Emigrantes portugueses vacinados nos países onde vivem olham para o certificado digital de Covid-19 da União Europeia com apreensão porque não têm as vacinas carregadas no sistema e muitos desconhecem como resolver a situação.
“Não tem havido aqui nenhuma publicidade acerca disso”, disse à Lusa João Pacheco, emigrante nos Estados Unidos que, daqui a menos de duas semanas irá viajar para Portugal o conselheiro das comunidades.
“Isso é muito bom, concordo com isso”, comentou João Pacheco, também conselheiro das comunidades em Boston, Providence e New Bedford, apanhado de surpresa sobre o certificado digital adotado na União Europeia que confirma um teste negativo à covid-19, recuperação da doença ou vacinação.
Para o emigrante, que vive em Rhode Island, estado mais pequeno do país, com cerca de 100 mil lusodescendentes, os consulados, redes sociais, rádios portuguesas e jornais portugueses nos Estados Unidos têm de se mobilizar para informar a comunidade, que passou um período “muito mau” sem poder ir a Portugal.
Do outro lado do mundo, Valter Ribeiro, funcionário do BNU em Timor-Leste, e a mulher, Sónia Silva, ambos já com as duas doses da AstraZeneca, consideram crucial que as vacinas tomadas no país sejam reconhecidas pelas autoridades portuguesas e assim, internacionalmente.
“Atendendo à tendência de certificação digital e possível passaporte de vacinação, é importante termos isto registado oficialmente, confirmando a toma das vacinas que estão devidamente reconhecidas pela OMS”, explicou à Lusa.
“Até para validade no meu país de origem e perante as autoridades portuguesas, quero ver reconhecidas as duas vacinas que estão em confirmado as regras internacionais. à chegada a Portugal, se perguntarem pela vacina, nem sequer sabemos se perante o sistema de referenciação português esta documentação de Timor-Leste é aceite. E penso que é até fundamental para saber como os portugueses estão vacinados no mundo”, considerou.
Em Angola, pelo menos num caso, uma portuguesa que reside no país e está agora em Portugal viu as duas doses da Pfizer reconhecidas pelo Serviço Nacional de Saúde.
Foi ao centro de saúde com o boletim de vacinas angolano e viu o seu nome carregado no sistema português.
Mas continua sem ser publicitada uma norma geral. Ricardo Antunes, outro português a residir em Timor-Leste e que já tomou as duas doses da AstraZeneca, ecoa os comentários.
“Temos necessidade de ir a Portugal em breve e gostava de ter a vacinação aqui reconhecida em Portugal, por uma questão de facilidade de movimentação”, explicou.
Em Macau, no mesmo lado do mundo que Timor-Leste mas no hemisfério norte, a ansiedade não se sente, até porque milhares de portugueses estão condicionados nas saídas do território, um dos que tem as quarentenas mais prolongadas do mundo para quem regressa.
Apesar da proposta do Conselho Europeu de aliviar restrições a Macau, as autoridades do território sublinharam na segunda-feira que vão continuar a considerar o espaço europeu como uma zona de alto risco.
Assim, mantêm-se a restrição de entradas para estrangeiros e a obrigatoriedade de quarentena de 21 dias para os residentes que regressem da Europa.
Para a comunidade portuguesa, a falta de reciprocidade poderá vir a dificultar ainda mais as viagens, já muito difíceis pela ausência de um voo direto entre Macau e Portugal.
Residente permanente em Macau Paula Moreira afirmou não estar apreensiva: “tomei a vacina que estava disponível primeiro [a chinesa Sinopharm que não é reconhecida pelas autoridades europeias do medicamento] e como tal cumpri o meu dever de cidadã, protegi-me a mim e aos outros”.
“O que a Europa aceita não me afeta muito ainda, pois não vejo luz ao fundo do túnel para poder viajar até lá” nos próximos tempos, considerou a portuguesa.
Com a progressiva vacinação, “a gente está no bom caminho para a normalidade, espero que sim”, disse João Pacheco a partir de Rhode Island, referindo ainda que a pandemia de covid-19.
“Em Lisboa é que não está muito bom”, resumiu o conselheiro nos EUA.
Desde 16 de junho já foram emitidos mais de 400 mil certificados digitais da covid-19 da União Europeia em Portugal.
Concebido para facilitar o regresso à livre circulação dentro da União Europeia, este ‘livre-trânsito’, que deverá ser gratuito, funcionará de forma semelhante a um cartão de embarque para viagens, em formato digital e/ou papel, com um código QR para ser facilmente lido por dispositivos eletrónicos, e na língua nacional do cidadão e em inglês.
A pandemia de covid-19 provocou cerca de quatro milhões de vítimas mortais em todo o mundo, resultantes de 180 milhões de casos de infeção diagnosticados oficialmente, segundo o balanço feito pela agência francesa AFP.
Portugueses no Brasil receiam não viajar livremente devido à vacina Coronavac
Portugueses emigrados no Brasil disseram à Lusa que receiam não poder viajar livremente pela Europa porque a vacina chinesa contra a covid-19 Coronavac, usada em massa no país, não é reconhecida no certificado digital adotado pela União Europeia.
