No piso 3 do Estádio José Alvalade, há adeptos que passam o dia debaixo das bancadas do recinto. O centro de dia Leões de Portugal existe no interior do estádio, mesmo ali ao lado das claques. “Quando o Sporting joga ouvimos o Botas [o speaker do clube] e as claques. Nem precisamos de ver a televisão para saber que é golo”, conta Daniela Reis, assistente social, responsável pela preparação da festa do título.

Foi neste espaço que os sportinguistas de longa data viram a equipa de Rúben Amorim chegar ao título, jogo a jogo. Uma filosofia que rapidamente passou para os utentes que, mesmo com o campeonato garantido esta terça-feira, vão deixar as celebrações para o último jogo da época, frente ao Marítimo. “Vamos ter uma festa verde e branca, com a segurança toda, mas queremos estar aqui e ver o último jogo juntos”.

[Ouça aqui a Reportagem Observador no Centro de Dia do Sporting]

A Dona Rosa só sabe dos golos do Sporting pela chamada da amiga, mas quer deixar um obrigado a Amorim

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Desde 2004, que os Leões de Portugal têm as portas abertas para receber sportinguistas e “viver o Sporting em pleno”, como se pode ler no site. Helena Dias Ferreira é presidente da Associação de Solidariedade Sportinguista e diz que para se ser admitido “é essencial gostar-se do clube, porque senão não se vão sentir bem.” No centro tudo é verde e branco, os sofás, as cadeiras, as vitrines com camisolas, cachecóis e medalhas, e claro, a grande atração: um cachecol, em croché, com 456 metros de comprimento, tricotado pelos utentes e familiares ao longo de quase dois anos. A peça já foi apresentada aos restantes adeptos, em 2017, quando, no Estádio de Alvalade as centenas de metros de malha verde e branca foram estendidas pelas bancadas num jogo frente ao Belenenses. Agora, está em destaque na sala principal, enrolado a fazer parecer um grande boneco de neve, enquanto não chega a hora de ir para o Museu do Sporting.

Utentes dos Leões de Portugal numa das muitas actividades

Helena Dias Ferreira é do Sporting desde que se lembra, começou na ginástica e o gosto pelo futebol “foi crescendo depois”. Uma paixão que está marcada na família. O filho mais velho nasceu a 19 de maio de 1974, nesse mesmo dia o Sporting conquistava o 14º. Campeonato Nacional num jogo frente ao Barreirense, que os leões venceram por 3-0. A festa na família dividiu-se entre o nascimento e a conquista. “Não vi o meu sogro nesse dia, porque o filho convenceu-o e foram ao Barreiro, à bola, festejar. E ele nem era muito de ir ao futebol, mas foi à festa. E esse campeonato ficou marcado, o de 74, foi nosso”.

Já sobre o título deste ano, admite que foi sendo falado em surdina nos corredores do centro de dia. “Na direção, cada vez que reuníamos, falávamos disso. E começámos a ver que isto caminhava para um sítio bom, mas sempre discretos, podia dar azar”, confessa. Já o local da festa esteve sempre escolhido: a praça Marquês de Pombal, em Lisboa, que nas últimas vezes, “por empréstimo”, tem-se enchido de vermelho e branco. “O leão do Marquês é leão, faz todo o sentido os nossos adeptos irem lá. É nosso, e fomos os primeiros lá”.

Enquanto nos guia pelos corredores do centro de dia, a diretora deixa elogios ao treinador Rúben Amorim, “que se soube adaptar muito bem à equipa”, e elege o jogo em Braga como o momento mais difícil da época. E é com o campeonato na mão, e os olhos a brilhar, que Helena pensa já noutros objetivos: quer manter a invencibilidade no campeonato, a começar já pelo jogo deste sábado frente ao Benfica. “Entrar na Luz campeã e não perder o jogo, seria uma maravilha”.

Do jornal do Sporting, no Rio de Janeiro, aos festejos do futsal “na televisão grande”

José Alvarez é o sócio nº 244 do Sporting e um dos fundadores dos Leões de Portugal. Recebe-nos na biblioteca do centro de dia, na sexta-feira, dia 7, numa altura em que campeonato dificilmente escapava aos leões. Ainda assim, garante que a festa só mesmo depois de ter a taça na mão. “Só quando tivermos a certeza é que posso festejar, se o Sporting ganhar na terça-feira, vou almoçar com os meus sobrinhos à Costa da Caparica, fazemos a festa e vamos até à praia.”

