O Matteo Salvini que este domingo discursa no Congresso Chega tem pouco a ver com o líder da extrema-direita italiana de 2018 em que o seu partido Liga tinha o voto de 37% dos italianos e era a força política maioritária em Itália. Além do sucesso, o então ministro do Interior e número dois do Governo de Giuseppe Conte (cargo que ocupou até setembro de 2019) era considerado, ao lado de Marine Le Pen, como o líder da extrema-direita europeia e o exemplo a seguir pelos restantes partidos populistas.
Mas a sede de poder de Salvini — que em 2019 rompe com o Governo de Conte e do Movimento 5 Estrelas na tentativa de conseguir dominar a política italiana — custou-lhe caro. Conte aguentou-se, com o apoio do Partido Democrático, dando origem a um novo governo, e Salvini acabou relegado para a oposição, embora tenha continuado a apresentar-se como um farol para o resto da extrema-direita europeia, mantendo a sua agenda anti-imigração e anti-União Europeia.
O apoio a Draghi e a mudança promovida pela bazuca europeia
Com a crise política, no início deste ano, que levou à demissão de Giuseppe Conte e à ascensão do governo tecnocrata de Mario Draghi, Salvini viu-se novamente numa situação complicada, acabando por juntar-se a uma vasta coligação, da esquerda à direita, para apoiar o executivo do antigo presidente do Banco Central Europeu (BCE).
Num contexto de crise económica, agravada pelo impacto da pandemia de Covid-19, Salvini, o outrora eurocético, acabou por converter-se num europeísta — uma mudança inevitável, tendo em conta o dinheiro da “bazuca” que irá chegar nos próximos meses e que será fundamental não só no imediato, mas também para futuros ganhos políticos de todos os partidos que apoiam Draghi.
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Conforme dizia ao Observador, num balanço do primeiro mês de governo do ex-presidente do BCE, o professor de Ciência Política da Universidade de Perugia Francesco Clementi, “os eleitores da Liga preferem ficar sob Mario Draghi com dinheiro, do que sem Draghi e sem dinheiro”. Por isso, concluía o politólogo, “Salvini agora está bastante próximo da posição da União Europeia enquanto instrumento para relançar a economia italiana”.
A luta pela hegemonia na extrema-direita italiana
Esta posição de Salvini em relação à União Europeia tem em mente as próximas legislativas italianas, que se poderão realizar no próximo ano ou em 2023. O facto de Mario Draghi estar dependente de tantos partidos, ideologicamente muito diferentes, torna o futuro desta solução de governo muito instável e imprevisível.
Salvini tem isso em mente, mas o apoio a Draghi também lhe pode custar caro, numa altura em que outro partido de extrema-direita, os Irmãos de Itália, está em ascensão — ao contrário da Liga, em queda — e ameaça tornar-se no partido com mais intenções de voto em Itália.
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De acordo com as últimas sondagens, compiladas pelo Politico, a Liga de Salvini é o partido com mais intenções de voto, atualmente na casa dos 22%, muito longe dos 37% que conseguiu nas eleições de 2018 ou dos 34% que o partido conseguiu nas europeias do ano seguinte. Quanto ao Irmãos de Itália está nos 19%, quando no passado teve 6%.
Ainda mais extremista do que a Liga de Salvini — com ligações à CasaPound, um partido e movimento neofascista, e tendo como lema “Deus, Pátria e Família” —, o Irmãos de Itália, liderado por Giorgia Meloni, não apoiou o governo de Mario Draghi, o que tornou o partido na principal força da oposição. O objetivo de Meloni é ultrapassar Salvini e ser a principal força política à direita em Itália, o que, no futuro, poderá levar o Irmãos de Itália a chefiar um executivo, com a Liga e o Força Itália, de Silvio Berlusconi (que nas sondagens tem 7%).
Salvini a andar na “corda bamba”
A oposição dos Irmãos de Itália ao Governo de Draghi poderá, por isso, levar Salvini a ter de mudar de posição em breve, sob pena de se ver ultrapassado pela sua nova rival na disputa pela liderança da extrema-direita.
“Salvini está a tentar andar na corda bamba e isso é muito complicado”, disse à Reuters Massimiliano Panarari, politólogo da Universidade Mercatorum, especializado em comunicação e estratégia política. “Com Meloni, Salvini enfrenta um problema clássico do populismo e do extremismo político. Há sempre alguém que é mais extremista à direita ou à esquerda, ou que é mais populista”, sublinha o politólogo.
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Enquanto enfrenta a incerteza na política interna, correndo o risco de não só deixar de ser o partido mais votado, como também perder a posição de principal partido de direita, Salvini tenta apresentar-se, juntamente com Marine Le Pen, como a principal figura da extrema-direita europeia. E é isso que Salvini tentará mostrar no congresso do Chega sob o olhar atento do seu admirador André Ventura.