O ex-presidente da África do Sul Jacob Zuma e a companhia de armamento francesa Thales declararam-se esta quarta-feira inocentes das acusações de fraude, extorsão, corrupção, evasão fiscal e lavagem de dinheiro, num tribunal sul-africano.
O julgamento começou esta quarta-feira na capital da província do KwaZulu-Natal, litoral do país, após vários recursos do antigo presidente sul-africano, e refere-se a um caso de corrupção pública de aquisição de armamento com mais de 20 anos e que envolve o grupo francês Thales.
O procurador do Ministério Público (NPA, na sigla em inglês), o advogado Billy Downer, referiu que o Estado “não seria capaz” de responder esta quarta-feira em tribunal, ao apelo especial apresentado pela defesa de Jacob Zuma, considerando “volumoso” o fundamento de mais de 1.000 páginas.
A defesa do antigo chefe de Estado sul-africano concordou que o Ministério Público deveria ter “tempo” para apresentar declarações de resposta ao apelo especial apresentado por Jacob Zuma e, por isso, será ouvido em 19 de julho de 2021, anunciou hoje o juiz Piet Koen, adiando o caso.
Jacob Zuma solicitou a remoção do caso do advogado Billy Downer, procurador do Ministério Público, questionando a “imparcialidade” e “independência” do advogado do Estado sul-africano.
Ao regressar esta quarta-feira ao banco dos réus no tribunal superior de Pietermaritzburg, Jacob Zuma, representado pelo advogado Dali Mpofu, insistiu ainda que houve “interferência política” no caso de corrupção de que é acusado.
Na sua intervenção, o Ministério Público sul-africano disse que “não parece haver urgência” da parte do ex-presidente em finalizar o seu caso de corrupção que se arrasta há 20 anos na justiça sul-africana.
O NPA disse que está apto a prosseguir com o julgamento, que viu Zuma e a companhia de armamento francesa Thales enfrentar uma série de acusações criminais decorrentes da aquisição de armamento na década de 1990 pelo Governo do Congresso Nacional Africano (ANC, na sigla em inglês), no poder desde 1994 na África do Sul.
Todavia, o Ministério Público sul-africano manifestou quarta-feira preocupação com a possibilidade de novos atrasos no julgamento do caso devido à recente tentativa de Zuma em forçar a saída do procurador Billy Downer do julgamento do caso. Na sua intervenção, o advogado do ministério Público apresentou também hoje 18 acusações, complementando a principal acusação de corrupção contra o antigo chefe de Estado sul-africano.
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De acordo com a acusação do NPA, a que a Lusa teve acesso, o ex-oresidente Jacob Zuma recebeu 791 transações financeiras entre 25 de outubro de 1995 e 7 de junho de 2004, totalizando 4.121.604.88 rands (242.940 mil euros).
Os pagamentos foram efetuados por Schabir Shaik, associado de Zuma, que integrou a direção de empresas do grupo de armamento francês Thales, criadas, em 1996, na África do Sul, segundo o documento do Ministério Público sul-africano, consultado pela Lusa.
Schabir Shaik era também acionista das empresas do grupo francês na África do Sul – Thomson Holdings e Thomson, esta última liquidada em outubro de 2013, através do seu grupo de investimentos Nkobi, onde o Congresso Nacional Africano (ANC, na sigla em inglês), o partido no poder, detém alegadamente 10% do capital de uma das empresas, refere a acusação do NPA.
O caso de alegada corrupção na aquisição de armamento pelo Estado sul-africano foi o maior escândalo de corrupção pública nos primeiros cinco anos de democracia na África do Sul, após o escândalo de corrupção em torno da peça teatral Sarafina, em 1996, no mandato do ex-presidente Nelson Mandela.
Vários líderes do ANC associados à “ala” de Jacob Zuma no partido no poder, acompanhados por membros da Associação dos Antigos Combatentes ‘Umkhonto we Sizwe’ (MKMVA, na sigla em inglês), antigo braço armado do ANC, comparecerem hoje no tribunal em Pietermaritzburg, para manifestar publicamente o seu apoio ao antigo chefe de Estado.
Os membros do MKMVA, em camuflado militar, aparentemente desarmados, acompanharam os líderes do partido ANC até ao tribunal, marchando depois com centenas de simpatizantes, oriundos de várias províncias do país, congregados na “Praça da Liberdade“, junto ao tribunal sul-africano, sem observar o uso de máscara e o distanciamento social, exigidos para combater a terceira vaga da pandemia de Covid-19 que afeta o país.
Na terça-feira, a secretária-geral adjunta do ANC, Jessie Duarte, disse, em conferência de imprensa, que o partido no poder, que enfrenta vários escândalos de corrupção pública, condenou o comportamento “divisivo e desafiador” do secretário-geral suspenso, Ace Magashule, Tony Yengeni, membro da direção do partido, e do porta-voz dos antigos combatentes do ANC, Carl Niehaus, pelo seu apoio ao antigo chefe de Estado, estando a considerar “uma ação disciplinar“.
No poder entre 2009 e 2018, Zuma foi forçado a demitir-se após uma série de escândalos. O seu sucessor e atual chefe de Estado sul-africano, Cyril Ramaphosa, prometeu erradicar a corrupção no país.