Esta não é a primeira vez que uma das marcas do Grupo VW se dedica ao desenvolvimento de e-fuel, ou seja, de gasolina sintética, existindo informação que documenta investimentos da Audi neste domínio anteriores a 2013. A marca dos quatro anéis abandonou o processo, apostando na mobilidade eléctrica, com a Porsche a assumir a liderança na produção de combustíveis sintéticos a partir de fontes renováveis dentro do grupo. A curiosidade provém do facto de um dos seus vice-presidentes, Frank Walliser, afirmar numa entrevista que os motores de combustão com e-fuel emitem tanto dióxido de carbono (CO2) como um veículo eléctrico, considerando todo o processo (do poço à roda), incluindo a produção das baterias.
A conversa com o quadro da Porsche foi publicada na publicação britânica Evo, onde Walliser defendeu que “um motor a combustão a consumir gasolina sintética será tão limpo como uma alternativa eléctrica”. A afirmação teve lugar durante a apresentação do novo 911 GT3, durante a qual o técnico da Porsche revelou que “os primeiros ensaios com a e-fuel deverão começar em 2022”. Avançou ainda com uma potencial redução de emissões de CO2 para a gasolina sintética de 85%, um ganho similar face ao que emitiria um eléctrico num ciclo completo. Uma afirmação algo curiosa.
A gasolina é formada sobretudo por hidrocarbonetos, essencialmente átomos de carbono e hidrogénio. O princípio dos combustíveis sintéticos é conseguir associar, em laboratório, os átomos de carbono e hidrogénio na mesma proporção com que surgem na gasolina e gasóleo extraídos durante a refinação do crude. Há várias formas de conseguir os átomos de hidrogénio e carbono em quantidade necessária, sendo uma mais amiga do ambiente e a outra a tradicional, a partir do metano ou do gás natural. Por oposição, a tecnologia mais “verde” é a que retira carbono que existe no ar, em forma de CO2, capturando-o, para de seguida gerar hidrogénio pela electrólise da água, com energia fornecida por fontes renováveis, eólica ou fotovoltaica, pois assim se consegue e-fuel com grande ganho em carbono.
Este parece ser o sistema que a Porsche está a utilizar, minimizando o impacto ambiental, pois já era o utilizado pela Audi. Sucede que se a produção de gasolina sintética não pára de evoluir, a das baterias também não e a Porsche sabe disso, uma vez que a VW está envolvida na produção de acumuladores para a indústria automóvel. Isto quer dizer que não pode desconhecer que a química que suporta as células está cada vez mais eficaz, os materiais utilizados não param de evoluir – eliminando os mais problemáticos, como cobalto – e há um maior esforço em obter os materiais necessários para fabricar novas baterias através da reciclagem de antigas, disponíveis em cada vez maior número. Sobretudo por ser esta a forma mais económica de obter os materiais necessários.
Nestas condições, com a optimização da produção de gasolina sintética e das baterias, não é credível que os motores de combustão a queimar e-fuel sejam tão eficientes, em termos de emissões de CO2, como os veículos eléctricos. Tanto mais que da queima da gasolina sintética vai resultar a libertação para atmosfera do carbono capturado, o que faz deste tipo de combustível uma solução neutra em carbono, não reduzindo a quantidade de dióxido de carbono existente na atmosfera, que é exactamente o motivo que leva a generalidade dos países a adoptar os veículos eléctricos, apesar dos grandes custos que implicam.
Paralelamente, há uma questão de custos e necessidade energética. Em matéria de preço, a norueguesa Sunfire, por exemplo, produz e-fuel com energia limpa e espera atingir um preço de produção por litro de 2€. Mas mais grave parece ser a questão associada à imensa quantidade de energia que é necessária para retirar carbono da atmosfera e realizar a electrólise da água, em grandes volumes. Para se ter uma ideia, a Royal Society publicou em 2019 o relatório Sustainable synthetic carbon based fuels for transport, onde estima que fabricar combustível sintético apenas para aviões implicaria um consumo energético entre 1400 e 2100 TWh de electricidade por ano. Como termo de comparação, a produção total de energia eléctrica na União Europeia era de apenas 3000 TWh em 2016.