Neste novo episódio deste projeto em parceria com a Janssen, Carlos Silva, escritor de ficção científica, em conjunto com Rosário Serrão, médica do Serviço de Doenças Infecciosas do Centro Hospitalar Universitário de S. João, pararam para imaginar: e se Isaac Asimov ainda estivesse aqui, o que é que a sua perspetiva humanista traria às discussões atuais?

O contributo de Asimov: da ficção à realidade

Para os fãs de ficção científica, Isaac Asimov é uma figura incontornável, considerado um dos autores mais importantes e relevantes da literatura do género. Temos a certeza de que já se cruzou com as suas ideias, mesmo que não seja fã do género. As obras de ficção do autor deixaram um impacto na cultura popular, com inúmeros filmes – tal como “Eu, Robot”, protagonizado por Will Smith – séries produzidas com base nos seus textos, e vários autores do género a reproduzirem as suas ideias e expandirem as suas narrativas em textos próprios.

Um dos seus feitos mais notórios é a criação das 3 Leis da Robótica. Na sua série de ficção, Robôs, Asimov explorou questões como a inteligência artificial, onde criou “seres positrónicos” (a que vulgarmente chamamos robôs) que funcionam em função de certas diretrizes: 1º: Um robô não pode ferir um ser humano ou, por inação, permitir que um ser humano sofra algum mal; 2º: Um robô deve obedecer às ordens que lhe sejam dadas por seres humanos, exceto nos casos em que entrem em conflito com a Primeira Lei, 3º: Lei: Um robô deve proteger sua própria existência, desde que tal proteção não entre em conflito com a Primeira ou Segunda Leis. Mais tarde, Asimov acrescentou a “Lei Zero”, acima de todas as outras: um robô não pode causar mal à Humanidade ou, por omissão, permitir que a mesma sofra.

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“Em cada conto, ele explora levar essas regras éticas até ao limite”, explica Carlos Silva, fã de Asimov e, também ele, escritor de ficção científica. “Ele faz um bom argumento sobre a diferença entre o espírito da lei e a lei escrita, como a interpretação é importante, entender em contexto e questionar uma regra – e que poder fazer isso é a verdadeira inteligência”.

Estas diretrizes éticas continuam a fazer parte central dos debates na comunidade científica, à medida que os avanços nas áreas da biónica, cibernética e inteligência artificial, tornam a ficção científica cada vez mais parte da realidade. A própria palavra “robótica” foi introduzida pelo autor na sua obra.

Humanista e defensor da racionalidade

Extremamente prolífico enquanto autor, Isaac Asimov escreveu e publicou mais de 500 livros ao longo da sua carreira, não apenas na literatura de ficção, mas também em publicações de história e científicas.

“Quando um livro chega a uma biblioteca, é categorizado dentro de 10 categorias possíveis, e Asimov escreveu em todas excepto, curiosamente, em psicologia e filosofia – é especialmente engraçado porque as suas obras de ficção desenvolvem temas da psicologia e filosofia”, conta Carlos Silva. Apesar de não ter a certeza que isto se comprove é um facto divertido que leu. “Para quê estragar uma boa história com factos?”, brincou o autor.

Embora o termo “fake news” não fizesse parte do léxico da época, Isaac Asimov explorou o tema da manipulação da informação na sua série “A Fundação”, levando-nos a pensar que posição tomaria o autor em relação ao clima atual. Durante a sua vida, Asimov foi um líder do pensamento racionalista, a par com outros divulgadores científicos, como Carl Sagan. Em conferências e entrevistas, observou várias vezes as tendências de pensamento que surgiam, como a New Age, que se baseavam em esoterismo e metafísica, e tomou como missão pessoal defender e incentivar o uso do método científico.

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“Creio que continuaria a sua luta, a sua luta racionalista”, remata Carlos.

O VIH e o estigma social

“Asimov teve muito azar na forma como se infetou, que foi através de uma transfusão sanguínea, que hoje em dia seria impossível”, explica-nos Rosário Serrão, médica do Serviço de Doenças Infecciosas do Centro Hospitalar Universitário de S. João.

