É a partir de Londres que se desafiam alguns dos pressupostos mais enraizados do mundo da moda. Na vanguarda do setor, a capital britânica reitera o seu estatuto mesmo numa semana da moda cingida a um único ecrã e com ausências de peso — Victoria Beckham (que se antecipou e apresentou coleção dias antes, fora do calendário), Christopher Kane e JW Anderson.
O género e a sustentabilidade seguem como linhas reorientadoras do trabalho dos designers, ao mesmo tempo que o abrandamento económico obriga as marcas a descer o tom das apresentações e a moldarem-se a um contexto menos próspero, como consequência da pandemia de Covid-19.
Mas Londres (onde a semana da moda arrancou no dia 19 e terminou na última terça-feira) tem, por defeito, a porta aberta aos novos talentos. Nos últimos dias, novos projetos dirigiram o foco para o género e para uma fluidez emergente, necessária numa sociedade que se quer inclusiva e a abraçar a diversidade. Harris Reed é um dos nomes na berlinda. As criações do designer de 24 anos (criativo por trás da androginia de Harry Styles) desafiam expectativas, da mesma forma que o fizeram os visuais de Billy Porter nas passadeiras vermelhas de 2019. Art School, marca londrina do designer Eden Loweth, segue o mesmo princípio — criar moda sem género –, embora num registo mais casual.
O conforto, que outrora muitos julgaram ser incompatível com a sofisticação que se espera da moda, é hoje um mote difícil de ignorar — até Molly Goddard, no meio de todas as camadas de tule, vê crescer a sua linha de malhas, produzida à mão dentro do Reino Unido. Exemplos como as duplas Palmer//Harding e Colville provam a facilidade de ajustar a criatividade ao novo pragmatismo pandémico, dos passeios higiénicos às reuniões no Zoom.
Marques’Almeida: um caminho de artistas emergentes e sustentabilidade
Já na última estação, em setembro de 2020, a dupla portuguesa tinha dispensado o formato convencional de desfile na hora de se apresentar na Semana da Moda de Londres. No último domingo, a Marques’Almeida repetiu a fórmula, desta vez unindo esforço com um dos fenómenos musicais do momento em Portugal. Nenny, de 18 anos, foi a estrela num formato que combinou música e moda e revelou, durante a atuação da rapper, alguns visuais da coleção do próximo outono.
“Sabíamos que ia ser incrível e empoderador, sobretudo para miúdas mais novas e criativas […] É claro que podes emprestar peças a uma grande celebridade, mas isso nunca se traduziu em algo realmente significativo para nós enquanto marca”, referiu Marta Marques em entrevista à Vogue Britânica, revelando que é intenção da marca associar-se a artistas emergentes e de nicho, que estejam a iniciar as suas carreiras.
Longe do início está a estratégia para tornar a Marques’Almeida cada vez mais sustentável. No último ano, a dupla criou uma linha produzida a partir de sobras e stocks parados e, nas suas coleções principais, tem conseguido aos poucos cumprir com pequenas metas. Os designers portugueses celebram a primeira coleção totalmente livre de fibras derivadas do petróleo, mas também o trabalho recente com corantes naturais no tingimento das peças, juntamente com uma fábrica portuguesa.
Esta edição da Semana da Moda de Londres contou ainda com alguns dos nomes mais fortes da moda britânica. Vivienne Westwood também fez progressos no que toca a tornar as suas coleções mais sustentáveis. Inspirada por uma das pinturas do francês François Boucher, a marca anunciou que “a maioria da coleção inclui materiais feitos, inteira ou parcialmente, de algodão orgânico, algodão reciclado, seda orgânica e ganga, nylon e poliéster reciclados”.
A duas semanas do lançamento da sua coleção para a H&M, Simone Rocha apresentou uma coleção onde os volumes principescos, as camadas de tule, os laços e as pérolas contrastaram com um predomínio do preços e com novas silhuetas em blusões de cabedal. A Burberry de Riccardo Tisci optou por apresentar apenas a coleção masculina. O romantismo de Erdem encerrou o calendário. A coreografia transformou o habitual desfile numa espécie de bailado e, entre os elementos que caracterizam o criador — padrões florais, cinturas marcadas e aplicações de pedraria –, também ali foi dada uma atenção extra ao conforto.
As propostas para a próxima estação fria continuam a desfilar em Milão, num programa também ele digital, que já contou com a apresentação de Gonçalo Peixoto e que, no próximo domingo, terá Alexandra Moura entre os grandes nomes da moda italiana.