Há 36 anos à frente da Imperial de Campo de Ourique, um dos espaços míticos do bairro, João Gomes diz-se “muito feliz, muito lisonjeado” com esta atribuição, que “em boa hora veio”. Recebe toda a gente com um sorriso neste espaço que gere com a mulher, Adelaide, e com a ajuda do filho e da nora. Esta casa icónica é uma das que entrou recentemente — numa leva de 12 espaços — para a já longa lista de Lojas com História onde constam mais de 150 espaços num programa que quer promover e proteger o comércio de rua e os locais históricos da cidade.
“Lutei muito por isto, assim como lutei muito por esta casa, por este espaço que foi o primeiro quartel de bombeiros voluntários de Campo de Ourique, o primeiro quartel de bombeiros com carros, veja lá!”, recorda o Sr. João, relembrando que depois disso, em 1942 foi uma carpintaria e marcenaria, até em 1947 ter nascido a Imperial.


▲ João Gomes, Adelaide e o filho Nuno tomam conta do negócio há 36 anos ©Imperial de Campo de Ourique/Facebook
João Gomes reconhece o ex-libris que é o seu restaurante, que tem fama e proveito, e dá graças por continuar a ter clientela frequente mesmo com as implicações que a pandemia trouxe aos horários de funcionamento e ao turismo. Mesmo com tudo isso, há muitos que continuam a procurar o seu bacalhau à minhota, não fosse esta família originária de Ponte da Barca. “O bacalhau é certinho, direitinho. Somos de Ponte da Barca, antes de nós os donos eram de Vila Nova de Cerveira e antes eles eram de Valença do Minho. Não há maior tradição minhota que isto”, confessa dizendo que “graças a deus” continua a conseguir dar continuidade a uma casa por onde até já passou “o americano das comidas”. Diz que “enquanto puder” vai continuar a dar cara à Imperial, e está esperançoso de que quando deixar de poder o filho e a nora “continuem a escrever a história”.
“Eu espero que a distinção possa trazer mais clientes. Temos muita gente de todo o lado, como já temos nome na praça acredito que seja mais fácil para nós, mas quero acreditar que isto venha melhorar ainda mais o negócio e que tenhamos muitas visitas a propósito das Lojas com História”, confessa João.
Histórica é também A Licorista, outra das atribuições recentes, e uma das casas mais antigas de Lisboa. Nasceu em 1929 com Abel Pereira da Fonseca e como membro da Companhia Portugueza de Licores — era lá que Fernando Pessoa bebia o seu licor e absinto. “Até temos uma foto do poeta na parede para recordar esses tempos”, diz António Paulo, o filho que ajuda o pai, com o mesmo nome, e o tio Abílio Fernandes a gerir o espaço onde em tempos se bebia a “trombadinha” (aguardente) e o “marujo” (ginja) e que ainda hoje funciona como restaurante — ao qual em tempos se juntou o vizinho Bacalhoeiro funcionando como espaço único.


▲ A casa foi criada por Abel Pereira da Fonseca ©DR
António conta que há mais de 25 anos que o negócio está em família, depois de ter passado por várias mãos e que “estão todos muito orgulhosos” de poderem agora dizer que são Loja com História.
“Vem sempre em boa hora, a gente também se candidatou há pouco tempo e há sempre burocracias a resolver, mas é sempre bem-vindo”, conta o filho do dono. “Como cliente, acho interessante as pessoas olharem para os roteiros e saberem onde estão as casas antigas e esta é uma das mais antigas de Lisboa. Se o cliente for procurar vai perceber isso e estamos com esperança que possa ajudar no negócio”.
Negócio esse que levou um arrombo no último ano causado pela pandemia — dos 15 trabalhadores restam apenas seis, “os que conseguimos ter por agora”, confessa. “A clientela baixou imenso, é muito difícil, infelizmente não está fácil”.
António tem esperança que o galardão recente possa trazer mais pessoas a provar famoso bacalhau à minhota da casa, ou até mesmo a sucumbir aos pratos do dia mais em conta onde vai havendo cozido à portuguesa e arroz de cabidela. “Pode ser que a distinção nos ajude de alguma forma, temos esperança, temos de a ter”.
O Acaso é um caso mais recente, diga-se. Miguel, Guilherme e Marta são os três sócios responsáveis pelo espaço que data dos anos 1920 e que abriu um mês antes do primeiro confinamento. A candidatura ao programa deveu-se sobretudo à preservação do espaço que, para os três, é “histórico e uma coisa muito antiga que tem de ser preservada”, diz Marta. Dantes funcionava ali uma tasca e depois um refeitório conhecido da cidade, os azulejos e o mármore são intocáveis, e a decoração remonta ao antigamente e ao universo das avós dos três sócios que lutam há um ano para continuar com o projeto.

▲ O restaurante abriu um mês antes do primeiro confinamento em 2020 ©ACASO/FAcebook
“Nós vemos isto [a distinção] como uma oportunidade para manter o espaço”, refere Marta. “Vemos este espaço como uma obra prima, e achámos que não íamos conseguir, até porque o nosso espaço é muito recente. Conseguimos, temos agora outra motivação também apesar de ser ainda cedo para poder dizer se nos vai ajudar a trazer mais clientes à casa. Mas é uma vitória”.
Uma distinção “importante” que “a nível prático pouco traz”
A Parreirinha de Alfama é uma casa com mais de 50 anos, conhecida por ser casa de Argentina Santos, e onde todos se vestem a rigor como manda a tradição de uma verdadeira casa de fados bairrista. Foi uma das que entrou no programa Lojas com História nesta última leva, uma distinção que vem numa altura em que o negócio enfraqueceu e “já não é o que era”, diz Bruno Costa, um dos sócios, que relembra os tempos áureos do restaurante e das enchentes regulares, sobretudo antes da pandemia.
“Isto é um reconhecimento importante daquela que é a história desta casa icónica da cidade de Lisboa, estamos agradecidos por terem classificado a Parreirinha como uma Loja com História”, refere. “É esse o principal fator, o do reconhecimento. Agora, aquilo que nos vai dar a nível de clientes eu diria que é quase nada”.



▲ A Parreirinha de Alfama foi palco de fartas noites de fados. A pandemia tem estragado o negócio @Parreirinha de Alfama/Facebook
Bruno reconhece que o restaurante ser reconhecido pode, “eventualmente”, dar ao público outro olhar sobre o espaço que “é das poucas casas de fado distinguidas no programa” sempre que olharem para mapas e roteiros da cidade. “A nível prático pouco traz, temos de confessar. Pode trazer uma distinção louvável, distingue-nos de outras casas de fado, pelo facto de outras não terem tanta historicidade que nós temos”, confessa Bruno Costa.
O Programa Municipal atribuiu também o distintivo a outros oito locais, são eles: Drogaria Palnóbrega, Livraria Bertrand da Avenida de Roma, Drogaria Casanova, Casa das Conchas (antiguidades), Cutelaria Polycarpo, Farmácia Teixeira Lopes, a Gardénia (vestuário) e a Ourivesaria Dollar.
O Regime de Reconhecimento e Proteção de Estabelecimentos e Entidades de Interesse Histórico, aprovado em 2017, pretende proteger as lojas da liberalização das rendas e estabeleceu que os contratos têm proteção legal por cinco ou 10 anos dependendo do regime de arrendamento em que se encontram. As Lojas com História estão ainda isentas de IMI e as despesas de conservação e manutenção são consideradas a 110% no apuramento do lucro tributável. As candidaturas podem ser feitas a qualquer momento.