No final do Conselho Nacional, em Sagres, com programa, regulamento disciplinar e regulamento eleitoral aprovados, André Ventura falou num documento “sem medo”, “sem receio do futuro”, em que o partido “não cedeu”. “Não somos a direita fofinha a que Portugal estava habituado”, atirou este sábado André Ventura, para justificar que o Chega não é a Iniciativa Liberal, o PSD ou o CDS. O partido que lidera, disse, “não anda na cama com António Costa” e está no Parlamento para “fazer oposição”.

Com as forças apontadas às eleições autárquicas, Ventura sabe que está acompanhado pelos seus “generais” para ir à “guerra”, voltou a insistir no objetivo de ser o terceiro partido com mais votos, espera conseguir autarcas por todo o país e deixa duas certezas: um Conselho Nacional extraordinário depois das eleições com o intuito de avaliar os resultados e a responsabilização pelos resultados. “O resultado se for mau será sempre responsabilidade do seu presidente e cá estarei no dia 26 [de setembro]”, garantiu. A tradução dessa responsabilidade não disse mas, em entrevista ao Observador, já tinha dito que estas não são eleições presidenciais nem legislativas e que apenas nessas o seu cargo está em causa.

Ainda longe do dia das votações, André Ventura orgulha-se de o Chega se manter no seu caminho, diferente de partidos como a Iniciativa Liberal e o CDS que acreditam que “vão cantar vitória”, mas optaram por ir “deitados e embrulhados” com o PSD. “Se temos objetivos ambiciosos temos de os assumir na sociedade portuguesa, chega de andarmos a dizer, como outros partidos fazem, que vão ter a votação tal, mas estão em coligações pelo país inteiro”, atirou, com críticas aos “ditos adversários à direita”.

Aos olhos do número um do partido, o programa agora aprovado “é sem dúvida o melhor dos partidos parlamentares de Portugal”. E ser oposição e Governo está no topo das prioridades de um partido com pouco mais de três anos e, ainda mais ciente de que o resultado deste Conselho Nacional permite não abdicar das linhas vermelhas que têm sido definidas, André Ventura atirou-se aos críticos, aos que achavam que o Chega “não tinha programa”, que as ideias eram “gritaria” e “show off“. Agora, disse, “vão falar zero” porque “este é um programa para o futuro de Portugal”.

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Ao ver Sagres como um “pontapé na história”, Ventura reforçou a ideia de que a reforma da justiça e da política são pontos dos quais o partido não abdica e voltou a dirigir-se a Rui Rio: “Estes joelhos só se vergam para beijar a pátria.” Sobre António Costa, a certeza de que é o “adversário” número um, a par com o “socialismo”.

As críticas para fora são comuns, mas desta vez André Ventura insistiu na disciplina interna para que o partido não perca a oportunidade de fazer a diferença. Até porque, realça, “nunca os portugueses perceberão que um partido destes se tenha perdido”. “Este partido não pode exigir todos os dias disciplinas aos portugueses, a Portugal, ao Governo e à Assembleia da República e sermos o partido mais indisciplinado da democracia parlamentar em Portugal”, admitiu o presidente do partido. Apesar disso, de Sagres, acredita, o partido não sai “unânime”, mas sai “unido”.

Propostas de Ventura sobre perpétua e cadastro étnico-racial aceites pelo Conselho Nacional

Luís Forra/Lusa

O Conselho Nacional do Chega aprovou por maioria o novo programa do partido, sem votos contra e com uma abstenção. No segundo dia da reunião mais importante entre congressos, os conselheiros do partido aprovaram o documento na generalidade, discutiram aditamentos e substituições de alguns dos pontos e chegaram a um documento comum. No final de aprovados todos os pontos, Luís Graça anunciou: “Tenho a informar que temos programa”. Foi a consagração do primeiro programa do Chega discutido entre conselheiros. A informação foi recebida pela direção e pelos presentes em festa, entre abraços. O primeiro deles entre André Ventura, o presidente do partido, e Gabriel Mithá Ribeiro, o coordenador do gabinete de estudos e responsável máximo pelo novo programa do Chega.

