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Comandantes dos bombeiros de Lisboa vacinados contra as prioridades definidas internamente

Este artigo tem mais de 3 anos

Comandante e 2.º comandante do Regimento de Sapadores Bombeiros de Lisboa foram vacinados com sobras de lares. Dias depois, ordem interna não os consideraria prioritários.

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O até hoje vereador Carlos Castro defende que documento assinado pelo comandante com as prioridades internas não é vinculativo

MÁRIO CRUZ/LUSA

O até hoje vereador Carlos Castro defende que documento assinado pelo comandante com as prioridades internas não é vinculativo

MÁRIO CRUZ/LUSA

O comandante e o segundo comandante do Regimento de Sapadores Bombeiros (RSB) de Lisboa foram vacinados com sobras de um lar ao arrepio das orientações que seriam aprovadas dias depois pelo próprio comandante. Uma ordem de serviço interna a que o Observador teve acesso determina que apenas um elemento do comando – o responsável pelo plano de vacinação na corporação – deveria ser vacinado na primeira fase.

As orientações traçadas pelo comandante, o tenente-coronel de engenharia do exército Tiago Lopes, estavam a ser definidas internamente desde pelo menos o início de janeiro (com análises de risco e trabalhos de caracterização de tarefas), e estão expostas de forma clara na Proposta de Prioridades e Critérios para a Campanha de Vacinação contra a Covid-19 no RSB (Fase I — Fevereiro de 2021) publicada na Ordem de Serviço que assinou na segunda-feira, 8 de fevereiro — mas, poucos dias antes, acabou por não ser tida em conta quando foi preciso tomar uma decisão.

Apesar de os critérios de prioridades estarem ali claramente definidos, quando surgiu uma oportunidade de vacinação fora do contingente previsto para o Regimento, o comandante e o segundo comandante, o também tenente-coronel de engenharia do Exército Alexandre Rodrigues, foram os escolhidos para receberem as sobras de uma ação de vacinação em lares.

Confrontado este fim de semana com a escolha destes dois elementos do comando para tomarem as vacinas, o gabinete do vereador da Proteção Civil justificou ao Observador que “a decisão de vacinar o comandante e segundo comandante foi [para] manter a operacionalidade da cadeia de comando do único regimento de Sapadores Bombeiros do país, uma organização com quase 900 profissionais”. O gabinete argumentou ainda que as prioridades definidas internamente eram indicativas e não vinculativas. Esta terça-feira, seria o próprio vereador da Proteção Civil, Carlos Castro, a apresentar a demissão do cargo por também ele ter sido vacinado com sobras da operação de vacinação em lares de idosos.

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Contactado por telefone, o comandante do Regimento de Sapadores Bombeiros preferiu não se pronunciar sobre a sua vacinação, nem sobre as prioridades definidas internamente e por si aprovadas, remetendo todos os esclarecimentos para a autarquia de Lisboa. Aliás, recusou-se mesmo a revelar em que dia concreto foi vacinado. As questões que lhe foram dirigidas por email, através dos assessores da Câmara Municipal de Lisboa, nomeadamente sobre se hoje voltaria a aceitar receber a vacina antes de estas serem administradas aos mais prioritários da sua corporação, ficaram sem resposta.

Na última quinta-feira, a revista Sábado noticiou que o vereador da Proteção Civil da Câmara de Lisboa, Carlos Castro, e a diretora do departamento de Higiene Urbana, Filipa Penedos, haviam sido vacinados com as doses das vacinas que sobraram do processo de vacinação dos lares em Lisboa. Mas não foram os únicos. Com as 126 sobras de vários dias de vacinação, “foram vacinados 56 bombeiros voluntários e o comandante e subcomandante do Regimento de Sapadores Bombeiros, e 42 elementos da Polícia Municipal, incluindo o comandante e subcomandante”, anunciou a Câmara numa nota enviada às redações ainda antes da notícia daquela revista. Nesse documento de balanço da autarquia referia-se que, além destas últimas, tinham sido ministradas 26 doses a elementos das equipas envolvidas diretamente na operação de inoculação nos lares, nomeadamente a 15 enfermeiros e oito elementos da Proteção Civil municipal presentes no local da vacinação — entre os quais o vereador com a pasta respetiva — e também três elementos da Higiene Urbana — entre os quais a sua diretora –, envolvidos no processo de recolha das seringas utilizadas na vacinação.

