Há pontos positivos e pontos negativos. Durante o primeiro confinamento, quando as escolas foram forçadas a mudar para o ensino à distância, a transição correu “globalmente bem”, dada a urgência com que a mudança foi imposta. Apesar disso, muitas fragilidades da escola pública vieram ao de cima. Desde logo, 78% dos professores consideram que o ensino remoto não facilitou o cumprimento dos programas, já que as sessões síncronas foram pouco eficazes para o conseguir.
Boa parte deles, dois terços, acabaram por não conseguir dar todo o programa previsto para o 3.º período e 95% dos professores com funções de coordenação indicaram que, nas suas escolas, muitos ou mesmo todos os docentes aplicaram adaptações curriculares, dando prioridade às Aprendizagens Essenciais.
Estas são algumas das conclusões do estudo “Educação em tempo de pandemia: problemas, respostas e desafios das escolas” desenvolvido pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) e apresentado esta quarta-feira. Os dados revelados por Maria Emília Brederode, presidente do CNE, foram recolhidos em julho de 2020, através de inquéritos a diretores e a professores, após o primeiro confinamento que levou à suspensão das aulas presenciais.
Embora muito tenha mudado desde então — desde logo, já houve um segundo confinamento — Maria Emília Brederode defendeu, em videoconferência, que continua a fazer sentido apresentar as conclusões alcançadas já que o que este estudo capta é um “momento irrepetível – um verdadeiro teste à resiliência do sistema”. Para o primeiro encerramento de escolas, argumenta a presidente do CNE, não houve preparação possível. “O sistema educativo português teve de reagir, com as forças e os meios de que dispunha e que pôde inventar, para assegurar a continuidade educativa, numa experiência ao vivo.”
Perante essa realidade, o objetivo era perceber quais as principais dificuldades sentidas e as respostas dadas pelas escolas portuguesas: falta de recursos, falta de organização e gestão e fragilidades nas prática educativas são problemas antigos da escola pública, mas que a pandemia e a passagem forçada para o ensino remoto puseram à vista de todos.
Para além disso, o CNE pretendia antever se a experiência vivida poderia ser impulsionadora de mudanças que transformassem a escola no futuro. A resposta foi afirmativa. “A situação de ensino remoto de emergência pode ter feito mais pela mudança num curto período do que o discurso sobre a inovação em educação ao longo dos anos”, lê-se no relatório. A explicação encontrada passa pelo facto de as mudanças não terem acontecido devido a ideias isoladas, mas antes de “uma circunstância que obrigou a uma alteração tempestiva e em escala”.
Para além disso, o CNE defende que é possível ver nelas potencial para provocar mudanças no sistema de ensino, uma vez que envolveram vários níveis de decisão — Governo, autarquias, escolas, professores e famílias.
92% dos diretores queixaram-se da falta de equipamento
A queixa é ouvida desde os primeiros dias do ensino à distância e ganha, neste relatório, uma nova dimensão. Enviado a todos os diretores de agrupamentos, o questionário teve uma taxa de resposta superior a 60%. Entre os diretores que partilharam a sua experiência, há um ponto em que todos concordam: a implementação do ensino remoto foi dificultada pelo número insuficiente de computadores e tablets e pela falta de de uma ligação à internet de qualidade.
Na opinião de 92% dos diretores, as escolas não dispunham de equipamentos em número suficiente, nem de ligação à internet com qualidade. Por outro lado, 80% dos inquiridos apontam que a falta de computadores por parte dos alunos e famílias afetou o trabalho realizado.
O problema, global, não deixou de ter assimetrias geográficas: o Alentejo Litoral, o Tâmega e Sousa, o Alto Tâmega e a Beira Baixa destacaram-se como as regiões com as percentagens mais elevadas de escolas muito afetadas.
As escolas mais afetadas pela falta de recursos digitais dos alunos foram as que integravam mais estudantes de contextos desfavorecidos, as que tinham mais de 10% de alunos com necessidades específicas, 10% ou mais com Português Língua Não Materna e em que mais de 30% dos alunos não tinham equipamento digital, lê-se no documento. Eram também escolas mais pequenas e com todos os níveis e ciclos de educação e ensino.
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Escolas a diferentes velocidades
Outra conclusão do estudo, que não surpreende, é que, apesar dos esforços das escolas, nem todos os alunos foram contactados com a mesma rapidez, sustenta Maria Emília Brederode, e nem todas as escolas conseguiram envolver todos os alunos nas atividades propostas.
“O recurso ao ensino a distância requer, obviamente, uma infraestrutura que neste momento é ainda insatisfatória e desigual”, defendeu a presidente do CNE. Apesar de já ter sido iniciada a distribuição de computadores, que poderá resolver parte do problema, Maria Emília Brederode diz ser urgente o reforço das redes de conectividade. “O apoio tecnológico nas escolas é manifestamente insuficiente e dependente, em muitos casos, da disponibilidade e boa vontade do professor de Informática.”
Como aspetos positivos da experiência de ensino à distância, Maria Emília Brederode destacou a grande aproximação que houve entre famílias e escola, assim como as redes de cooperação que foram criadas entre professores para trabalho colaborativo. Também o facto de professores e diretores reconhecerem que é necessária mais formação dos docentes na área das novas tecnologias não deve ser descurada, sendo vista pela presidente do CNE como uma oportunidade para investir neste tipo de formações.
Por último, Maria Emília Brederode aplaudiu a discussão que tem vindo a ser feita em torno da necessidade de inovar e de procurar novos modelos pedagógicos para chegar a todos os alunos.