Com uma vida dedicada ao clube, foi logo aos 17 anos, em 1949, que se tornou sócio. É com orgulho que nos conta as histórias de uma vida a verde e branco, e para nada falhar, anda sempre acompanhado do que diz ser o “currículo sportinguista”, uma folha A4 com a descrição completa do que já deu e recebeu em Alvalade. É lá que se pode ler que, durante 44 anos, colaborou com o jornal “Sporting”, a princípio sem receber nada até o “obrigarem a aceitar dinheiro”. Regressa a 1982 para relatar a cobertura do Congresso Leonino, no Rio de Janeiro, onde ia até ao aeroporto para enviar os textos que escrevia. “Levavam um envelope com o meu trabalho e alguém do Sporting ia, depois, buscar o meu artigo, é uma satisfação saber que trabalhei neste clube”.

Se antes era no terreno que acompanhava o Sporting, agora é na televisão de casa que celebra as conquistas. Foi assim que na semana passada viu o capitão da equipa de futsal leonina João Matos erguer a taça da Liga dos Campeões, primeiro na Croácia e depois em Lisboa. “Tenho três televisões em casa, mas é na grande que vejo melhor os jogos”. E foi lá que, sem preferidos, porque “gosto de todos os jogadores”, viu a equipa de futebol voltar aos títulos nacionais 19 anos depois.

As amigas que sofrem juntas e já têm um código quando o Sporting joga

Rosa Ferreira e Laura Horta são amigas e utentes deste centro de dia. Falámos com as duas através do telefone, já que a pandemia ainda não as deixou regressar ao Piso 3 de Alvalade.

A “Dona Rosa” é conhecida no centro como “a enciclopédia do Sporting”. Lembra-se bem de como, por acaso, aos 10 anos de idade foi assistir a um jogo “sem saber o que era a bola” e não mais largou os leões. É também por essa memória irrepreensível que os últimos 19 anos sem ganhar campeonatos não a fizeram tremer. “Já vivi muita coisa boa no Sporting, muitas vitórias, costumo dizer que não sou sportinguista de coração, porque esse morre. Sou sportinguista de alma, porque é eterna”.

Este ano, Rosa admite que foi “sofrer, sofrer até ao fim”, mas a crença “desde o início” que este ano seria diferente levaram-na, aos 85 anos, a fazer o que nunca tinha feito: festejar um golo do Benfica, no clássico, frente ao FC Porto. “E ainda por cima foi anulado, foi a primeira vez e a última”, garante.

Já os golos do Sporting festeja sempre uns minutos depois. Rosa Ferreira não vê os jogos nem acompanha o relato na rádio, é a amiga Laura Horta que ao longo da época a foi mantendo a par dos resultados com um código combinado entre as duas, quando o Sporting marca o telefone toca duas vezes, e aí, Rosa respira de alívio.

Laura Horta, 68 anos, tem um ritual diferente. Nos minutos finais de cada jogo, sozinha em casa, vai até à janela e “acende um cigarrinho”. Sportinguista pela mão do pai, pede aos jogadores que vivam a camisola como o seu mentor. “O meu pai morreu aos 80 anos, tinha Alzheimer, mas quando lhe perguntavam: ‘Senhor Horta ainda é do Sporting?’. Ele dizia sempre: ‘Até morrer’. E é assim que tem de ser”.

Laura Horta, 68 anos, é sportinguista desde criança, quando começou a ir com o pai aos jogos do clube

Leões de Portugal

O décimo nono e um “obrigada”

No final, e com a taça de campeão de regresso a Alvalade, o sentimento de gratidão para com quem os fez acreditar é comum. Laura Horta pede que para “quem vir os jogadores ou o Rúben Amorim lhe dê um abraço”. Também José Alvarez diz que se pudesse “estava no estádio, no balneário com os jogadores”, dava os parabéns a cada um e ao treinador “agradecia o bom trabalho que tem feito”. Já Rosa Ferreira, viu “os miúdos” darem-lhe a conquista do 19º. Campeonato Nacional, algo que já não pensava possível: “O que é que havia de fazer mais? Só podia agradecer, porque julgava que já não tornava a ver o Sporting campeão”.

Nos Leões de Portugal, a festa do título está marcada para o dia 19 de maio e para a próxima época já há uma visita prometida: à Academia de Alcochete para “verem o futuros dos leões”.