É uma expressão que os portugueses já tinham, porventura, esquecido, ou, simplesmente, guardado no baú das memórias traumáticas. Desde maio de 2015, um ano após a “saída limpa” do resgate da Troika, as “reformas estruturais” estiveram ausentes das recomendações que habitualmente Bruxelas faz sobre as contas públicas do país, durante a primavera. Seis anos depois, no entanto, a expressão está de volta a este relatório, com enquadramento específico. Estão em causa “reformas estruturais de natureza orçamental”, que a Comissão Europeia sugere a vários estados-membros.

Bruxelas considera serem uma condição “fundamental para melhorar o controlo da despesa e a eficiência nos custos, fortalecer a sustentabilidade e a resiliência do Serviço Nacional de Saúde e enfrentar as fragilidades nas empresas públicas”. Defende, por isso, que haja um “ímpeto renovado” nesta matéria.

A recomendação ao Governo português consta do relatório da Comissão sobre Portugal, no âmbito do chamado pacote da primavera, em que o executivo europeu dá orientações específicas de política económica a cada um dos estados-membros.

Com estas reformas, a Comissão considera que Portugal teria “melhores condições de enquadramento” para “maximizar os impactos positivos do pacote Next Generation” da União Europeia, do qual sobressai a “bazuca” de fundos europeus para a recuperação dos estados-europeus no pós-pandemia. Portugal tem acesso, por esta via, a 13,9 mil milhões em subvenções a fundo perdido, a que se somam 2,7 mil milhões de euros em empréstimos.

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A Comissão lamenta, nomeadamente, que a lei de enquadramento orçamental, de 2015, tenha conhecido “sistemáticos atrasos”, porque permitiria “melhorar o planeamento e a monitorização do orçamento, através de um foco mais forte no médio-longo prazo e melhorar a transparência”.

Ao mesmo tempo, Bruxelas entende que deve haver uma atualização significativa dos sistemas de informação para gestão das finanças públicas e a adesão ao novo Sistema de Normalização Contabilística para as Administrações Públicas, que devem entrar em vigor de forma gradual. São, para o executivo europeu, elementos-chave para fortalecer “o controlo da despesa e a eficiência nos custos”.

Esta questão da lei de enquadramento orçamental tem sido alvo de sucessivos alertas do Conselho das Finanças Públicas, que, no ano passado, lamentava os atrasos nesta matéria.

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O aviso é feito depois de, em março, a Comissão ter pedido a todos os estados-membros que dessem “prioridade a reformas estruturais de natureza orçamental. Agora, o executivo europeu reitera que seria importante que os estados-membros com elevados rácios de dívida pública prossigam “políticas orçamentais prudentes” e esclarece que Portugal é um desses casos. Os relatórios sobre vários outros estados-membros têm recomendações semelhantes.

Em todo o caso, Bruxelas também insiste que a política orçamental deve manter-se “ágil” e ajustada à evolução da situação, “evitando a retirada prematura dos apoios orçamentais”.

Apesar de notar que o défice português do ano passado, de 5,7%, “superou claramente a meta de 7,3% definida no Orçamento do Estado para 2021”, a Comissão reconhece o forte impacto que a pandemia teve nas contas públicas e alerta que há desafios pela frente. É que, constata o executivo europeu, “os passivos contingentes públicos estão a acumular-se”. Estão em causa as garantias dadas pelo Estado em empréstimos concedidos a empresas durante a pandemia, para ajudar a mitigar a crise.

De igual forma, esta terça-feira, a OCDE avisou, em declarações ao Observador, que se a recuperação económica nos setores da hotelaria e dos transportes for lenta, “a execução das garantias do Estado sobre os empréstimos pode ser elevada“.

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As preocupações orçamentais voltam “a médio prazo”

Tal como em 2021, as regras orçamentais que guiam e condicionam a ação dos governos europeus vão manter-se suspensas em 2022, tal como se esperava. A Comissão Europeia sinaliza que a preocupação com as metas para o défice vai regressar apenas em 2023.

Em conferência de imprensa, o comissário europeu para os assuntos económicos, Paolo Gentiloni, insistiu que é necessário manter os apoios enquanto durar a crise, mas que, em simultâneo, os estados-membros devem começar a ter “prudência orçamental”.

Confrontado com estas posições, que Gentiloni reconhece serem “aparentemente contraditórias”, o comissário esclarece que a chave está no calendário. “Repetimos o mantra de não haver retirada prematura dos apoios, mas, ao mesmo tempo, sabemos que a médio prazo temos de alterar esta orientação”, explicou o comissário na conferência em que esteve acompanhado pelo vice-presidente da Comissão, Valdis Dombrovskis.

Importante ainda será a forma “gradual e coordenada” como deverá ser feita a transição. “A coordenação entre estados-membros é muito importante”, disse Paolo Gentiloni.

O comissário garante também que haverá empenho europeu para tentar alterar as regras orçamentais europeias — uma discussão que deve começar a partir deste segundo semestre —, mas reitera que “não será fácil”.

Em Lisboa, no final do Eurogrupo, já tinha dito que seria “difícil” a tarefa de “gerar consensos nesta matéria”, embora dizendo estar confiante de que o presidente do Eurogrupo, Paschal Donohoe, que estava ao seu lado na conferência de imprensa, ajudaria a promover esses consensos.

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“Crédito malparado corre o risco de aumentar”

Bruxelas avisa que “Portugal tem desequilíbrios” e que deve estar atento aos problemas relacionados com a dívida, seja pública ou privada. “As vulnerabilidades relacionadas com grandes stocks líquidos de passivos externos, dívida privada e governamental e crédito malparado continuam elevadas, num cenário de baixo crescimento da produtividade”, considera a Comissão Europeia.

A Comissão Europeia avisa que “o crédito malparado corre o risco de aumentar à medida que as medidas temporárias de apoio são eliminadas”. Apesar de ter este tipo de empréstimos ter caído para um novo mínimo, o “verdadeiro desempenho só ficará claro quando a moratória expirar”.

O relatório nota ainda que, “após a rápida desalavancagem dos últimos anos, a dívida privada aumentou em 2020, refletindo uma queda acentuada do PIB e as necessidades de financiamento das empresas à luz da crise, enquanto o crescimento das hipotecas tornou-se positivo em 2020”.

Em relação à dívida pública, Bruxelas lembra que “aumentou substancialmente em 2020, como resultado da recessão e das medidas de apoio implementadas para amortecer o impacto da crise”. Em todo o caso, prevê “que diminua moderadamente este ano e no próximo com a redução dos défices orçamentais”.

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Portugal encontra-se num lote de nove países que estão a lidar com desequilíbrios, e que inclui ainda França, Espanha, Alemanha, Croácia, Irlanda, Países Baixos, Roménia e Suécia.

A situação portuguesa é colocada no mesmo pacote de Espanha, Irlanda e Croácia, “que combinam elevadas dívidas privadas, públicas e externas”, enquanto França tem de lidar também com este tipo de desequilíbrios, mas sem a componente da relação com o exterior. “Assegurar ganhos de produtividade e competitividade continua a ser importante para estes estados-membros”, sinaliza a Comissão Europeia.

Há, no entanto, outros três países, todos no sul da Europa, que têm “desequilíbrios excessivos”: Itália, Grécia e Chipre.