João Guilherme Peixoto, um sociólogo português a viver há 10 anos em Brasília, recebeu a vacina da Astrazeneca, reconhecida pela UE. Contudo, a sua mulher, uma professora brasileira de 39 anos, recebeu a chinesa Sinovac, situação que fez surgir no seio da família o receio de não poderem viajar em conjunto para Portugal, principalmente por terem dois filhos pequenos.
“Costumamos ir a Portugal periodicamente, mais ou menos de dois em dois anos. Depois que as crianças nasceram, reduzimos um pouco a periodicidade, mas a nossa preocupação é a de termos entraves em conseguir viajar para lá. Viajarmos é algo realmente muito importante para mim, sobretudo pelo contacto das crianças com a família portuguesa”, explicou à Lusa o sociólogo de 39 anos, de Coimbra.
João relatou que ainda tem avós maternos e gostaria de levar os dois seus filhos, de três e seis anos, a visitar o avô, que sofre de uma doença degenerativa.
“Queria muito ir a Portugal este ano. Queria que os meus filhos pudessem estar com avós, sobretudo com o avô, porque não sabemos se ainda haverá essa oportunidade nos próximos anos”, disse.
“Esta situação é angustiante para mim. O Brasil está uma caixinha de surpresas desagradáveis e nós não sabemos muito bem o que aí vem e quais serão as reações de Portugal e da União Europeia”, lamentou o português.
Na quinta-feira, Portugal aprovou o decreto-lei que regulamenta o certificado digital covid-19 da UE, comprovativo da testagem negativa, vacinação ou recuperação da doença, que entrará em vigor nos 27 Estados-membros a tempo do verão e que poderá ser usado para viagens.
O passaporte contempla apenas as vacinas aprovadas pela EMA (Agência Europeia de Medicamentos): Pfizer/BioNTech, Moderna, AstraZeneca e Janssen.
Apesar de no Brasil já estarem a ser aplicadas a maioria das vacinas aprovadas pela EMA, a Coronavac foi durante muitos meses o imunizante mais utilizado no país, uma vez que é produzido localmente pelo Instituto Butantan, de São Paulo.
João Guilherme Peixoto afirmou que “gostaria muito” que a UE acelerasse o processo de reconhecimento de outras vacinas aceites em outros países. Contudo, disse reconhecer os receios do bloco europeu.
“Fico muito feliz por a minha esposa a ter tomado a Coronavac. Eu tomei a da Astrazeneca, mas tomaria qualquer vacina aprovada pelo Brasil e confio muito nas instituições que fizeram esse processo de verificação dos imunizantes. Mas eu entendo os receios, porque a Coronavac é uma vacina com uma eficácia mais baixa e acaba por permitir que a doença circule um pouco mais à vontade, sobretudo as novas variantes”, avaliou.
Porém, não nega o descontentamento com a possibilidade de não poder viajar juntamente com a sua mulher.
“Receio que a minha esposa não me possa acompanhar nessas viagens a Portugal. É complicado crianças tão pequenas estarem a fazer uma viagem só com o pai e deixar a mãe aqui [Brasil]”, frisou.
O sociólogo relatou ainda sentir “um medo constante por causa da situação da pandemia no Brasil” e receia que esse medo “se estenda às relações internacionais do país” e seja impedido de “circular e de poder voltar” ao seu país “devido aos disparates que se vão fazendo por aqui [Brasil]”.
Já o economista português José Alpuim, de 48 anos, nascido em Lisboa mas a residir também na capital brasileira, preferiu adiar a sua vacinação com receio que lhe fosse administrada a Coronavac, prejudicando a sua no Natal para Portugal, para visitar a mãe que não vê há um ano e meio.
“Eu só me vacinei com a vacina da Pfizer, porque não quis arriscar a Coronavac e, assim, não poder ver a minha mãe no Natal. Não tenho absolutamente nada contra a Coronavac”, salientou o português, em declarações à agência Lusa.
“Como sou professor, eu poderia ter sido vacinado há mais tempo. Na ocasião, percebi que a Coronavac era a opção e então decidir esperar. Aí, ao invés de me vacinar pela prioridade dos professores, decidi esperar pelo fator da idade. Naquele momento, a probabilidade de ser vacinado com a Coronavac era muito grande, porque era havia muito mais volume do que da Pfizer”, explicou.
José Alpuim encontra-se confinado com a mulher, com os dois filhos e com os sogros, numa fazenda isolada desde junho do ano passado, devido à pandemia. Porém, visitar a sua mãe em Portugal em dezembro está nos seus planos.
“Gostava muito que a UE reconhecesse todas as vacinas que são usadas no Brasil, mas mais ainda pela OMS. Imagino que tudo isso demande tempo e recursos”, indicou.
O Brasil, um dos países mais afetados pela pandemia, totaliza mais de meio milhão de mortes e mais de 18,3 milhões de casos positivos de covid-19.