Na véspera da reunião no Infarmed em que se vão conhecer os dados que podem permitir uma alteração das medidas de restrição em vigor, Marcelo Rebelo de Sousa não tem informações sobre o caminho que o Governo vai ou pretende seguir.
Foi este mesmo desconforto que Marcelo transmitiu aos os partidos políticos com assento parlamentar, durante as audiências em Belém. O Observador sabe que o Chefe de Estado voltou a lamentar o facto de o Governo não ter partilhado qualquer sinal sobre as medidas que vão ser adotadas e terá dito estar às escuras sobre o que vai acontecer na quinta-feira — dia em que o Conselho de Ministros deve anunciar novas regras para dar resposta à crise pandémica.
Marcelo terá ainda confidenciado que a data escolhida para a reunião no Infarmed foi uma escolha pessoal. O Governo pretendia que a reunião se realizasse há três semanas, mas o Presidente da República travou a intenção e sugeriu que apenas acontecesse agora — os dados conhecidos na altura poderiam “legitimar o discurso do medo e das restrições” e Marcelo fez questão de ver os números analisados de forma mais fidedigna, com mais dados relativos à vacinação.
O Presidente da República está particularmente preocupado com a saúde mental dos portugueses e tem pressionado o Governo a não recuar no desconfinamento — Marcelo é há muito um crítico da matriz de risco desenhada pelo Governo, que não considera a taxa de vacinação ou de internamentos, por exemplo. Aos partidos, admitiu concordar que o desconfinamento deve acelerar, mas sobre uma das questões colocadas em cima da mesa, como é o caso de abertura de bares e discotecas, não disse sim nem não.
Noutra dimensão, o Chefe de Estado está igualmente alarmado com os problemas que podem surgir no início do ano letivo. O arranque das aulas é um fator relevante para Marcelo, que vai exigindo uma preparação atempada e organizada — o Governo, de resto, já anunciou a intenção de vacinar os mais jovens para tentar minimizar as consequências do natural aumento do número de casos.
Marcelo queria mais ambição e foco
A economia, nomeadamente com os setores mais afetados pela pandemia, como é o caso do turismo e da restauração, é outro motivo de preocupação para o chefe de Estado. Nas audiências desta segunda-feira, Marcelo terá dado sinais de preocupação com os efeitos da crise a médio-longo prazo, com o excessivo foco na espuma dos dias e com a ausência de visão de futuro. O Presidente da República revelou ainda existir uma preocupação para que o Orçamento do Estado não seja encarado como um orçamento qualquer e que permita lançar as bases da reforma económica mas de forma sustentável e responsável, com o intuito de não ser uma oportunidade desperdiçada.
Com o país prestes a entrar num novo ciclo eleitoral — autárquicas e, muito provavelmente, disputas internas à direita no arranque de 2022 –, o Presidente da República não acredita que as várias forças políticas estejam efetivamente disponíveis para soluções de compromisso.
Marcelo entende que esta era uma oportunidade única para que, com responsabilidade, se definissem as prioridades do país, em particular na questão do investimento, mas o Chefe de Estado está, no mínimo, cético: esta espécie de clima de campanha vai acabar por condicionar a política durante largos meses.
Esta não é a primeira vez que Marcelo alerta para a necessidade de uma nova forma de olhar para o país. Na passada quarta-feira, no Fórum para a Competitividade, o Presidente da República já tinha incentivado à existência de trabalho para procurar “novos protagonistas institucionais, políticos e outros, mais fortes, para ter discurso político com mais eco nos momentos de decisão popular e eleitoral”.
“Ou se encontram novos protagonistas políticos, económicos e sociais, e isto inclui os parceiros sociais, ou se muda de discurso. O que não se pode é desaproveitar o Plano de Recuperação e Resiliência”, alertou Marcelo, na mesma altura em que disse que “os protagonistas políticos, económicos e sociais defensores de um percurso diferente não têm logrado alcançar força persuasiva para que o seu discurso constitua um discurso alternativo e, sobretudo, constitua uma solução alternativa”.
IL sugere que se desconfine “muito mais rapidamente do que intenções do Governo”
O Presidente da República começou, esta segunda-feira, a receber os partidos em Belém, com audiências da Iniciativa Liberal, Chega, PEV e PAN durante a tarde.
O líder da Iniciativa Liberal, João Cotrim Figueiredo, foi o primeiro a ser ouvido e, em declarações à saída do Palácio de Belém, disse que transmitiu a Marcelo Rebelo de Sousa a ideia de que Portugal deve “desconfinar muito mais rapidamente do que aquilo que o Governo tem intenções de fazer”, de preferência “já no início de agosto se dados do Infarmed confirmarem as perspetivas” e não no final do verão como está previsto — Costa admitiu uma “libertação total do país” a seguir ao verão.
Ao reconhecer que Portugal está a entrar numa “fase nova, à semelhança de muitos países europeus, em que o vírus se está a tornar endémico”, o deputado único da IL afirmou ainda que está na altura de o país “colocar a liberdade à frente da segurança”, uma ideia que tem vindo a repetir por diversas vezes e que transpôs várias vezes no voto contra o estado de emergência no Parlamento.
