor do que ela o que ela é”, ironizou. Mais tarde, já em Paços de Ferreira, numa curta declaração aos jornalistas, Ventura despachou o tema, dizendo que o grupo que acompanhou a inauguração da sede fê-lo por vontade de própria. “Eu convido as pessoas não lhes digo ‘ou vão lá, ou bato-te’.”

Depois de um dia particularmente preenchido, a caravana de Ventura seguirá esta terça-feira para Aveiro. A máquina segue a todo o vapor.

Texto atualizado ao longo do dia

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