O Ministério Público (MP) já reabriu a investigação à alegada colaboração do inspetor-chefe da Polícia Judiciária (PJ) Rogério Bravo com a Doyen — a empresa que Rui Pinto terá tentado extorquir. Depois de uma espera de três meses depois de os juízes que estão a julgar o hacker terem extraído uma certidão para investigar novas suspeitas, o Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa reabriu o inquérito, confirmou o Observador junto de fonte da Procuradoria-Geral da República.

Estas supostas ligações do inspetor-chefe da PJ à Doyen já tinham sido investigadas num inquérito que teve origem numa queixa apresentada pela ex-eurodeputada Ana Gomes, mas que acabou arquivado. No entanto, no passado dia 10 de dezembro, na sequência de algumas revelações feitas ao longo do julgamento de Rui Pinto, o tribunal decidiu extrair certidão para que este inquérito fosse reaberto e assim serem investigadas as novas suspeitas — o que, tal como o Observador noticiou, demorou mais de três meses a acontecer. Em causa estão crimes de falsidade de depoimento, corrupção, abuso de poder e denegação de justiça.

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Foi a inquirição à testemunha Pedro Henriques, um advogado que prestava assessoria jurídica ao ex-administrador da Doyen, Nélio Lucas, que acabou por levar a que fosse extraída a certidão. Henriques revelou que o inspetor-chefe Rogério Bravo teria indicado o nome de um jornalista à Doyen para que a empresa pudesse expor a sua versão dos factos — na altura os documentos da Doyen estavam a ser divulgados no site Football Leaks, da autoria de Rui Pinto e o objetivo seria contar o seu lado da história.

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Na sessão anterior, de dia 9 de dezembro, durante a audição de Pedro Henriques, já se tinha ficado a saber que o mesmo inspetor-chefe lhe teria enviado um email onde pedia que fizesse um requerimento à então Procuradora-Geral da República, Joana Marques Vidal, relacionado com o processo Football Leaks. Nesse email, o inspetor-chefe enviou mesmo uma espécie de rascunho com uma proposta de requerimento, onde alertava Marques Vidal para uma “escalada criminosa” e que o Rui Pinto não só continuava a divulgar informação sobre a Doyen no site Football Leaks, como agora tinha feito uma tentativa de extorsão.

Mas as suspeitas já antes tinha sido levantadas. No início do julgamento, ainda em setembro, o inspetor da PJ José Amador, ouvido como testemunha, também tinha dado uma informação ao tribunal que denunciava esta alegada ligação. A PJ teria enviado a Pedro Henriques um documento relacionado com a investigação — enquanto ela decorria e numa altura em que procuravam descobrir quem era Rui Pinto. Tratava-se de um ofício em que as autoridades portuguesas pediam a colaboração da Rússia para descobrir a origem dos emails enviados por Rui Pinto — na altura, apresentava-se como Artem Lobuzov.

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MP também já abriu inquérito a inspetora da PJ que assinou (sem ler) relatório sobre investigação

O MP também já abriu inquérito para investigar a inspetora da Polícia Judiciária (PJ) Aida Freitas que admitiu em tribunal ter assinado um documento relacionado com a investigação ao Football Leaks sem ler, segundo noticiou o Observador. O inquérito foi aberto também na sequência de uma certidão extraída pelos juízes, na sessão de dia 19 de janeiro do julgamento de Rui Pinto. Nesse dia, Aida Freitas foi ouvida como testemunha já que tinha sido uma das duas únicas pessoas a estar presentes, secretamente, no encontro numa estação de serviço na A5 entre os representantes da Doyen e Aníbal Pinto, então advogado de Rui Pinto. Esse encontro teria sido marcado para negociar quanto estaria a Doyen a pagar em troca da não divulgação de documentos que o alegado hacker teria em sua posse.

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O relatório elaborado pela PJ e assinado pela inspetora Aida Freitas, além do inspetor Hugo Freitas era uma das provas mais importantes e mais sólidas para acusar Aníbal Pinto e Rui Pinto do crime de tentativa de extorsão. Só que Aida Freitas admitiu que não ouviu “nada” do que aconteceu no encontro e que assinou o relatório elaborado sobre o mesmo sem o ler. As declarações de Aida Freitas levaram a Procuradora da República a requerer que fosse investigada por suspeitas de crime de falsidade de documento e falsas declarações.

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O julgamento encontra-se agora suspenso devido às medidas de combate à pandemia de Covid-19. Rui Pinto, o principal arguido, responde por 90 crimes — todos relacionados com o facto de ter acedido aos sistemas informáticos e caixas de emails de pessoas ligadas ao Sporting, à Doyen, à sociedade de advogados PLMJ, à Federação Portuguesa de Futebol, à Ordem dos Advogados e à PGR. Entre os visados estão Jorge Jesus, Bruno de Carvalho, o então diretor do DCIAP Amadeu Guerra ou o advogado José Miguel Júdice. São, assim 68 de acesso indevido, 14 de violação de correspondência, seis de acesso ilegítimo e ainda por sabotagem informática à SAD do Sporting e por tentativa de extorsão ao fundo de investimento Doyen.

Aníbal Pinto, o seu advogado à data dos alegados crimes, responde pelo crime de tentativa de extorsão porque terá servido de intermediário de Rui Pinto na suposta tentativa de extorsão à Doyen. E é por isso que se sentam os dois, lado a lado, em frente ao coletivo de juízes.

O alegado pirata informático esteve em prisão preventiva desde 22 de março de 2019 e foi colocado em prisão domiciliária a 8 de abril deste ano, numa casa disponibilizada pela PJ. Na sequência de um requerimento apresentado pela defesa do arguido, a juiz Margarida Alves, presidente do coletivo de juízes — que está a julgar Rui Pinto e que tem como adjuntos os juízes Ana Paula Conceição e Pedro Lucas — decidiu colocá-lo em liberdade. O alegado pirata informático deixou as instalações da PJ no início de agosto e a sua morada atual é desconhecida.