O Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, reiterou este domingo que é preciso esperar para ver se os talibãs, que há uma semana controlam o Afeganistão, cumprem as suas promessas antes de decidir se vão reconhecer o regime que o movimento quer impor naquele país asiático.

Numa conferência de imprensa a partir da Casa Branca, Joe Biden atualizou os dados sobre a complexa operação de evacuação que os países ocidentais têm levado a cabo nos últimos dias no aeroporto de Cabul e respondeu a várias perguntas sobre a decisão norte-americana de retirar a presença militar do Afeganistão, bem como sobre a futura relação dos EUA e do resto do mundo com o Afeganistão dos talibãs.

“Continuamos a fazer progressos desde sexta-feira. Estamos a movimentar milhares de pessoas por dia”, disse Biden, sublinhando que estão a ser usados voos militares e civis. “Em pouco mais de 30 horas este fim de semana, retirámos cerca de 11 mil pessoas.

“A nossa prioridade é retirar cidadãos americanos. Temos planos para os contactar e para os transportar em segurança para o aeroporto”, especificou o Presidente, embora não tenha detalhado os planos “por razões de segurança”.

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Cauteloso quanto aos detalhes da operação de evacuação em curso no aeroporto de Cabul, Biden explicou que as forças ocidentais — incluindo dos EUA e dos países da NATO — alargaram o perímetro de segurança em torno do aeroporto para aumentar a zona segura dentro da qual os passageiros autorizados são encaminhados para os voos militares

“Os talibãs foram cooperantes com alguma extensão do perímetro”, disse Biden, explicando que os EUA têm mantido contacto direto com os talibãs.

“Qualquer americano que queira vir para casa, vai ser trazido para casa. Também estamos a retirar os cidadãos dos nossos aliados da NATO e dos nossos parceiros, incluindo os seus diplomatas, funcionários de embaixadas, que permanecem no Afeganistão”, disse Biden. “À medida que o fazemos, também estamos a trabalhar no sentido de retirar os nossos parceiros afegãos, que estiveram lado a lado connosco, e outros afegãos vulneráveis, como mulheres líderes e jornalistas, para fora do país.”

Contudo, Joe Biden admitiu que a operação não é fácil — e que será impossível fazê-la sem dor e sem perdas.

“A retirada de pessoas de Cabul vai ser dolorosa, independentemente de quando começássemos. Seria verdade se tivéssemos começado há um mês, ou daqui a um mês. Não há maneira de retirar tantas pessoas sem dor, sem perdas e sem as imagens devastadoras que têm visto na televisão”, disse.

Num discurso centrado, em larga medida, na sensibilização dos norte-americanos para a necessidade de acolher os afegãos que necessitam de um refúgio seguro — sobretudo daqueles que, pelas ligações ao Ocidente, poderão ser um alvo dos talibãs —, Joe Biden tentou descansar os cidadãos dos EUA com garantias de segurança no processo.

Nenhum avião vindo de Cabul voará diretamente para os EUA. Vão aterrar em bases norte-americanas e em escalas noutros pontos do mundo“, assegurou Biden. “Nesses lugares, estamos a levar a cabo um escrutínio meticuloso a todos os que não são cidadãos norte-americanos ou residentes nos EUA. Qualquer pessoa que aterre nos EUA terá sido escrutinado.”

“Depois de avaliados e quando tiverem luz verde, vamos dar as boas-vindas a estes afegãos, que nos ajudaram nos esforços de guerra nos últimos 20 anos, à sua nova casa nos EUA. Porque é isso que nós somos”, acrescentou Biden.

O Presidente apelou ainda a todos os norte-americanos que acolham os afegãos que vão precisar de refúgio nos EUA e elogiou organizações privadas e sociais que já se manifestaram disponíveis para colaborar no processo — nomeadamente associações de veteranos de guerra que estão a organizar-se para ajudar os seus antigos aliados afegãos, como tradutores e intérpretes.