Vereador e diretora de departamento da Câmara de Lisboa vacinados com sobras dos lares

Quem era prioritário nos bombeiros segundo o documento assinado pelo comandante?

Na Ordem de Serviço n.º 26, assinada pelo comandante Tiago Lopes, constava a “Proposta de Prioridades e Critérios para a Campanha de Vacinação contra a Covid-19 no RSB (Fase I – Fevereiro de 2021)”, documento assinado pelo chefe da secção de Operações, José Caetano. “O trabalho ora apresentado decorre da solicitação efetuada pelo Exmo. Sr. Comandante do RSB, ao Grupo de Acompanhamento do Plano de Contingência Covid-19 do RSB (GACOVID19)”, começa por esclarecer o documento, identificando no ponto 3 os grupos prioritários dentro do RSB para tomar a vacina na primeira fase:

  • a) Operacionais com maior risco de infeção por SARS-CoV-2, no âmbito das suas funções profissionais e tarefas desempenhadas: “1) Equipas de descontaminação Covid-19 (Quartel de Marvila); 2) VUCICovid-19 (Quartéis da Alta de Lisboa, Martim Moniz e Santo Amaro); 3) Equipas ABSC (Quartel da Encarnação)”;
  • b) Operacionais com maior risco de infeção por SARS-CoV-2 e que possam em simultâneo apresentar potencial risco de infeção para a população a que prestam auxílio: “1) NISAC — núcleo que presta apoio, inclusivamente social, e que trabalha com muitos idosos;
  • c) Trabalhadores cujas funções são fundamentais para a manutenção da atividade operacional do RSB: “1) Comando do RSB; 2) Operacionais da 1.ª linha de socorro; 3) CCGMO; 4) Chefias de nível tático; 5) Secção de Operações (SOp); 6) STS/SCE (radiomontadores); 7) Trabalhadores com funções diferenciadas e/ou de apoio aos Operacionais da 1ª linha de socorro”;
  • d) Trabalhadores que, pela sua condição de idade e/ou saúde, nomeadamente por comorbilidades, ou outros fatores de risco, devam ser incluídos em grupo prioritário para a fase I.

A alínea c) é apresentada pelo até agora vereador da Proteção Civil na resposta enviada ao Observador como justificação para que o comandante e o segundo comandante tenham sido vacinados antes de todos os outros. Mas o ponto 6 do documento não deixa dúvidas sobre quem é que, dentro do comando, deveria ser vacinado nesta primeira fase.

6. (…) Para os trabalhadores dos grupos identificados em 3.c é proposta a seguinte distribuição, de acordo com inputs estratégicos do Comando do RSB: 1) Comando do RSB (1 — coordenador do plano de vacinação)”.

Ou seja, na primeira fase, apenas o coordenador do plano de vacinação do RSB deveria ser contemplado. Internamente, o adjunto de comando, major da GNR Isidro Pinheiro — que acabou por não ser vacinado nesta primeira fase —, foi sempre o elemento que deu a cara pelo plano de vacinação e era a ele que, segundo fontes do RSB, estavam entregues as funções de coordenação do plano. Foi, aliás, esse adjunto de comando quem enviou a informação relativa à vacinação e quem tratava de outras questões relacionadas com o tema, como demonstram os emails a que o Observador teve acesso.

Mesmo que se partisse da hipótese de que o comandante tivesse considerado que a tarefa de coordenação, era sua, as prioridades indicavam apenas um elemento do comando, pelo que a vacinação do segundo comandante escaparia às regras estabelecidas.

