É um “anacronismo” e terá sido a primeira vez que aconteceu na carreira de Miguel Maya ou de qualquer outro banqueiro: ao negociar o empréstimo de 475 milhões de euros para o Fundo de Resolução, os bancos (pelo menos o Millennium BCP) quiseram ser remunerados com a taxa de juro o mais baixa possível. E porquê? Porque são os bancos que, através das suas contribuições nos próximos anos, vão pagar o custo que o Fundo de Resolução vai ter a remunerar esse empréstimo – e o BCP é dos maiores contribuintes para o Fundo de Resolução portanto paga mais.

Na curta audição parlamentar, em que apenas o PSD e Bloco de Esquerda fizeram perguntas (a bloquista Mariana Mortágua colocou apenas uma), Miguel Maya, presidente do Millennium BCP, explicou que a taxa de juro desse empréstimo – cujas condições já foram reveladas publicamente – preveem um custo que é a soma da taxa de juro da República Portuguesa a cinco anos acrescido de 15 pontos-base. Neste momento, como a República Portuguesa tem juros negativos nesse prazo, este é um empréstimo que, como o Observador antecipou em outubro, vai pagar uma taxa abaixo de zero.

Miguel Maya explicou que este não é um crédito de montante fixo, mas – sim – uma abertura de uma linha de crédito até 475 milhões. Sendo que o montante que o Fundo de Resolução vai injetar no Novo Banco este ano será menor do que esse valor, em princípio irá sobrar dinheiro nessa linha de crédito (que pode ou não ser utilizada na íntegra). Miguel Maya escusou-se a comentar o que é que isso pode significar em termos de perspetivas de “desembolsos futuros” do Fundo de Resolução para o Novo Banco.

“Nós estamos de um lado da mesa de negociações, não estamos do outro lado. Não sei quais são as previsões do Fundo de Resolução relativamente a desembolsos futuros. A nós o que foi solicitado foi um determinado montante, que estudámos. O facto de ser uma abertura de crédito deve-se a isso mesmo, poder ser reaberta mais tarde”, afirmou Miguel Maya.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Quem alimenta o Fundo de Resolução é que está encostado à parede. Quem está a pagar é que está encostado à parede. Em acumulado, a contribuição do BCP já supera os 400 milhões de euros. Quem está encostado à parede é quem vê a sua competitividade afetada. Não me parece que seja bom para Portugal e para as instituições sediadas em Portugal manter este mecanismo”.

Na linha do que vêm sendo as suas aparições públicas nos últimos anos, Miguel Maya aproveitou o palco dado pelos deputados para, pela enésima vez, pedir aos deputados que tomem medidas “políticas” para aliviar o fardo dos bancos portugueses no pagamento das responsabilidades ao Fundo de Resolução. A questão é que todos os bancos europeus pagam para um Fundo de Resolução europeu mas os bancos portugueses são os únicos que, além disso, também pagam um valor elevado para o Fundo de Resolução nacional.

O Banco Comercial Português tem de pôr de lado 47 milhões de euros por ano. (…) Tal como outros bancos que estão a trabalhar para alimentar este mecanismo de capitalização”, atirou, lembrando que isso prejudica a posição competitiva dos bancos nacionais no contexto da União Bancária europeia, ainda mais numa altura em que a mensagem política a nível europeu vai no sentido de haver maior consolidação bancária, ou seja, redução do número de instituições financeiras.

Prémios no Novo Banco? O problema estará no sistema de incentivos

Sobre o Novo Banco, porém, Miguel Maya também comentou a polémica em torno dos prémios pagos (em rigor, prometidos) à administração do Novo Banco, apesar de a entidade financeira continuar a ter prejuízos.

“Eu, ao contrário de muitas pessoas, não vejo que não deva haver prémios mesmo com resultados negativos. Imagine-se uma situação muito difícil, como na TAP – se a recuperação estiver de acordo ou melhor do que o plano, não vejo porque não hão de ser recompensados”, disse Miguel Maya.

Mas acrescentou, sobre os bónus: A única preocupação que eu teria é garantir que esse plano de remuneração tem um interesse alinhado com a preservação do capital“. “Imagine que havia um esquema de incentivos que promovia que se diminuísse a chamada de capital, devia ser um plano de incentivos alinhados com OS acionistas e não com O acionista”, isto é, do Lone Star. Ainda mais devia ter-se em atenção os incentivos para preservar o capital do Fundo de Resolução porque é o acionista que não está presente na gestão do banco, comentou.

O BCP disse atenção aos sistemas de incentivos. Não é uma questão de ética, o que se tinha de garantir era que ao nível dos sistemas de incentivos havia um alinhamento correto com as prioridades dos dois acionistas, sobretudo do acionista que não está presente na gestão.

E isto traduzia-se em quê? Miguel Maya referiu uma sugestão deixada pelo BCP: dar aos bancos que iam contribuir para o Fundo de Resolução uma opção de compra dos ativos CCA que o Novo Banco tinha para vender ao preço a que estes constavam no balanço. Ou seja, este seria o incentivo certo para que o Novo Banco se esforçasse mais para os vender a bom preço. Se assim tivesse sido, considerou Miguel Maya, talvez as vendas tivessem sido outras e as chamadas de capital menores.

Mas esta sugestão não foi acolhida porquê? Na altura em que foi feita, contou Miguel Maya, já os termos do mecanismo estavam acertados e fixados, pelo que não poderia ser incluída.

Mas ficou surpreendido com o grau a que foi utilizado o mecanismo de capital contingente, de até 3,89 mil milhões (quase esgotados já)? Achava que ia ser uma plataforma que iria ter pouca utilização, perguntou o PSD? “Não foi isso que me foi dito”, disse Miguel Maya. “Tivemos conversas com Sérgio Monteiro e o que disse na comissão aqui foi a mesma coisa que me disse na altura, e o BCP ficou logo preocupado”.

Última nota para uma resposta a Nuno Vasconcellos, um dos grandes devedores do Novo Banco, que – na sua curta audição na comissão – tinha dito que Miguel Maya e o BCP eram “grandes mentirosos”, por o terem acudado de “insolvência culposa”.

O presidente do BCP não aliementou a fogueira: “Ele diz que o BCP é mentiroso? É ir aos processos jurídicos, está lá tudo documentado”, disse Miguel Maya.