Os funcionários públicos apontam a falta de contacto com colegas e o aumento de despesas como os pontos mais negativos do teletrabalho, e a redução do tempo em deslocações como o mais positivo, indica um estudo realizado pela DGAEP.

Através de entrevistas aos dirigentes e trabalhadores de 29 entidades da administração central direta e indireta, o estudo “A adaptação dos modelos de organização do trabalho na administração pública central durante a pandemia de Covid-19: dificuldades e oportunidades”, que é apresentado esta terça-feira, procura não só avaliar como correu a adaptação à forma de trabalhar imposta pela pandemia, como identificar pontos fortes, e fracos, potencialidades e ameaças do teletrabalho.

Os resultados do inquérito revelam que a redução do contacto presencial com os colegas é para 78% dos funcionários públicos um dos pontos negativos do teletrabalho. Mas não é o único: 66% dos inquiridos aponta o aumento de gastos com Internet, energia, computadores e outros elementos necessários para trabalhar em casa, 63% a possibilidade de trabalhar mais horas sem dar por isso, havendo ainda 57% que consideram como ponto negativo o perigo de maior isolamento social.

Por outro lado, a maior parte (72%) considerou o ganho de tempo pelo facto de se evitarem deslocações casa-trabalho-casa como uma das maiores vantagens do teletrabalho, havendo 54% que apontou também o efeito positivo na conciliação da vida profissional e familiar e 52% que veem nesta organização do trabalho imposta pela pandemia um contributo para se repensar de forma estrutural os modelos de organização do trabalho na Administração Pública.

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De acordo com o estudo, entre os trabalhadores que estiveram em teletrabalho mais de um terço (37,02%) afirmou que a entidade empregadora não lhe disponibilizou quaisquer meios ou equipamentos para poder realizar a sua atividade em teletrabalho.

A empresa que espia os computadores e outros problemas do teletrabalho (que será obrigatório até ao final do ano)

A estes somam-se 28,28% que admitem que houve uma disponibilização parcial de meios, sendo que 34,7% afirmam ter havido disponibilização dos meios e equipamentos necessários para o teletrabalho.

“De entre as entidades estudadas, foram os trabalhadores das direções-gerais os mais penalizados com a ausência de distribuição de meios tecnológicos (cerca de 49%)”, refere o estudo, assinalando que “dos dados recolhidos resulta evidente que sem os meios tecnológicos particulares fornecidos pelos próprios teletrabalhadores, o teletrabalho na Administração Pública central durante a pandemia ter-se-ia revelado de execução muito mais difícil.

Este estudo, a que a Lusa teve acesso, e que é esta terça-feira apresentado num ‘webinar’ que conta com a participação da ministra Modernização do Estado e da Administração Pública, Alexandra Leitão, e do secretário de Estado da Administração Pública, José Couto, teve respostas de 4.445 trabalhadores, num universo dos mais de 42 mil funcionários de 29 entidades como a Autoridade Tributária e Aduaneira, a Autoridade para as Condições do Trabalho, o Instituto dos Registos e Notariado, várias direções-gerais e secretarias gerais de diferentes ministérios ou o Turismo de Portugal.

Apesar de até março de 2020, apenas pouco mais de 1% destes trabalhadores ter tido alguma experiência de teletrabalho, o estudo indica que a quase totalidade dos trabalhadores que teve de trabalhar a partir de casa não revelou problemas de adaptação.

O nível de conhecimentos informáticos da maioria dos trabalhadores não se revelou como óbice à possibilidade de trabalharem em regime de teletrabalho. Com efeito, das 29 entidades inquiridas, 21 afirmaram que os conhecimentos informáticos dos trabalhadores se revelaram suficientes para poderem trabalhar remotamente”, assinala o estudo.

Os dirigentes entrevistados também não reportaram a existência de desafios desiguais de adaptação ao teletrabalho de carreira para carreira, tendo indicado a comunicação como o maior desafio do teletrabalho, seguindo-se a coordenação das equipas e o problema dos equipamentos.

