O CDS vai enfrentar as próximas eleições autárquicas em Ponte de Lima, a sua câmara mais importante das seis que ainda controla, partido em três. No ano em que o atual presidente, Víctor Mendes, atinge a limitação de mandatos, Vasco Ferraz, atual vereador, será, ao que tudo indica, o candidato oficial do partido. Gaspar Martins, antigo vice-presidente da Câmara e há muito em rota de colisão com o partido, vai avançar como independente. E Abel Baptista, antigo deputado do CDS entretanto expulso do partido, vai reeditar a candidatura de 2017 e correr novamente como independente, mais uma vez com o apoio do PS.

Com estes três protagonistas em jogo, pode dar-se o caso de a família democrata-cristã ser praticamente a única a ir a votos nestas eleições. As estruturas locais do PSD, sabe o Observador, estão a ser pressionadas para apoiar Vasco Ferraz numa coligação formal com o CDS — isto depois de o nome de António Carvalho Martins, antigo governador civil de Viana do Castelo e figura próxima de Rui Rio, ainda ter circulado como possível candidato à autarquia.

Sem um candidato forte para disputar a Câmara, os sociais-democratas podem muito bem dar a mão ao CDS para segurar uma autarquia que pertence aos democratas-cristãos desde as primeiras eleições autárquicas, em 1976. As estruturas locais queriam um candidato próprio, mas a direção nacional do PSD parece estar tentada em avançar ao lado de Vasco Ferraz. As negociações em curso e já há conversações entre as partes para chegar à melhor solução.

Shakespeare em Ponte de Lima

Com PS e PSD formalmente fora da corrida, e sendo a esquerda praticamente residual naquele concelho, a disputa far-se-á entre três figuras bem conhecidas do CDS. Vasco Ferraz, líder da concelhia do partido em Ponte de Lima e vereador com o pelouro do Urbanismo e da Proteção Civil, vai tentar segurar a autarquia num momento em que o partido não se pode dar ao luxo de perder câmaras.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Essa foi, aliás, uma das metas definidas por Francisco Rodrigues dos Santos, que tem a cabeça a prémio desde o Conselho Nacional em que Adolfo Mesquita Nunes desafiou abertamente a atual liderança. Se perder uma das seis câmaras ficará, em teoria, numa situação delicada. Pior ainda se perder o bastião de Ponte de Lima.

E é precisamente isso que Gaspar Martins, número dois de Víctor Mendes entre 2009 e 2017, está apostado em provocar. Depois de terminar o mandato, o lugar que passou a ser ocupado pela filha Mecia Martins. Acabaria por romper com Víctor Mendes em 2019, altura em que Assunção Cristas vetou a candidatura de Gaspar Martins a deputado contra a vontade da concelhia e da distrital.

O ex-autarca sentiu-se traído por Víctor Mendes por entender que o presidente da Câmara de Ponte de Lima não fez o suficiente para o segurar. Em 2019, Gaspar Martins chegou mesmo a fazer campanha eleitoral ao lado dos candidatos do PSD.

Esse episódio e a perspetiva de mudança de ciclo de poder fizeram o resto e dividiram ainda mais a família democrata-cristã na autarquia de Ponte de Lima. Mecia Martins, filha de Gaspar Martins, ficou de um lado; e os vereadores Vasco Ferraz, Paulo Sousa e Ana Machado ficaram do outro. As duas fações têm travado uma guerra semi-pública pela sucessão de Víctor Mendes e é provável que a tensão venha a aumentar nos próximos meses.

Agora em cantos opostos, os dois, Vasco Ferraz e Gaspar Martins, chegaram a estar na mira do Ministério Público pelos crimes de prevaricação, violação de regras urbanísticas e abuso de poder a propósito de um processo de licenciamento de uma obra no concelho. Acabaram ambos absolvidos.

Adversários não assustam

Quando anunciou a candidatura, Gaspar Martins justificou a decisão com o “crescente desconforto em relação à forma como o município é gerido” e disse estar “convicto” de que seria capaz de vencer as eleições.

“As pessoas entendem que eu durante 20 anos contribuí muito para aquela estabilidade, entendem que eu tenho uma palavra a dizer. Eu próprio também entendo que o município não está a seguir no bom caminho e tenho por isso também uma obrigação de participar como cidadão”, afirmou ao jornal “O Minho”.

Em pista própria corre Abel Baptista, antigo vereador e vice-presidente da Câmara de Ponte de Lima, entre 1994 e 2001, quando Daniel Campelo, o deputado do “Orçamento Limiano”, era presidente da autarquia. Esta é a segunda vez que o deputado concorre à presidência, depois de já o ter feito em 2017, como independente mas igualmente apoiado pelo PS.

Há quatro anos, Víctor Mendes conseguiu uma folgada vitória, por 52,11% dos votos. Mas Abel Baptista teve um bom resultado (23,66%) e conseguiu mesmo eleger dois vereadores, ficando largamente à frente do PSD. Com Gaspar Martins na corrida e sem Víctor Mendes na equação, o CDS pode enfrentar aqui um desafio mais difícil de superar.

Os problemas não se esgotam aqui. Além destas duas candidaturas adversárias do CDS, é tido como bastante provável que o Chega venha a apresentar um candidato próprio, o que pode baralhar as contas do partido e tornar tudo mais imprevisível.

No CDS, a questão é desvalorizada. Ao Observador, fontes do partido lembram que já não é a primeira vez que o CDS conhece a concorrência de candidatos originários da família democrata-cristã em Ponte de Lima e nem por isso deixou de vencer a autarquia eleição após eleição.

Além disso, a aposta que se faz no CDS de Ponte de Lima é de que Gaspar Martins e Abel Baptista vão acabar por se anular mutuamente e disputar eleitorado entre si e que o Chega não tem ainda a implantação local para fazer mossa ao partido. A linha oficial do CDS acredita que sairá reforçada desta disputa. A ver.