A alegada violação e assassinato de uma menina da casta mais baixa da Índia por quatro homens, um deles sacerdote, gerou protestos durante quatro dias na capital do país, apesar de já ter sido aberto um inquérito ao caso, diz o The Guardian. Os manifestantes acusam o governo de silêncio e inatividade. Homens, mulheres e crianças juntaram-se nas ruas contra os níveis de violência — sexual e não sexual ­ — de que mulheres e raparigas são vítimas.

A menina de 9 anos, que era membro da comunidade Dalit — o grupo mais oprimido no sistema hindu de hierarquia de castas — foi buscar água a um crematório de Nova Deli no domingo, dia 1 de agosto, disse Ingit Pratap Singh, chefe da polícia da zona sudoeste da capital, citando a mãe da vítima.

Quando ela não voltou por mais de uma hora, fui procurá-la. No crematório, encontrei-a deitada no chão. Tinha os lábios azuis, sangue no nariz, hematomas nas mãos e nos braços e as roupas estavam molhadas“, disse a mãe à BBC.

Os suspeitos terão contado à mãe da menina que a criança tinha sido eletrocutada até à morte e assustaram a família ao dizerem que se informasse a polícia, o corpo ia ser enviado para uma autópsia e que os médicos iriam tirar os órgãos e vendê-los, disse a polícia ao Hindustan Times.

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Os quatro acusados – o padre Radhey Shyam (55), Kuldeep Kumar (63), Laxmi Narain (48) e Mohammad Salim (49) foram detidos e enviados para a prisão. Uma junta médica de três membros foi formada para realizar uma autópsia dos restos mortais. Um superintendente adjunto oficial de polícia irá investigar o caso”, disse Singh ao The Times of India antes de adiantar que a família e os moradores “podem apresentar as suas queixas por escrito para a polícia investigar”.

Uma vez que o corpo da menina já tinha sido cremado em grande parte, os médicos “não puderam determinar nada com base nas partes restantes” durante a autópsia, disse Singh na quarta-feira. As unidades forenses estão agora a procurar outras evidências, como fluidos corporais nas roupas, para “verificar se há alguma secreção, que possa ser usada para confirmar que houve agressão sexual”, disse o chefe da polícia à CNN.

A mãe da vítima também alegou que os policias a obrigaram, tal como o marido, a esperar em salas separadas numa esquadra por várias horas, e afirma que a polícia espancou o marido, informou o The Independent.

O caso chocante tornou-se foco da fúria local e da indignação nacional, gerando protestos na rua. Na quarta-feira, o quarto dia de manifestações, viam-se pessoas a pedirem ação ao governo. “Queremos justiça”, gritavam, com cartazes onde se podia ler “Justiça para a filha da Índia”, adiantou a BBC.

Alguns manifestantes — homens, mulheres e crianças — usaram máscaras com uma cruz na boca para simbolizar o silêncio dos líderes do país. 

Uma criança de 9 anos é violada e o governo estava a dormir. Queremos a punição mais dura para os acusados, um exemplo deve ser dado pelo governo. A segurança das mulheres não pode ser menosprezada”, disse Anil Kumar, que mora na mesma aldeia da criança, à CNN.

Também políticos da oposição — como o Rahul Gandhi, do partido do Congresso, que se encontrou com a família da menina na quarta-feira, e a política Mayawati — exigiram justiça. Os pais da criança também estiveram presentes nos protestos, sentados num palco improvisado, junto aos apoiantes da sua aldeia.

“Falei com a família… eles querem justiça e nada mais. Eles dizem que a justiça não está a ser feita e afirmam que eles devem ser ajudados. Nós faremos isso”, disse Gandhi, de acordo com o The Independent.

Segundo a CNN a mãe da menina chorou e gritou pela sua filha, pedindo para ela “voltar”, mas nenhum político ou ministro do partido do governo fez qualquer declaração ou mostrou algum tipo de preocupação em relação ao assunto.

No entanto,  chefe do governo provincial de Deli, Arvind Kejriwal, ordenou uma revisão judicial do caso e pediu que o governo aja contra o crime.

Os melhores advogados serão contratados para punir os culpados”, afirmou no Twitter após enfrentar acusações pelo seu silêncio.

O governo central deve tomar medidas rigorosas para melhorar a lei e ordem em Nova Deli, nós iremos cooperar totalmente”, escreveu também na rede social.

Devido à visibilidade do caso e do movimento da população, a Comissão Nacional para a Proteção dos Direitos da Criança solicitou um relatório policial  e a Comissão para Mulheres de Deli convocou agentes policiais para explicarem que ações desejam tomar. Várias celebridades de Bollywood também acabaram por expressar a sua repulsa nas redes sociais.

Exigindo justiça, Urmila Matondk, a atriz que virou política, partilhou nas redes sociais: “#JusticeForDelhiCanttGirl #JusticeForDelhiCanttGirl”. (Cantt é o nome do bairro no sudoeste de Delhi, onde a menina vivia).

De acordo com os dados do National Crime Records Bureau de 2019, 90 mulheres e meninas são violadas todos os dias diz o The Indian Express. Porém, acredita-se que grande número de agressões sexuais continua a não ser relatada.

As mulheres Dalit

Mesmo que seja proibido pela Constituição, ainda está presente nos dias de hoje o preconceito de castas, sendo predominante na Índia de maioria hindu como este caso parece revelar — que violência perpetuada contra aqueles que estão na base dessa hierarquia social hereditária continua a acontecer. 

“A brutalidade desse incidente é bárbara além das palavras”, disse Yogita Bhayana, fundadora do grupo de direitos das mulheres contra violações na Índia à NBC.

E a parte mais triste é que incidentes como este não são raros. Vemos casos em que mulheres Dalit são mortas, violadas e torturadas diariamente. … Apenas algumas chegam ao centro das atenções”, completa.

Ativistas e políticos da oposição recorreram ao Twitter para destacar o problema contínuo da violência sexual contra as mulheres e as atrocidades que acontecem devido ao sistema de castas, que persiste há décadas, apesar dos esforços concentrados para combater o problema.

“A filha de um Dalit também é filha da nação”, twittou Rahul Gandhi, membro do parlamento e ex-presidente do principal partido de oposição da Índia, na terça-feira, traduz a CNN.

“Estamos a assistir à ‘apatia por violação’ porque casos como este são muito comuns”, disse Srishty Ranjan, 24, ativista pelos direitos Dalit , partilhou a NBC.

“Este tipo de casos não recebe a cobertura que merece, ainda mais se for uma vítima Dalit”, acrescentou.