indústria hoteleira é um dos setores mais afetados pela crise económica derivada da pandemia . Há um ano, o horário de funcionamento ou de encerramento foi limitado para conter a curva de contágios. Uma equipa escocesa tentou perceber se o setor está preparado para abrir sem riscos, mas as conclusões não são animadoras para os profissionais desta área.

O novo estudo, publicado no Journal of Studies on Alcohol and Drugs, analisa a eficácia das medidas anticovid nas empresas com autorização para vender álcool e questiona se os proprietários e clientes são capazes de prevenir de forma eficaz e sistemática a transmissão da doença. Os autores admitem um esforço dos proprietários, mas verificaram que tanto funcionários como clientes têm dificuldade em cumpri-las, especialmente quando o consumo de álcool aumenta.

A investigação, liderada pela Universidade de Stirling (Escócia), foi realizada entre maio e agosto de 2020 em diversos tipos de instalações no país, que reabriram após um encerramento nacional, e operaram sob orientação detalhada do governo com o objetivo de reduzir os riscos de transmissão .

De acordo com Niamh Fitzgerald, coordenadora do trabalho, as conclusões podem ajudar os especialistas em saúde pública e decisores políticos a considerar o impacto da pandemia no setor hoteleiro e os riscos de suspender as restrições. “É importante entender como a transmissão pode ocorrer nos bares para informar sobre futuras orientações, ajudas, sanções ou outras medidas necessárias”, explica à Agencia Sinc.

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“O nosso estudo explorou as práticas e comportamentos dos clientes e funcionários nos locais para perceber se e como os riscos de transmissão podem ser geridos em ambientes onde é servido álcool”, disse Fitzgerald, que trabalha no Instituto de Marketing Social e Saúde da universidade escocesa.

Simon Clarke, Professor de Microbiologia Celular da Universidade de Reading (Inglaterra) explica: “Hoje sabemos que o vírus se espalha facilmente em ambientes fechados por aerossóis e a proximidade física é um fator de risco importante. Os pubs e bares têm vários pontos de contacto que podem funcionar como fontes de infeção, mesmo quando as pessoas estão sentadas. Além disso, o álcool é um diurético, por isso a ida aos lavabos envolve um maior contacto com as maçanetas, torneiras, etc”.

Quando os pubs reabriram após o encerramento inicial no Reino Unido, a equipa visitou estas empresas para ver como as medidas governamentais destinadas a reduzir os riscos de transmissão no setor da hotelaria estavam a funcionar na realidade, incluindo quaisquer incidentes que pudessem aumentar esses riscos.

“Entrevistamos empresários e representantes antes da reabertura para entender os desafios que enfrentaram, como as implicações financeiras e o perigo de comprometer a experiência do cliente com as medidas impostas”, acrescenta. 

Os pontos principais para evitar o contágio

Entre julho e agosto, foram realizadas 29 expedições a instalações licenciadas, nas quais os investigadores se fizeram passar por clientes durante um período máximo de duas hora. O estudo concluiu que, embora as instalações tivessem introduzido novas medidas, como melhor ventilação, sinalização, sistemas de filas, gestão de ruído e lavabos, e possuíam estações de desinfeção das mãos, estes eram usados ​​com pouca frequência.

A maioria dos estabelecimentos exigia que os clientes fornecessem os dados de contacto para poder localizá-los, mas 31% das empresas observadas não o faziam, incluindo uma dos estabelecimentos visitados depois que o governo escocês ter tornado esta medida obrigatória em agosto. Se, na maioria dos locais, os funcionários utilizavam equipamentos de proteção individual, em muitos outros não o faziam: usavam máscaras inadequadas ou retiravam-nas para conversar com outros funcionários ou clientes.

Quase todos os locais distanciaram as mesas um metro ou mais ou instalaram divisórias entre elas, mas muitos destes tinham as mesas mais juntas do que sem as divisórias. O disposição das instalações e a movimentação dos clientes dentro do espaço levaram a situações em que era difícil evitar o contacto próximo uns com os outros por curtos períodos. 

Além disso, os especialistas observaram mais incidentes relacionados, como clientes a gritar repetidamente, a abraçar-se ou a interagir de perto com outros grupos e funcionários, e raramente eram efetivamente interrompidos. “Riscos potencialmente significativos de transmissão persistiram em pelo menos uma minoria substancial dos locais estudados, especialmente quando os clientes consumiram álcool em excesso”, disse Fitzgerald.

Para Julian Tang, virologista clínico da Universidade de Leicester (Inglaterra), diz que “precisamos reduzir muito os níveis do vírus na comunidade e aumentar a cobertura vacinal de jovens adultos que frequentam bares, restaurantes, etc., para evitar qualquer possível ressurgimento. Não queremos que estes estabelecimentos abram muito cedo só para ver isso ir pelo cano abaixo se houver outra onda de casos.”

Segundo os autores, embora não seja possível extrapolar os resultados diretamente para outros países, é possível considerar o que poderia ser semelhante ou diferente em bares de outros territórios. “O ambiente social e o álcool são provavelmente os maiores desafios nesses lugares. No entanto, pode haver estados com culturas diferentes ou nos quais as pessoas respeitem mais os novos regulamentos relativos à transmissão do coronavírus e onde, portanto, reduzir os riscos será mais fácil.”

O desafio de oferecer um ambiente seguro

O relatório observa que a orientação do governo escocês não especifica exatamente como o bar ou a equipa de segurança deve intervir de forma eficaz e segura nas violações de distanciamento do cliente ou no tratamento de situações que normalmente requerem contacto próximo — como a expulsão de clientes bebados ou beligerantes.

De facto, nas entrevistas realizadas pelos investigadores, os proprietários das instalações reconheceram que o pessoal teria de receber formação para aplicar as novas medidas, mas também consideraram que alguns clientes podem não apreciar a intervenção ou mesmo não responder a isso.

“Os proprietários estão comprometidos em criar ambientes seguros e muitos locais fizeram melhorias substanciais após a reabertura, como ventilação. No entanto, é difícil garantir o cumprimento desses requisitos por parte dos clientes e às vezes dos próprios funcionários”, diz Paul Hunter, professor de medicina da University of East Anglia (Inglaterra).

“Este estudo oferece uma visão valiosa sobre os tipos de falhas que podem ocorrer nesses locais e por que ocorrem. Abrir estabelecimentos do setor hoteleiro nos próximos meses e fazer com que todos ofereçam ambientes seguros será um desafio importante para o Reino Unido”, continua Hunter.

Em geral, para os autores, há motivos de incerteza sobre o grau de aplicação das regras num setor em que a interação conhecidos e estranhos é normal e no qual o álcool é consumido regularmente. “Não é possível eliminar completamente os riscos de transmissão em qualquer ambiente”, diz Fitzgerald, “mas a atmosfera social e o ambiente de muitos desses locais criam riscos adicionais contrários às diretrizes sanitárias”.

O encerramento das instalações pode eliminar esses riscos, mas também pode causar dificuldades significativas para proprietários e funcionários. “É fundamental estarmos atentos ao impacto do encerramento das próprias empresas e dos funcionários, na atividade económica do setor, bem como nos riscos que representa o desvio de parte do consumo de álcool para o domicílio”, finaliza.

Adaptado do artigo original em Agencia Sinc.