É mais uma maioria contra o Governo — ou, segundo o Governo, mais uma coligação negativa –, mas que pode ter efeitos limitados. A oposição vai unir-se quase por completo para aprovar uma proposta do PCP que prolonga e alarga as moratórias, nalguns casos estendendo-as até ao fim do ano — mas não é garantido que a versão final do diploma vá tão longe.

A proposta dos comunistas, que será debatida esta quarta-feira no Parlamento, estabelece que as moratórias que terminem no primeiro semestre de 2021 possam ser prolongadas nas mesmas condições, sejam públicas — cujo prolongamento termina em setembro — ou privadas — já em abril –, desde que os beneficiários assim o requeiram. A proposta dos comunistas vai mais longe, alargando o acesso a este instrumento e definindo que os créditos contraídos desde março de 2020, portanto já em período de pandemia, devem ser discutidos, uma vez que houve “expectativas” quanto à evolução da situação económica que foram criadas pelo Governo e que foram goradas.

Mas está longe de estar garantido que todas estas mudanças sejam mesmo, no final do processo, aplicadas. Isto porque se o grande desbloqueador é o PSD — que já garantiu o voto dos seus 79 deputados — a viabilização tem condições. E não são de pormenor. Ao Observador, Duarte Pacheco confirma o que tinha adiantado à Lusa: o partido viabilizará a proposta na generalidade, mas “com o objetivo” de que esta possa ser discutida na fase da especialidade, onde pode ser alterada. E é aí que o PSD quer alterar a proposta para chegar a um meio-termo: prolongar as moratórias sim, mas só até ao fim do estado de emergência; e sujeitar a aprovação da proposta à aprovação da Autoridade Bancária Europeia.

“A estabilidade do sistema financeiro é uma preocupação séria. Não vamos brincar e dizer que é até ao fim do ano. Só se o próprio estado de emergência vigorasse até ao fim do ano”, esclarece o deputado. Questionado sobre se estas alterações viriam, no fundo, esvaziar a proposta comunista, o deputado do PCP Bruno Dias foca-se para já na primeira aprovação na generalidade, embora com uma preocupação sobre a próxima fase: “Uma coisa de cada vez. Queremos que a proposta seja aprovada e que tenha continuidade. Estar a pré-anunciar medidas de especialidade antes de fazer o debate que tem de se fazer primeiro é escusado”, explica. Para já, otimismo sobre a aprovação na generalidade: “Seria totalmente surpreendente se a proposta não fosse aprovada. Não consigo encontrar neste país uma pessoa que diga que não é necessária”.

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Primeira votação garantida

Para já, é certo que na primeira votação, a da generalidade, a proposta passa graças a uma maioria contra a vontade do Governo. Fonte do grupo parlamentar do PS confirmou ao Observador que o partido votará contra, mas fica quase isolado: o PSD, através do deputado Duarte Pacheco, disse à Lusa e confirmou ao Observador que “viabilizará” a proposta — votando o PS contra, o PSD votará a favor para que esta possa passar –; no Bloco de Esquerda, Pedro Filipe Soares diz ao Observador que o partido vota a favor e relembra que foi por iniciativa do BE que o governador do Banco de Portugal, Mário Centeno, foi chamado esta terça-feira ao Parlamento para falar do assunto; o PAN e o PEV confirmam que também aprovam a medida; a deputada independente Cristina Rodrigues votará a favor de uma medida que lhe parece “fundamental para a sobrevivência das famílias e das empresas”, que de outra forma podem ficar “sujeitas à insolvência”. Também a deputada independente Joacine Katar Moreira confirma que vota a favor. Em comunicado, o Chega informa que se junta ao lado favorável, considerando “fundamental” prorrogar os prazos e garantindo que a estabilidade do sistema financeiro “não está obviamente em causa”, embora contrariando a vontade do PSD: a medida deve estar associada ao período de crise económica e de rendimentos e não ao estado de emergência.

Contas feitas são 79 votos do PSD, 19 do BE, 12 da CDU, três do PAN, um do Chega e dois das deputadas independentes, que somam 116 votos. Com a abstenção da Iniciativa Liberal, também confirmada ao Observador, os votos do lado contra só podem somar, no máximo, até 114.

No CDS, a decisão não está fechada, mas as perspetivas não são otimistas: ao Observador, Cecília Meireles expressa uma “grande preocupação com a dimensão das moratórias”. “Os apoios do governo não foram os adequados, o que levou as famílias e as empresas a recorrerem ao que podiam recorrer para sobreviver: as moratórias. Por isso, as moratórias são uma bomba relógio que é preciso desativar e não meramente adiar”, defende.

A moratória pública, ou do Estado, para famílias e empresas termina a 30 de setembro, mas a dos bancos acaba já em abril, podendo os beneficiários tentar renegociar as condições junto das instituições se não conseguirem retomar o pagamento das mensalidades. Este mês, o ministro do Estado e da Economia, Pedro Siza Vieira, veio revelar que quanto às moratórias bancárias que acabam em setembro o Governo está a “trabalhar afincadamente” para poder estender a maturidade aos setores que demorem mais tempo a recuperar. Quanto às que terminam em março, isso não está previsto “exceto no caso dos setores mais afetados, como turismo, cultura e algum comércio”.

Centeno avisa. Prolongar moratórias “isola” Portugal na banca europeia

Esta terça-feira, no Parlamento, Mário Centeno deixou o aviso: prolongar as moratórias “isola” Portugal na Europa, uma vez que não há enquadramento europeu para esse cenário, e pode ser uma “armadilha”.

Texto alterado às 20h16 para incluir o comunicado do Chega.