O cargo é partilhado com a Irlanda e encarado como uma distinção do trabalho da Direção-Geral de Alimentação e Veterinária. Susana Guedes Pombo, a diretora da DGAV, foi nomeada esta segunda-feira para representar a União Europeia, ao longo dos próximos três anos, na plataforma regional para o bem-estar animal na Organização Mundial de Saúde Animal. Entre as várias áreas de atuação, Susana Guedes Pombo terá sob responsabilidade a área dos animais de companhia e errantes, em consonância com o que acontecia até ao momento com a DGAV em Portugal. O problema é que com a promulgação desta sexta-feira de Marcelo Rebelo de Sousa, da nova lei orgânica do ICNF, aprovada em março pelo Conselho de Ministros, Susana Guedes Pombo ficará como responsável internacional de algo que desde esta sexta-feira não tutela no país onde exerce funções. Marcelo promulgou, mas com reservas exatamente no ponto da saúde animal.
Escreve Marcelo Rebelo de Sousa que o diploma “suscita dúvidas nomeadamente a da separação do bem-estar animal da respetiva saúde, a do exercício das funções da autoridade sanitária nacional, a da representação na União Europeia, que supõe a concentração numa entidade“, em consonância com aquilo que a Ordem dos Médicos Veterinários e especialistas na área alertaram depois de as alterações aos ministérios terem sido anunciadas pelo Governo. Marcelo, que teve o diploma em mãos durante dois meses, justifica a promulgação com “a manifesta urgência das alterações relativas às florestas e à prevenção dos riscos e gestão de incêndios florestais”.
Ainda antes da esperada promulgação de Marcelo, o ministério da Agricultura publicou uma nota no Facebook a dar conta da formalização da nomeação de Susana Pombo para o Conselho Diretivo da plataforma do bem-estar animal da OIE para a Europa, nos próximos três anos. A publicação tem uma breve declaração de Susana Pombo, em jeito de recado ao Governo, quando afirma que considera que a nomeação de Portugal “representa um modelo bem-sucedido, não só para a região europeia, mas também para toda a OIE e para a comunidade veterinária em geral”. Na realidade, Governo parece não concordar com a diretora da DGAV e já decidiu mesmo deixar a responsável a nível internacional sem essa pasta em território nacional.
Mas o que está exatamente em causa e levantou dúvidas ao Presidente da República? A tutela dos animais de companhia e errantes (abandonados, sem dono) até aqui sob responsabilidade da DGAV, no ministério da Agricultura, passou para a alçada do ministério do Ambiente e Ação Climática, dividindo a área da saúde animal entre a DGAV, do ministério da Agricultura (nos animais de produção) e o ICNF, do ministério do Ambiente e da Ação Climática (no caso dos cães, gatos e furões).
Governo cria Provedor do Animal e medidas para proteger animais de companhia
A decisão está longe de ser consensual e foi já amplamente criticada, com o bastonário da Ordem dos Médicos Veterinários a falar de um “erro histórico”. Jorge Cid alertou para o facto de o Governo ter “ignorado a opinião de técnicos especialistas nacionais e internacionais” que, afirma, “consideraram que a saúde das populações e dos próprios animais pode ficar em risco”. Os veterinários alertam ainda para a possibilidade de “ressurgirem em Portugal doenças já erradicadas, como a raiva”, isto numa altura em que o mundo foi afetado por uma pandemia que, ao que tudo indica, teve origem numa zoonose.
Até aqui a DGAV, que tinha a tutela do bem-estar dos animais (de companhia e produção), respondia internacionalmente à Organização Mundial de Saúde Animal, através da diretora, Susana Guedes Pombo, algo que passará a ser repartido por dois ministérios, o do Ambiente e Ação Climática (que terá a área dos animais de companhia) e da Agricultura (que manterá a área dos animais de produção), considerando os veterinários que tal divisão gerará uma duplicação desnecessária, já que exigirá articulação entre dois ministérios distintos, quer a nível nacional quer na articulação com entidades internacionais.
Já depois da aprovação em Conselho de Ministros das alterações à lei orgânica do ICNF e da criação da figura do Provedor do Animal, Marcelo chamou a Ordem dos Médicos Veterinários, para uma audiência. Marcelo Rebelo de Sousa teve o diploma na secretária em Belém mais de dois meses e acaba por promulgá-lo com reparos. Marcelo fala na divisão em duas entidades das questões da saúde animal, e da separação do bem-estar animal da saúde, mas promulga as alterações “dada a manifesta urgência das alterações relativas às florestas e à prevenção dos riscos e gestão de incêndios florestais”.
Nota da promulgação
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Apesar de o presente diploma suscitar dúvidas, nomeadamente a da separação do bem-estar animal da respetiva saúde, a do exercício das funções da autoridade sanitária nacional, a da representação na União Europeia, que supõe a concentração numa entidade, considerando tratar-se de matéria de organização interna do Governo, e dada a manifesta urgência das alterações relativas à florestas e à prevenção dos riscos e gestão de incêndios florestais, o Presidente da República promulgou o diploma que transfere do Ministério da Agricultura para o Ministério do Ambiente a responsabilidade pelo bem-estar dos animais de companhia, dos centros de recolha e dos animais errantes, e que altera as orgânicas da Agência para a Gestão Integrada de Fogos Florestais, do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas e a Autoridade Nacional de Emergência Civil.
Marcelo Rebelo de Sousa
Legislação sobre animais de companhia na União Europeia em revisão
Depois da entrada em vigor da nova lei da Saúde Animal da União Europeia, no final de 2020, foram criados grupos de trabalho que, em parte, versam também a área dos animais de companhia. O Observador sabe que uma das áreas atualmente em debate e que deverá conhecer um desfecho dentro em breve é a da harmonização da legislação na União Europeia sobre animais de companhia.
Em Portugal, aquilo que está previsto no documento validado em Conselho de Ministros é que passando o ICNF a “propor e executar políticas integradas de ordenamento e gestão do território” e a “executar e a avaliar políticas de bem-estar, detenção, criação, comércio e controlo de animais de companhia” este deverá ouvir “a autoridade sanitária veterinária nacional no âmbito das suas competências e salvaguardadas as orientações desta autoridade em matéria de saúde animal”, isto é, algo que atualmente acontece diretamente por intervenção da DGAV, passará a ficar na dependência de outro organismo, que é tutelado por um ministério diferente.