Cotrim Figueiredo insistiu que os “confinamentos são péssimos para a economia”, mas também para setores económicos que têm grande parte da mão de obra em isolamento profilático “sem necessidade”, o que aumenta a dificuldade de encomendas “para exportação” e enalteceu ainda os problemas que o confinamento tem a nível mental e físico, alertando para as urgências pediátricas que, disse, têm tido “surtos de infeções respiratórias” em crianças “porque estão vulneráveis por não terem o sistema imunitário sujeito ao devido teste e desenvolvimento”.
“Tudo está a causar mais dano do que deveria e devíamos estar a preparar confinamento mais rápido e no mais próximo”, frisou, nomeadamente apelando à abertura de estádios, horários de comércio e exigência de certificados digitais.
Chega defende abertura da sociedade sem “loucuras”
Depois de ser ouvido pelo Presidente da República, André Ventura defendeu que deve haver uma uma reabertura da sociedade mas sem “loucuras” e com os devidos cuidados. “Acho que é tempo de darmos um sinal à sociedade e acho que em termos de restrições de horários, e em termos de reabertura de alguns setores acho que podemos dar esse sinal”, frisou o deputado único do Chega, antes da reunião de Infarmed que vai dar a conhecer a opinião dos especialistas. O líder do partido ficou “com a sensação” de que Marcelo Rebelo de Sousa tem o mesmo entendimento, “que é momento de dar um sinal de reabertura ao país”.
André Ventura referiu ainda ter pedido a Marcelo Rebelo de Sousa para “influenciar junto do Governo para que a bazuca europeia, os fundos europeus e os próprios não continuem a ser unicamente direcionados para instituições públicas, mas que tenham uma forte canalização para a economia”. Neste ponto, o deputado único do Chega disse ser importante que o “dinheiro [da bazuca] chegue às pequenas empresas, ao comércio, ao turismo e à restauração”, os setores mais afetados pela pandemia da Covid-19.
Relativamente à forma como esse dinheiro e o Orçamento do Estado vão ser negociados, Ventura disse apenas que “o Chega não estará disponível para nenhuma apreciação ou validação do OE que não apoie os setores mais fragilizados da economia”.
Sobre a atual situação política do país, André Ventura admitiu ao Presidente da República que, “mesmo com o desgaste” do Governo, a “direita está numa posição difícil do ponto de vista de criar consensos e pontos de criar pontes para ser uma alternativa de Governo”. “Temos um PSD que não descola do PS, nem em votos nem em políticas, e continua a dar a mão ao PS na maior parte das grandes opções; um CDS em claro declínio e na direita estamos a transferir votos: o Chega cresce e a IL também, mas não à custa de quem devia crescer, que era da abstenção, do centro e da esquerda, estamos a transferir votos entre partidos de direita“, explicou à saída da audiência.
Desta forma, o deputado do Chega referiu que vai falar com IL, CDS e PSD para “marcar uma grande conferência” para que se consiga arranjar uma alternativa para que “António Costa não se perpetue no Governo em Portugal.
PEV espera pela execução do OE2021 para aferir a “credibilidade do Governo”
A propósito das negociações sobre o Orçamento do Estado para 2022, o PEV transmitiu ao Presidente da República a ideia de que a posição do partido vai depender “do nível de execução do Orçamento do Estado de 2021” em geral e “muito em particular” das medidas que foram propostas pelo PEV.
“Consideramos que é importante perceber este grau de execução para também aferirmos a credibilidade que o Governo nos merece nos compromissos que assume”, enalteceu o deputado, que prefere aguardar pela proposta do Governo para “avaliar até que ponto é que esse Orçamento dará resposta aos problemas do país e dos portugueses”.
“Quanto menos for executado este ano, maiores serão os problemas para o ano que vem e, portanto, a resposta também é mais exigente se houver pouca execução deste Orçamento do Estado”, salvaguardou José Luís Ferreira.
Orçamento do Estado e Amazónia são posições em comum entre PAN e Marcelo
Inês Sousa Real, à saída da audiência com o Presidente da República, mostrou estar agradada com o facto de Marcelo Rebelo de Sousa ter demonstrado, tal como o PAN, que “existe uma preocupação comum de termos um Orçamento que possa lançar as bases para uma recuperação socioeconómica para o país com uma visão de médio e longo prazo”.
Além dos temas económicos, a porta-voz do partido referiu que foi reforçada a “preocupação [do PAN]com a floresta amazónica e a sua preservação”, até porque Marcelo “vai em breve viajar para o Brasil”, para a reinauguração do Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, e “vai estar com o Presidente Bolsonaro”, em Brasília. E também neste tema houve uma “partilha de preocupação com aquele que é o pulmão global”, afirmou a porta-voz do partido, ao alertar para a necessidade de uma “uma reversão de paradigma” que trave a desflorestação e a utilização dos solos para a “pecuária intensiva”.