Quando questionados sobre o local em que, no futuro, poderiam desenvolver o seu trabalho em regime de teletrabalho, a esmagadora maioria dos inquiridos (88%) “elege o domicílio como o lugar de eleição”.

A maioria (68,86%) também é da opinião que o teletrabalho fomenta a conciliação da vida profissional, familiar e pessoal e apenas 16,69% pensam de maneira inversa.

Teletrabalho na Administração Pública sem impacto negativo na produtividade

A produtividade e qualidade do trabalho dos funcionários públicos colocados em teletrabalho manteve-se igual ou melhorou por comparação com o registado quando estão em regime presencial, segundo os resultados do estudo realizado pela DGAEP.

De acordo com a investigação, a maioria dos dirigentes das 29 entidades da administração central direta e indireta participantes, dá nota positiva à qualidade do trabalho.

“Cerca de 60% dos dirigentes respondentes avalia a qualidade do trabalho como sendo a mesma, independentemente dos seus trabalhadores estarem a trabalhar presencialmente ou em teletrabalho”, refere o estudo, precisando que “27,27% dos dirigentes acham que a qualidade do trabalho melhorou ou melhorou muito quando desempenhado em regime de teletrabalho”.

Apenas 12,41% dos dirigentes dão nota negativa quando questionados sobre a qualidade do trabalho desenvolvido em teletrabalho.

O estudo revela ainda que a maioria dos dirigentes (66,61%) não encontrou resistência ao teletrabalho por parte dos trabalhadores, enquanto 52% refere também não ter havido nunca ou quase nunca resistência quando as condições permitiram o regresso ao trabalho presencial. “Não obstante, 37,41% referem que esta resistência [de regresso ao trabalho presencial] se manifestou por vezes e 9,79% admitem que ela se fez notar sempre ou quase sempre”, refere o documento.

As linhas vermelhas de patrões e sindicatos no teletrabalho. Uns exigem acordo e outros não querem legislar agora

Recorde-se que na sequência do primeiro confinamento geral, em 2020, cerca de 68.000 funcionários públicos estiveram em teletrabalho. No atual confinamento, esse número foi de 60.000 segundo disse à Lusa a ministra Alexandra Leitão.

O estudo, realizado em janeiro, mostra que 48% dos trabalhadores perceciona existir um “estiga” por parte das chefias relativamente aos trabalhadores em teletrabalho, mas do lado dos dirigentes a percentagem é menor.

“Do ‘casamento’ das perceções dos diferentes grupos profissionais resulta claro que a adoção do teletrabalho como modalidade de trabalho a longo prazo tenderá a confrontar-se com divergências de sensibilidades por parte de quem o venha a coordenar e supervisionar”, salienta o documento.

Apesar de a forte subida do recurso ao teletrabalho ter sido imposta pela pandemia, 86,71% dos dirigentes inquiridos admitem ser este o momento adequado para que se repensem estruturalmente os modelos de organização do trabalho na Administração Pública portuguesa.

Nesta reflexão sobre os modelos de organização do trabalho no sentido da promoção da flexibilidade e da monitorização dos impactos, deve-se evitar “o completo isolamento”, consideram ainda os inquiridos.

“A maioria dos entrevistados concorda ser este o momento indicado para a revisão global dos modelos de organização do trabalho na Administração Pública portuguesa”, lê-se no estudo.

Adianta que, das várias justificações apresentadas, salientam-se as que valorizam o facto de ser o momento adequado para se rever o enquadramento jurídico das modalidades de trabalho assim como o seu sistema de avaliação de desempenho, “mas também as que percecionam esta revisão como inevitável uma vez que a pandemia ajudou a romper em definitivo com as resistências que existiam relativamente ao teletrabalho”.

Por outro lado, e ainda que a maioria dos inquiridos acredite que o teletrabalho dá um contributo globalmente positivo para a conciliação da vida profissional e familiar alguns alertam para a necessidade de ser realizada uma avaliação da conciliação fora do contexto da pandemia.