Vereador defende que documento é interno e que prioridades definidas não são vinculativas

Na resposta enviada ao Observador, o gabinete do vereador Carlos Castro acrescenta que a ordem de serviço “é um documento interno do RSB” e “espelha a proposta não vinculativa elaborada pelo Grupo de Acompanhamento Covid-19/RSB”. Na prática, as prioridades definidas no documento assinado a 8 de fevereiro — dia em que os dois elementos do comando já tinham tomado a vacina — não só não tinham de ser seguidas como já se sabia que não estavam a sê-lo: “A lista nominal, com carácter vinculativo, foi concluída e tida em consideração para a vacinação em 11 de fevereiro”. Na resposta nada mais é referido sobre esta última lista, a que o Observador não teve acesso.

Quem confirma que os documentos foram assinados numa altura em que já se sabia que as prioridades que estavam a ser postas no papel tinham sido alteradas foi o próprio vereador Carlos Castro, na resposta enviada este fim de semana: “Ambos os documentos são posteriores à vacinação de 56 bombeiros voluntários e do Comandante e 2.º Comandante do RSB com sobras dos frascos de vacinas e têm como objeto a hierarquização dos quase 900 sapadores do Regimento para o plano regular de vacinação deste grupo prioritário, processo que começou [sábado], 12 fevereiro, e nada tem a ver com a sobra de vacinas”.

Ou seja, as sobras não foram vistas como oportunidades para começar a vacinar os prioritários, cuja definição de critérios, sabe o Observador, há muito estava a ser preparada, e que viria a ser oficialmente publicada daí a poucos dias, mas sim como uma oportunidade extra, com vista a vacinar o topo da hierarquia, não prevista na primeira fase de vacinação do RSB.

O até esta terça-feira vereador da Proteção Civil salienta, pelo contrário, que, dado que os dois elementos do comando já tinham sido vacinados quando se estabeleceram formalmente os critérios nenhuma prioridade foi invertida ou desrespeitada: “Sendo uma norma posterior à vacinação de 58 bombeiros [do RSB apenas se incluem os dois membros do comando] com sobras das vacinas, e por maioria de razão, não se procedeu à ‘alteração das prioridades’ ou ‘arrepio das orientações’ que não tinham sido tomadas”.

É ainda referida a alegada dificuldade de se escolher dois profissionais prioritários segundo os critérios internos que constam da norma para tomar as sobras, dado que no plano do RSB se contemplavam equipas: “Acresce que o Regimento atua por equipas em turnos e em quartéis, o que implica que a gestão da aplicação de vacinas seja feita de forma coletiva e não individual”.

Fonte do RSB de Lisboa, que pediu para não ser identificada, explica que facilmente essa situação seria ultrapassada com o estabelecimento de outros critérios, como a idade, para definir, dentro do prioritários, os dois mais prioritários das equipas para tomar as sobras dos lares.

O mal-estar interno com a situação, relatado ao Observador por mais do que uma fonte, também foi desvalorizado pelo gabinete do vereador, que lembrou que a vacinação dos profissionais começou no último sábado, “tendo decorrido na mais estrita normalidade e com a total adesão dos sapadores escalados, não se conhecendo qualquer mal-estar”.

Demitiu-se o vereador da câmara de Lisboa que foi vacinado com doses que sobraram de lares de idosos

Vereador demite-se, assumindo responsabilidade por critérios de vacinação

Ao início da tarde desta terça-feira, o vereador Carlos Castro apresentou a sua demissão — pedido que foi de imediato aceite por Fernando Medina, presidente da Câmara Municipal de Lisboa. Em comunicado, a câmara adiantou ainda que vão ser “remetidos às autoridades competentes todos os elementos apurados relativos à participação da Proteção Civil no processo de vacinação dos lares para avaliação externa e independente dos mesmos”.

https://www.facebook.com/carlosmanuel.castro.7/posts/5266427776701468

Na carta enviada a Fernando Medina, que Carlos Castro publicou no seu Facebook, o até aqui vereador responsabiliza-se pela vacinação “dos dirigentes municipais”: “É da minha inteira responsabilidade, pois são pessoas que, dependendo diretamente de mim, como é o caso do RSB e da Higiene Urbana, ou coordenando diretamente comigo o trabalho no terreno, como a Polícia Municipal, são essenciais na estrutura municipal e indispensáveis no dispositivo de resposta à pandemia”.

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