Cautela, avisos e uma preocupação no horizonte. Depois de ter sido claro ao admitir como “muito provável” o prolongamento do estado de emergência até maio, Marcelo Rebelo de Sousa aproveitou a ronda de audiências com os vários partidos para manifestar sinais de algum desconforto face à evolução da pandemia em Portugal. O Presidente da República tem um objetivo — e uma preocupação — em mente: salvar o verão para tentar, dentro do possível, relançar o turismo e a restauração. Isto, num contexto europeu que traz perspetivas pouco animadoras.
Nas reuniões que manteve com os partidos ao longo de terça e quarta-feira, por videoconferência, Marcelo confessou várias preocupações. Em primeiro lugar, o risco de os números de pandemia galoparem até ao verão, o que pode hipotecar (ainda mais) setores do turismo e da restauração, particularmente dependentes do fator sazonal.
Segundo a informação recolhida pelo Observador junto de várias fontes partidárias, o Presidente da República não ignora o que vai acontecendo noutros países europeus, que tiveram de voltar a fechar depois de terem começado a desconfinar de forma gradual. Marcelo pareceu, nesta ronda, “menos otimista” do que noutras reuniões, preocupado com as “limitações” que essa evolução poderá trazer a Portugal.
Neste ponto, o Presidente parece estar em sintonia com o Governo: ainda na terça-feira, na reunião do Infarmed, a ministra da Saúde chamava a atenção dos peritos e responsáveis políticos para o “contexto adverso e preocupante” que se vive no resto da Europa, onde “vários países” registam “incidências maioritariamente elevadas e risco de transmissão também”.
Essa situação, reforçava então Marta Temido, implicará “atenção elevada e especial preocupação à forma como abordamos os próximos dias e semanas”. E era secundada por João Paulo Gomes, do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, que pedia, entre outras medidas, um controlo mais apertado das fronteiras.
Na mesma reunião em que os especialistas revelaram que 80% dos casos em Portugal têm já na sua origem a variante britânica do vírus — e que o número deverá escalar em breve para os 90% –, o alerta foi de João Paulo Gomes foi claro: “A última coisa que queremos é que se repita, e era quase inevitável, aquilo que se passou com a variante inglesa: entrou no nosso país, com múltiplas introduções, espalhou-se e dentro de semanas estará com certeza acima de 90%”. A preocupação de Marcelo passa também por aqui – e pela forma como o verão poderá trazer riscos acrescidos.
A esse propósito, aliás, Marcelo aproveitou a reunião com os diferentes partidos para apoiar a posição assumida pelos especialistas na reunião do Infarmed de que era preciso aumentar a testagem e, em particular, ter especial atenção aos testes PCR, aqueles que detetam as várias estirpes em território nacional.
Quadro jurídico especial caiu. Estado de emergência tem de servir
Se o pretexto para ronda de reuniões era a renovação do estado de emergência, os partidos ficaram com a nítida convicção que o quadro legal alternativo que o Governo chegou a equacionar, e inclusivamente a mencionar em conversas anteriores com os partidos, é uma hipótese que morreu à nascença.
Nestes contactos, Marcelo terá deixado claro que a proposta que visava evitar a ‘banalização’ do estado de emergência e criar um novo quadro legal para justificar as medidas de emergência não irá, pelo menos por agora, para a frente.
Aos partidos, o Presidente admitiu o que já dissera em público — o estado de emergência pode mesmo continuar a ser prolongado até maio, dependendo das avaliações que forem sendo feitas ao confinamento — explicando que, enquanto houver restrições de circulação, por exemplo, será impossível fugir ao quadro atual.
Marcelo ainda acrescentou outro dado: a renovação do estado de emergência era inevitável. Afinal, é no período da Páscoa, abrangido pelo próximo estado de emergência, que haverá mais restrições de circulação, nomeadamente entre concelhos. E a essas, atualmente, só o estado de emergência consegue dar respaldo.