Sebastião Sabão, líder de bairro na cidade da Beira, cento de Moçambique, diz que “não há casa que não tenha água” depois da passagem do ciclone Eloise. Foi uma madrugada de sobressalto no bairro da Munhava, sem dormir, e assim vai continuar a ser porque, depois da ventania e da chuva violenta, ficam as inundações. Por todo o lado há destroços, chapas de zinco, pedras, blocos, fios, plásticos, tudo arrancado pelo vento, sob o olhar de Sebastião.

“Não sei onde as pessoas vão dormir hoje. Quem tem mesa, sobe na mesa, quem não tem, vai ter de dormir na estrada”, retrata, numa alusão à impotência face ao cenário, frequente na zona durante a época chuvosa, de outubro a abril.

Eloise foi um ciclone mais brando na passagem que o Idai, mas este líder de bairro já sabe que talvez seja preciso mais um dia ou dois para voltar a ver o chão de terra enlameada de sua casa. E, tal como aconteceu com o Idai, o risco de inundações nos dias seguintes ainda não está afastado.

Enquanto se espera por um balanço oficial das autoridades, escutam-se os testemunhos dos residentes que relatam a morte de três pessoas no bairro da Munhava, duas apanhadas por uma parede que desabou e um segurança que foi atingido por material ferroviário arremessado pelo vento.

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Ao lado, Timóteo Chico não dá descanso ao balde, a tentar tirar água de dentro de casa: “Não sei se vai chover mais, mas estou a tentar diminuir” o nível dentro de quatro paredes. Todo o bairro está inundado e veem-se residentes a atravessar algumas zonas com a água pela cintura, algo que Luísa Carlos dispensava se pudesse, mas há um problema: “Não temos para onde ir. Isto não se suporta, mas fazer o quê?” – questiona.

O mais fácil seria “tirar a capulana (pano tradicional que as mulheres usam enrolado ao corpo como peça de roupa) e mergulhar”, conclui. Depois de o ciclone passar, pelas 10:00, veem-se crianças a fazer isso mesmo, a tirar proveito dos enormes charcos para brincar, enquanto outros jovens apanham peixinhos nos quintais para mais tarde comer ou vender.

Ezequiel Domingos tem uma tarefa mais crítica. São sete na casa onde vivia, a maioria crianças, mas a tempestade deixou a construção em risco de ruir. Já tinha sido assim com outra habitação onde passou o ciclone Idai, o mais grave de todos, em 2019, e com uma casa que tentou construir a seguir, mas que ficou sem parede noutra intempérie. “Estamos numa situação critica”, refere, antes de sair pelas ruas alagadas em busca de abrigo.

O ciclone passou, mas ainda não acabou para quem sofre as consequências. Depois de entrar em terra junto à cidade de Beira, oriundo do Canal de Moçambique, no oceano Índico, o ciclone Chalane perdeu intensidade e regrediu para o grau de tempestade moderada, mas arrasta precipitação muito intensa, avançando em direção ao sul do Zimbábue.

Prevê-se que a depressão condicione o estado do tempo durante o fim-de-semana, provocando forte precipitação no sul do país lusófono, incluindo a capital, Maputo. O serviço de Operações Humanitárias e de Socorro da União Europeia (ECHO, sigla inglesa) previu hoje que 200.000 pessoas em Moçambique possam ser afetadas por inundações, nos próximos dias.