Nem as perspetivas de desconfinamento pré-verão, com uma consequente reabertura da economia, nem as promessas de aceleração da vacinação parecem dar grande confiança aos empresários de que é hora de aumentar os postos de trabalho. De tal forma que apenas 5% das empresas planeiam contratar entre abril e junho, o valor mais baixo desde que, há dois anos, a ManpowerGroup começou a realizar o Employment Outlook Survey. Sem grandes surpresas, o setor da restauração e da hotelaria continua a ser o mais afetado, embora já mostre alguns sinais de recuperação.
Os números gerais do relatório, divulgado esta terça-feira e a que o Observador teve acesso, revelam a degradação da confiança dos empresários, pelo menos no curto prazo. Como são mais os empregadores a pensar reduzir o número de trabalhadores (6%) do que a aumentar (5%), a criação líquida de emprego estimada, nos próximos três meses, é negativa (-1%). Esta estimativa volta, desta forma, ao vermelho depois de dois trimestre positivos. Ainda assim, permanece acima dos 9% negativos registados no verão de 2020. Já 81% dos inquiridos preveem manter o nível de emprego e 8% ainda não decidiram.
É “a incerteza do momento”, numa altura em que ainda não é conhecido o plano de desconfinamento, que está a moldar as perspetivas dos empresários, acredita Rui Teixeira, chefe de operações da ManpowerGroup Portugal. Ao Observador, o responsável da empresa de gestão de recursos humanos refere que uma eventual aceleração do emprego deverá agora depender da efetiva aceleração da vacinação, da abertura de fronteiras, da mobilidade e do regresso dos turistas. Mas há “realidades muito distintas” quando se destrinça o impacto da pandemia na contratação dos vários setores.
11% dos restaurantes e hotéis preveem despedir
De um lado estão as atividades que não podem ser feitas em teletrabalho, como a restauração e a hotelaria, precisamente o setor mais pessimista quanto à contratação nos próximos três meses. Apenas 5% dos empregadores no setor preveem contratar até junho e há 11% que até pensa reduzir o número de trabalhadores (um número, ainda assim, distante dos 38% registados no terceiro trimestre de 2020). O balanço dá, assim, uma criação líquida de emprego de -6%. Apesar de negativo, o número é uma melhoria de 10 pontos percentuais face ao trimestre anterior, mas um declínio de 27 pontos percentuais face a período homólogo (um valor que ainda não refletia o efeito da pandemia, já que as entrevistas tinham ocorrido em janeiro e fevereiro, quando a Covid-19 não tinha chegado a Portugal nem tinha sido declarada como pandemia pela OMS).
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“Este setor junta o pior dos dois mundos” — a impossibilidade de os trabalhadores exercerem o trabalho presencialmente, mas também a inexistência de procura, com o fecho das fronteiras e as restrições à mobilidade, diz Rui Teixeira. Além disso, o chamado canal Horeca (hotéis, restaurantes e cafés) “tem uma forte incidência de pequenas e médias empresas”, que são o grosso do tecido empresarial português e onde “mais se verifica a incerteza ou a intenção de não recrutar, ou de o fazer apenas no espaço de um ano”.
Em sentido inverso estão aquelas atividades que não requerem a presença física, com destaque para as “finanças e serviços”, onde os empresários estimam uma criação líquida de emprego em 5%. Rui Teixeira fala, por isso, numa “recuperação em K”, em que uns setores saem vencedores e outros vencidos. “Há áreas que, provavelmente, vão acelerar cada vez mais. Tudo o que esteja associado à transformação digital, desmaterialização dos processos, as áreas de tecnologia e desenvolvimento, marketing digital e o e-commerce são setores que vão crescer independentemente da velocidade da recuperação [da economia], ou da nossa adaptação à pandemia, seja com medidas de confinamento ou não. Já os setores de atividade que continuam a estar diretamente dependentes da presença, do turismo, do atendimento presencial, irão naturalmente ter um crescimento mais lento e incerto“, afirma Rui Teixeira.
A Grande Lisboa parece ser a região mais afetada no próximo trimestre, com os empregadores a preverem uma destruição de emprego em 5%: 2% conta aumentar os postos de trabalho, mas 7% pensa em reduzi-los. Curiosamente, depois de ter estado em alta em estudos anteriores (até porque, com a pandemia, muitos portugueses para ali fugiram nas férias), o Centro também está entre os mais pessimistas (7% fala em despedir e só 4% em contratar). É a região que mais vê o indicador da criação líquida de emprego recuar face ao trimestre anterior (10 pontos percentuais).
No Sul do país, a criação de emprego estimada também é negativa, mas menos (-1%), uma redução de dois pontos percentuais face ao trimestre anterior (é a região que menos cai). As entrevistas foram realizadas a 514 empresas em Portugal entre 18 de janeiro e 2 de fevereiro, ou seja, já contêm o efeito do segundo confinamento.
Se o verão vai trazer otimismo aos empresários? Rui Teixeira não arrisca previsões, muito por força da “incerteza” que ainda paira. “Acreditamos que o início de junho [quando sair o próximo relatório], tendo em conta que vimos de uma fase com novas medidas e uma nova abertura, trará novas perspetivas”.
“Há um desajuste das competências que o mercado procura e tem para oferecer”
Rui Teixeira não lhe quer chamar uma “lição”, mas antes uma “aprendizagem”: o que a pandemia tornou evidente foi a “necessidade de adaptabilidade” e de “treino constante” dos trabalhadores, para que, em futuras crises, possa haver uma reconversão dos setores mais afetados para os que oferecem melhores perspetivas de emprego a médio e longo prazo.
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Nesse esforço têm de entrar os empregadores, os governos e os próprios funcionários, aponta. “A destruição de emprego que a pandemia gerou criou não só esta escassez de emprego, mas também de talento, que já tínhamos identificado há alguns anos e nalguns estudos. Há um desajuste das competências que o mercado procura e que tem para oferecer. É essencial que os trabalhadores, ativos ou não, tenham esta disponibilidade para se readaptar e reaprender“, afirma o responsável da ManpowerGroup Portugal.
A forma como essa formação é feita também deve sofrer alterações, em prol de “modelos à distância e b-learning, em que a formação presencial e remota se complementam”.