Após sofrer um ataque cardíaco em 1977, em dezembro de 1983, Isaac Asimov foi submetido a uma cirurgia de bypass triplo, onde contraiu o vírus do VIH. Apesar de ser um cientista e um racionalista por natureza, o escritor não estava imune ao estigma associado à doença. Quando o seu diagnóstico foi feito, os médicos alertaram-no para o facto de que o preconceito para com a SIDA seria prejudicial para si e, quiçá, para a sua família. Para proteger os seus filhos, Asimov escolheu manter o seu estado serológico privado. Só foi conhecido muitos anos após a sua morte.

Apesar das diferenças, ainda hoje o preconceito social é um obstáculo na batalha contra o vírus. Segundo Rosário Serrão, este estigma constitui uma barreira nas várias fases do processo. Primeiramente, porque o medo do diagnóstico faz com que muitas pessoas evitem o rastreio. Depois do diagnóstico feito, este medo faz com os infetados faltem com frequência às suas primeiras consultas, que começam o processo de tratamento, e mesmo a tratamentos e análises, por medo de serem vistos ou reconhecidos num local associado ao vírus.

“A adesão ao tratamento é o mais importante”, explica Rosário. Uma vez que a supressão da carga viral é uma ferramenta fulcral no combate à expansão da doença, é cada vez mais importante quebrar as barreiras ao tratamento – não só nos doentes, mas também na população em geral, passando pela política e pelas organizações governamentais que têm o poder de liderar. “O que precisamos mesmo é informação, informação, informação”, conclui.

“Asimov era tão humanista, tão racional, tão científico, que acho que ele iria encontrar com certeza alguma forma de transmitir ao doente a importância do tratamento. Acho que ele iria dizer quase que são obrigados a fazer o tratamento, a ir às consultas, porque a esperança está aí. E é isso que tento passar aos meus doentes.”

Em 1992, o ano em que Isaac Asimov sucumbiu à doença, os tratamentos disponíveis ainda eram primitivos. Era possível diminuir a carga vírica, mas por pouco tempo, e os efeitos secundários eram devastadores para os pacientes. “Os tratamentos de alta eficácia, o tratamento retrovírico triplo, só surgiu em 1996/97. Se Asimov tivesse chegado a 1997, e tivesse tido acesso a este tratamento, certamente teria vivido mais anos”, especulou a médica.

Apesar de uma doença crónica, os tratamentos atuais para o VIH permitem, através da prática ingestão de apenas um comprimido por dia, a supressão da carga viral, com bastante tolerância por parte dos doentes e sem grandes efeitos secundários – dando aos infetados uma qualidade e esperança média de vida semelhante à da população não infetada.

O impacto da pandemia

Para muitos, 2020 foi um ano em que vivemos mais perto da ficção científica que qualquer outro. A crise da Covid-19 teve um impacto económico e social, que mudou não só o nosso dia a dia, mas obrigou também a uma enorme gestão de prioridades que impactou, também, os cuidados de saúde e, especificamente, a população infetada com VIH.

O estado de emergência e canalização de esforços para o combate à crise sanitária, diminuiu o número de rastreios feitos, nomeadamente a partir dos centros de saúde, apesar dos esforços das organizações não-governamentais ligadas a esta luta em continuarem a fornecer serviços e encaminhar os doentes.

“O número de rastreios efetuados pelos testes rápidos nos Centros de Saúde diminuiu imenso, bem como o número de diagnósticos e primeiras consultas pedidas”, conta Rosário Serrão. “Daqui para a frente, vamos ter muitos novos casos de diagnósticos por infeção por VIH, não tenho dúvidas.”

Para a profissional de saúde, é essencial voltar a falar em rastreios, tanto de VIH, como outras patologias, como por exemplo as oncológicas, e voltar a recolocar os esforços dos centros de saúde como ponto primário de acesso dos utentes: “Temos que voltar outra vez aos cuidados de saúde primários, e os cuidados de saúde primários têm que voltar a fazer o papel que faziam, e bem.”

“Eu acredito que se Asimov estivesse aqui hoje, ele continuaria a observar os fenómenos à sua volta, e iria continuar a fazer perguntas. Qual é o caminho, onde é que nos vai levar, quais são as possibilidades que vemos à frente?”, refere Carlos Silva, explicando-nos que para si, Asimov tinha este “condão”, de nos fazer refletir sobre as possibilidades e revelar o verdadeiro cerne da questão.

E se Asimov estivesse aqui hoje? Para que temas atuais e discussões traria o seu pensamento científico?

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