O dia ficou marcado por aquilo que foi motivo de orgulho de Mithá Ribeiro: “Estamos aqui a discutir política.” Apesar de a grande maioria dos pontos do novo programa não ter sido alvo de mudanças, houve discussão, aditamentos e substituições em mais de 15 pontos. Entre as sugestões, algumas foram aceites pela direção e pelo gabinete de estudos e prontamente incluídas no programa, outras chegaram mesmo a votos.

Entre os aditamentos de vários conselheiros, André Ventura foi um dos primeiros a subir ao palco e sugeriu a inclusão da pena de prisão perpétua para a “criminalidade mais grave e violenta” no novo programa do Chega, onde apenas estava proposto um “aumento da moldura penal máxima” para crimes violentos, terrorismo, crime organizado, corrupção, crime de incêndio e crimes sexuais contra menores. Além da inclusão desta pena, algo que já estava no documento de 2019, o partido deixou ainda por escrito que “recusa a participação numa coligação parlamentar ou de Governo que inviabilize esta solução” — um aviso já feito ao PSD por André Ventura. Esta sugestão foi aprovada por unanimidade pelo Conselho Nacional.

O presidente do partido propôs ainda que ficasse no papel a ideia de cadastro étnico-racial uma expressão usada pelo próprio líder do Chega no primeiro dia de Conselho Nacional. O objetivo é que seja criado um registo de natureza comunitária em que se procure compreender os “problemas de subsidiodependência”, com informações de “natureza criminal ou comportamental”. Também esta proposta teve a ‘luz verde’ de 73 conselheiros, sem votos contra e com uma abstenção.

Chega garante que só aceita pertencer a um Governo que defenda a prisão perpétua e defende “cadastro étnico-racial”

Na intervenção no primeiro dia do Conselho Nacional, o presidente do Chega tinha dito que “o partido deve defender não só a identificação das comunidades subsidiodependentes, onde estão localizadas, qual é a prevalência da subsidiodependência, qual é o nível de subsidiodependência”, sendo que para André Ventura é imperial que as minorias cumpram “as mesmas regras que cumpre a maioria, sem privilégios, sem cedências, quer a nível fiscal, quer a nível de regras sociais, quer a nível de regras comportamentais”.

Para resolver o “problema com a comunidade cigana e com outras comunidades”, o presidente do partido alertou para a necessidade de perder o “medo” em falar de minorias e defendeu a existência de um “cadastro étnico-racial” que seria “ímpar dentro da UE”. Uma proposta que, com outro nome, acabou por ser integrada no novo programa após discussão no Conselho Nacional.

Nacionalista, sim. Patriótico-nacionalista, não

O Conselho Nacional do Chega decidiu que o partido é “nacionalista” e não “patriótico-nacionalista”. Depois da proposta da conselheira Patrícia Almeida que sugeria juntar as duas palavras, André Ventura decidiu manter a sugestão da direção e do gabinete de estudo, o que foi aprovado com 66 votos a favor, 12 contra e uma abstenção. No novo programa lê-se que o Chega é nacionalista por “resgatar o valor identitário, histórico e civilizacional do sentimento nacional, subjugado ao primado moral da autorresponsabilidade, o [sentimento nacional] gerou, gera e gerará virtudes coletivas inigualáveis”.

Luís Forra/Lusa

O que separa um “e” de um “ou”. O peso da nacionalidade nos apoios à natalidade

Um dos primeiros pontos de discussão prendeu-se com um “e/ou”. Em causa estava a possibilidade de pessoas sem naturalidade portuguesa, mas que tinham sido nacionalizadas poderem ou não ter acesso a “benefícios e incentivos que promovam o aumento da natalidade”. Pedro Santos Martins, um dos conselheiros, alertou para o facto de muitos imigrantes viverem há vários anos em Portugal, “até há mais tempo do que nos seus países de origem” e Nuno Afonso, vogal da direção, alertou para a possibilidade de se estenderem os incentivos se pelo menos um dos membros do casal fosse português.

