O arrendamento tradicional está a ser utilizado por vários proprietários de alojamentos locais em ilhas do Porto como alternativa ao turismo, tentando contrariar a crise económica causada pela pandemia de Covid-19.

Maria de Lourdes Castelo mora, vai fazer 77 anos em julho, na Ilha do Doutor, no Porto. Na Rua de S. Vitor, na freguesia de Bonfim, o antigo bairro operário, mais conhecido como Ilha dos Castelos, é um de 10. Ali, ainda não há turismo, mas as casas têm novos moradores e o fenómeno tem crescido e se transformado por conta da pandemia.

Algumas portas ao lado, a Ilha do Padeiro foi transformada num alojamento local. “A Ilha do Padeiro era uma ilha como esta”, conta Lourdes. Casas pequenas, unifamiliares, alinhadas em fila de cada um dos lados do corredor que as divide.

“Compraram e fizeram obras e quando não é o meu espanto mudou de nome: Agora é Ilha d’ Ouro. Era para ser um hostel, mas como não conseguiram (…) o senhor que comprou aluga. Acho que é 500 euros por casa”, observou.

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Tiago Guimarães, proprietário de 19 unidades de alojamento local na ilha da Glória, localizada a alguns metros de distância da Praça da República, revê-se nas dificuldades. Sem receitas e com despesas para pagar, Tiago tenta ainda contrariar a transformação do negócio do alojamento local, mas admite que se a retoma do turismo não for uma realidade dentro em breve, não terá outra solução senão o arrendamento.

“Até setembro vamos aguentar, mas depois de setembro acho que já não conseguimos aguentar mais e teremos de passar para aluguer a estudantes ou o arrendamento tradicional”, reconheceu. Ainda há dois anos, lembrou, a taxa de ocupação das 19 casas, batizadas com nomes de freguesias do Porto, era de 90%. Agora, estão vazias, à espera por melhores dias.

O ano “2022 poderá ser o ‘timing’ mais correto para conseguir atingir esses níveis de ocupação, embora estejam também a crescer muitos hotéis”, disse, acrescentando que acredita que a procura na zona da Lapa pode beneficiar da construção de um novo hotel e requalificação da área, nomeadamente com a criação de um parque urbano.

Álvaro Rocha mora na Glória há mais de 70 anos e, apesar de ter vivido o tempo da tuberculose, fala desta pandemia com mais mágoa. Fala dos vizinhos turistas com saudade e do tempo em que a sua gata Dino era a estrela da companhia.

“Nunca vi uma gata [como Dino], é amada por toda a gente, já vieram do jornal tirar várias fotografias. Moravam aqui uns turistas, um senhor e uma senhora. Ela vinha e compravam-lhe coisas e a gata não sai daqui”, lembrou, recordando o tempo pré-pandemia em que os alojamentos locais na Ilha da Glória chegaram a estar cheios.

Agora, diz Álvaro, está mais vazia. “Praticamente não tenho visto aqui turistas, lá pode aparecer um ou outro para dormir uma noite, mas ao outro dia vai embora”, disse.

Na ilha do Largo Alberto Pimentel, em Cedofeita, Emília Nascimento diz que também ali o negócio mudou. Com a Covid-19 não há o vai e vem de turistas e o alojamento de maior duração foi a solução encontrada pelos proprietários de várias casas para rentabilizar os espaços.

“A única diferença (…) são as pessoas que vêm que estão mais tempo. Até ali, vinham dois, três dias e iam embora e vinham outros. Havia mais movimento nesse aspeto. Agora as pessoas estão mais tempo”, conta Emília que ali mora há 38 anos. Com as casas de alojamento local ocupadas por mais tempo, o movimento na ilha está longe do registado em 2019.

“Antes do confinamento isto tinha muito mais movimento, porque as casas existentes aqui foram compradas e a maior parte são alojamento local, tinham outro movimento a nível de turismo. Agora, o movimento, como em todo lado, está muito restrito”, relatou Maria Gonçalves, que mora na casa 15, duas portas abaixo de Emília.

Tal como noutras ilhas, nesta poucos são os moradores ‘originais’, como a mãe de Maria que comprou aquela casa em 1977. Embora reconhecendo que o turismo ajudou a reabilitar algumas ilhas degradadas, Maria espera, contudo, que no pós-pandemia não haja turismo desenfreado.

“Quando isto voltar à normalidade espero que não haja o turismo desenfreado que havia, espero que nunca continue, que não se conseguia sossegar, porque era 09:00 e 10:00 e ainda andavam aí jovens e menos jovens em noitadas e dormiam na rua, etc.”, recordou, regressando a 2019, ano em que o Covid-19 não era ainda uma preocupação.

Em 2015, um levantamento feito pela Câmara do Porto identificou mais de 10.000 pessoas a viver em 957 ilhas na cidade, muitas delas com más condições de habitabilidade.

A pandemia de Covid-19 provocou, pelo menos, 2.654.089 mortos no mundo, resultantes de mais de 119,7 milhões de casos de infeção, segundo um balanço feito pela agência francesa AFP. Em Portugal, morreram 16.694 pessoas dos 814.513 casos de infeção confirmados, de acordo com o boletim mais recente da Direção-Geral da Saúde.