O primeiro-ministro considera que os problemas de fundo no acesso às vacinas contra a Covid-19, mais do que no levantamento de patentes, estão na capacidade de produção e na regulação do mercado do medicamento ao nível mundial.

O problema crucial centra-se na capacidade de produção. E há um problema de fundo relacionado com a regulação do mercado do medicamento e de os Estados terem de se organizar a nível global para encontrarem outras formas com a indústria farmacêutica de financiar a investigação”, defende António Costa em entrevista à Lusa.

Uma entrevista em que também se manifesta otimista em relação aos resultados da cimeira de sábado, no Porto, entre a União Europeia e a Índia — país que tem sido prioridade na política externa portuguesa desde que a visita de Estado realizada por António Costa em janeiro de 2017.

Confrontado com a proposta de um movimento internacional liderado pela Índia e pela África do Sul a favor da libertação das patentes das vacinas contra a Covid-19, o líder do executivo português admite esse debate.

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No entanto, o primeiro-ministro de Portugal, país que preside ao Conselho da União Europeia (UE) até final de junho, diz que o problema da Índia e de outros países “não está precisamente na detenção ou não detenção da patente, mas na capacidade de todos aumentarem à escala global a capacidade de produção”.

A suspensão das patentes pode mesmo resolver a falta de vacinas? E é legal?

“Há um problema de fundo com a indústria farmacêutica, que é uma das poucas onde o financiamento da investigação fundamental é assegurado predominantemente por financiamento privado. Tem sido assim na indústria farmacêutica ao longo dos anos e, portanto, essa remuneração dos custos da investigação é depois feita ‘a posteriori’ no pagamento do preço” do medicamento ou da vacina, aponta António Costa.

Na perspetiva do primeiro-ministro, esta situação “cria um problema muito complexo à escala global”.

Sendo brutal a disparidade de rendimentos entre os países, o custo de um medicamento que é acessível, para nós, na Europa, pode ser absolutamente insuportável em outros países, com níveis de rendimento muitíssimo inferiores aos nossos”, afirma.

Em relação ao problema gerado pelo combate à pandemia, o primeiro-ministro aponta que “a questão concreta se centra fundamentalmente num problema de capacidade de oferta”.

“No caso da Covid-19, pela primeira vez, creio, foi necessário à escala global assegurar o fornecimento do mesmo bem a toda a humanidade. Se disséssemos agora que toda humanidade tinha que ter meias roxas, se calhar não haveria capacidade de produção a essa escala global”, exemplifica.

Neste mesmo contexto, António Costa salienta que “a única região que mantém aberta a porta” para a exportação de vacinas contra a Covid-19 “é a União Europeia”.

“Agora, parece que o Reino Unido começou a exportar, mas os Estados Unidos não exportaram”, assinala.

Perante a atual situação pandémica, o primeiro-ministro admite um problema em consequência de a Índia deixar de exportar vacinas, defende que esta e outras circunstâncias devem servir de lição para a UE, que não deve estar tão dependente de fornecedores externos, e destaca uma proposta apresentada pelo presidente do Conselho Europeu, Charles Michel.

Precisamos de um tratado internacional sobre pandemias. Um tratado que regule a forma da comunidade internacional se preparar de uma forma organizada para enfrentar pandemias. É preciso reorganizar o mundo à escala global para responder a situações desta realidade, que foi nova, tem sido dura, mas que ao mesmo tempo sirva para tirar as lições devidas”, sustenta.

No que respeita às suas perspetivas para a cimeira UE-Índia, no sábado, António Costa refere que, após a sua última visita a Nova Deli, em dezembro de 2019, a UE e este país retomaram os contactos e alcançou-se um acordo para a realização desta cimeira durante a presidência portuguesa.

“Foi um passo importante, porque se desbloquearam relações que se encontravam congeladas há anos. Agora, a esperança que tenho e o objetivo que assumimos é que desta cimeira saia um compromisso no sentido de se relançar a negociação de um conjunto de acordos”, afirma.

O primeiro-ministro adianta depois que se pretende um “comprometimento com a reabertura das negociações para haver acordos sobre as origens geográficas, sobre a proteção de investimentos e um acordo comercial”.

Depois, esperamos um entendimento sobre um conjunto de parcerias que se devem estabelecer entre a União Europeia e a Índia em áreas fundamentais para o futuro — no digital, na área farmacêutica, na área espacial —, onde podemos e devemos trabalhar em conjunto”, especifica.

Questionado sobre se estes objetivos poderão ser prejudicados pelo facto de o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, participar na cimeira por videoconferência, António Costa admite que a presença física “ajuda sempre em relação às conversações à distância”.

“Contudo, todos os contactos que têm vindo a ser estabelecidos têm corrido bem e vão todos no bom sentido. Em vídeo, o ministro dos Estrangeiros da União Indiana enviou uma carta muito positiva à União Europeia. Portanto, acho que estão criadas as condições para, mesmo à distância virtual, podermos ter bons resultados nesta cimeira”, acrescenta.