Os anticorpos monoclonais foram apontados como um dos mais promissores tratamentos contra a Covid-19, mas o seu uso não está tão disseminado como se poderia prever. Depois da autorização para uso de emergência por parte do regulador americano, FDA (Food and Drug Administration), o governo norte-americano comprou mais de 530 mil doses, distribuiu mais de metade, mas os hospitais não aderiram à terapia como se esperava e o surgimento de novas variantes veio dificultar o processo.

Este tipo de tratamento, especificamente contra a Covid-19, tornou-se mais conhecido quando foi promovido por Donald Trump como uma “cura”. O antigo Presidente dos Estados Unidos recebeu este tipo de tratamento mesmo antes de ser aprovado pela FDA e é aos anticorpos monoclonai que atribui a sua recuperação.

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Existem mais de 50 ensaios com anticorpos monoclonais contra o SARS-CoV-2 a decorrer em todo o mundo. Estes anticorpos têm como alvo específico uma parte do vírus, que pode estar na proteína spike (a que serve de chave para o vírus entra nas células humanas) ou noutra região, impedindo o vírus de infetar as células. Uma vez identificado um anticorpo que seja eficaz a travar o vírus, este é multiplicado (clonado) em laboratório. Os ensaios têm sido feitos não só com doentes, mas também como forma de prevenção para as pessoas que não podem tomar as vacinas ou dentro de um agregado familiar onde há um infetado.

Cocktail de anticorpos pode ajudar na prevenção das infeções dentro de casa

O problema é que as novas variantes do coronavírus apresentam modificações nas proteínas que são alvos potenciais dos anticorpos monoclonais, fazendo com que o tratamento deixe de funcionar. É mais ou menos como ter os pés um pouco inchados, mas já não conseguir calçar os sapatos — os pés não se modificaram assim tanto, mas o suficiente para os sapatos não cumprirem a sua função.

Foi por isso que, a 16 de abril, a FDA revogou a autorização do uso de emergência a um dos anticorpos monoclonais, que era usado isoladamente — o bamlanivimab —, e agora só tem autorizações dadas a cocktails que juntam dois anticorpos diferentes. A resistência das novas variantes do SARS-CoV-2 ao bamlanivimab cresceu de 5% em meados de janeiro para 20% dois meses depois. Enquanto a variante britânica B.1.1.7 ainda parece suscetível a este anticorpo monoclonal, as variantes com a mutação E484K (como a sul-africana B.1.351 e brasileira P.1.) e a variante californiana (CAL.20C) parecem ser resistentes, segundo dados dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH) norte-americanos.

As dificuldades na administração do tratamento

O tratamento com anticorpos monoclonais está aconselhado para pessoas com sintomas leves ou moderados, que têm risco de desenvolver doença grave — como pessoas com mais de 65 anos, obesos, diabéticos, etc. — e deve ser usado até 10 dias depois do início dos sintomas. Nunca em doentes graves ou a receber oxigénio, alertam os NIH. O objetivo é que o tratamento antecipe a resposta dos anticorpos da própria pessoa — que começa ao fim de cerca de 10 dias — evitando que a infeção se instale e agrave nesse período. Nos casos graves, a infeção está instalada e não é conhecido qualquer benefício do tratamento.

Curto espaço de tempo para ser aplicado

O primeiro problema que enfrenta este tipo de tratamento está, precisamente, no momento em que deve ser aplicado: a janela de 10 dias. Com os hospitais assoberbados, como aconteceu entre o início de dezembro e o final de janeiro nos Estados Unidos — mais de 100 mil pessoas internadas —, havia menos tempo para trabalhar na prevenção desses mesmos internamentos. Era preciso identificar as pessoas que podiam fazer este tipo de tratamento e conseguir chamá-las antes de passarem os 10 dias desde o início dos sintomas. Os atrasos nos testes e na comunicação de resultados entre os centros de testagem e os hospitais tornava esta tarefa muito difícil, como reportou o jornal The New York Times no final de dezembro.

A desconfiança de médicos e utentes

Entre os americanos e os seus médicos assistentes existia também um sentimento de escassez de recursos, como se este tipo de tratamentos fosse só para as pessoas com os melhores contactos e inacessíveis ao cidadão comum, reportou o jornal. Ou até uma desconfiança entre utentes e médicos porque os dados dos ensaios clínicos eram ainda preliminares ou ainda pouco robustos.

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Administração prolongada e diretamente na corrente sanguínea

A administração do tratamento é outra das dificuldades associadas ao reduzido número de pessoas tratadas. O tratamento é dado numa única dose, mas tem de ser intravenoso (diretamente na veia como o soro fisiológico), num processo que demora duas horas (mais uma de recobro) e tem de ser vigiado para se detetarem eventuais reações adversas. Isso faz com que o tratamento tenha de ser aplicado em condições de monitorização específicas, nos hospitais, mas afastando os doentes com Covid-19 de outros doentes que também estejam a receber infusões, como os doentes sujeitos a quimioterapia.

Estas limitações fazem com que haja poucos locais onde o medicamento possa ser administrados e que os doentes já debilitados, sem transporte ou com outras limitações tenham dificuldade em aceder aos cuidados de saúde. Além disso, muitos dos profissionais de saúde e recursos logísticos têm sido alocados à administração das vacinas contra a Covid-19 e não a este tipo de tratamentos.

Devido a estas limitações, o médico e professor de doenças infecciosas Carlos del Rio defende que se estudem alternativas à administração: por via subcutânea (por baixo da pele) ou intramuscular (diretamente no músculo, como as vacinas), e que pudesse ser dada em clínicas ou farmácias e não só nos hospitais, conforme o artigo de opinião que publicou na Scientific American.