Por outro lado, o conselheiro Nelson Dias da Silva defendeu o oposto, ao referir que neste caso se estariam a privilegiar políticas com que o Chega não está de acordo, frisando que “privilegiar lei de apoio a quem obteve nacionalidade como obteve é privilegiar o crime”. A maioria dos presentes optou por dar preferência à proposta do gabinete de estudos, que apenas inclui pessoas com “naturalidade e nacionalidade portuguesa”.

Chega não abdica de quotas para a imigração

Sobre a imigração, o antigo vice-presidente do Chega admitiu ser contra “quotas” e propôs que se excluísse qualquer indicação de quotas do programa, pedindo ainda que fosse adotada uma “lista com as profissões e números de pessoas que fazem falta ao país”, como acontece, por exemplo, com os vistos de quem quer ir trabalhar para a Austrália. André Ventura subiu ao palco para esclarecer o assunto, deixou claro que a direção não se opõe a uma “regulação migratória que tenha base por pontos”, mas pediu coerência: “A semana passada apresentámos na Assembleia da República uma proposta com quotas para a imigração muçulmana na Europa, não podemos dizer agora que somos contra as quotas.”

No seguimento, André Ventura frisou que “a imigração islâmica não é igual à outra imigração”, dando exemplos como Bruxelas, Paris e Londres, em que, disse, quando se sai do centro se “entra na Arábia Saudita verdadeiramente”. “Em relação à imigração islâmica temos de ter quotas, nos outros pode haver quota zero até”, realçou, frisando que esta imigração islâmica tem de ser regulada porque “um dia teremos um problema muito grave em território português”. No final da discussão, o título mudou de “livre circulação de pessoas” para “imigração controlada e responsável”, ficou decidido que as quotas são para manter e que o modelo por pontos é para ser incluído.

Luís Forra/Lusa

Sobre o mercado, depois da junção de alterações propostas por Nuno Afonso e pelo economista Pedro Arroja, responsável pela parte económica do novo programa, o Conselho Nacional concordou em mudar a palavra “regula” por “promove”. Na redação final ficou escrito que o Chega é “liberal” e que “o mercado promove melhor a economia do que o Estado”.

Chega não “reconhece” modelos de família além da “natural”, apenas “respeita”

A ideia de “família natural” voltou a marcar o debate no Conselho Nacional do Chega, com um dos conselheiros a lançar o desafio de alterar a forma como este ponto estava escrito no programa — “O Chega reconhece e respeita modelos diferentes de família, porém considera a família natural, baseada na relação íntima entre uma mulher e um homem, uma realidade psicossociológica e socioeconómica anterior ao Estado, historicamente estável e humanamente insubstituível.”

Depois de várias opiniões, o Conselho Nacional aprovou a mudança para retirar a palavra “reconhece”, tendo ficado no novo programa que “o Chega respeita outros modelos de partilha de vida, porém considera a família natural, baseada na relação íntima entre uma mulher e um homem”. Um dos conselheiros justificou a importância de retirar a palavra “reconhecer” ao realçar que esta poderia “abrir precedentes a outras situações como a da adoção por casais homossexuais”, frisando que “André Ventura sempre reconheceu que [se aceita] mas não é algo natural”. “Se deixarmos só o respeitar, não excluímos, mas não também reconhecemos”, atirou. O Conselho Nacional aceitou e aprovou a nova descrição.

Também a questão do aborto esteve em cima da mesa, com opiniões diversas, umas que consideram que a “inviolabilidade da vida humana” já responde à questão do aborto e outras com a opinião contrária. Com o intuito de conseguir um consenso, André Ventura propôs um aditamento em que acrescenta à parte da “inviolabilidade da vida humana” que esta deve acontecer “em todas as suas fases e dimensões com todas as consequências jurídicas daí decorrentes”. Sem referir a palavra aborto e sem querer sugerir uma “proposta de criminalização”, a ideia ficou implícita no programa e a proposta inicial foi retirada pelo conselheiro Filipe Melo.