O Presidente dos EUA admitiu que é provável que haja terroristas a “explorar” o caos que se vive no aeroporto de Cabul para se infiltrarem em voos ou para atacar afegãos e norte-americanos. “Estamos vigilantes”, disse Biden, sublinhando que os EUA estão a eliminar as ameaças de atentados terroristas no aeroporto — incluindo com origem no Estado Islâmico, grupo fundamentalista inimigo dos talibãs.

“Eu tinha uma decisão básica para fazer (…) Decidi acabar a guerra”

Joe Biden foi ainda questionado pelos jornalistas sobre as críticas de que tem sido alvo acerca da retirada militar do Afeganistão.

“Eu tinha uma decisão básica para fazer. Ou retirava os EUA de uma guerra com 20 anos, que, dependendo da análise que usarmos, nos custou 150 a 300 milhões de dólares por dia durante 20 anos”, disse, antes de tirar do bolso um cartão, que disse ter sempre consigo, de onde leu as estatísticas da guerra: 2.448 americanos mortos e 20.722 feridos.

“Decidi acabar a guerra”, asseverou Biden, lembrando que a única razão pela qual os EUA invadiram o Afeganistão foi o facto de o regime dos talibãs ter recusado extraditar Osama bin Laden. “Se tivesse acontecido noutro país do Médio Oriente, para onde ele podia ter ido facilmente, não tínhamos entrado no Afeganistão”, disse Biden.

Qual é o momento certo para sair? Quais são os nossos interesses nacionais?”, questionou Biden, respondendo que o terrorismo se disseminou por todo o mundo e que os EUA têm de ter capacidade para chegar a qualquer lugar sem terem presença militar permanente nesses países.

Confiar nos talibãs? “Eu não confio em ninguém”

Durante a conferência de imprensa, Joe Biden foi questionado por um jornalista sobre se o facto de os EUA estarem a coordenar com os talibãs as operações de evacuação em Cabul significa que o Ocidente pode confiar no movimento fundamentalista. “Eu não confio em ninguém, incluindo em você. Gosto muito de si, mas, sabe, não há muita gente em que em confie”, devolveu Biden ao jornalista.

“Os talibãs têm de fazer uma escolha fundamental. Vão tentar ser capazes de unir e garantir o bem-estar do povo do Afeganistão, algo que nenhum grupo faz há centenas de anos? Se o fizer, vai precisar de ajuda adicional na economia, no comércio, numa série de coisas. Os talibãs disseram-no. Vamos ver se são sérios ou não. Estão a tentar obter legitimidade para perceber se vão ou não ser reconhecidos por outros países”, diee Biden.

Disseram a outros países, incluindo a nós, que não querem que retiremos completamente a nossa presença diplomática”, continuou o Presidente dos EUA.

“Tudo isto é, para já, apenas conversa. Até ver, os talibãs não atacaram as forças dos EUA. Até agora, eles cumpriram aquilo que prometeram no que toca a permitir aos americanos que seguissem em segurança. Vamos ver se o que eles dizem é verdade. Mas o ponto central é este: no fim de contas, se não saíssemos agora do Afeganistão, quando saíamos? Dentro de 10 anos, de cinco anos, de um ano? Não quero mandar os vossos filhos para o Afeganistão. Não vejo em que é que isso é do nosso interesse”, acrescentou Joe Biden.

“Imaginem que estão em Pequim ou em Moscovo. Estão contentes com o facto de nós termos saído? Eles adoram que nós estejamos ocupados com o que se passa lá”, disse ainda Biden. “A história vai registar que esta foi a opção lógica, racional e certa.

Os Estados Unidos invadiram o Afeganistão em 2001, na sequência dos atentados de 11 de setembro contra as Torres Gémeas, em Nova Iorque. Na altura, o líder do grupo terrorista Al-Qaeda, Osama bin Laden, principal autor do atentado, havia encontrado refúgio no Afeganistão, à época liderado pelos talibãs (que ali mantiveram um regime fundamentalista islâmico entre 1996 e 2001).

As forças norte-americanas derrubaram o regime dos talibãs e impuseram no país um sistema político democrático de inspiração ocidental — e mantiveram-se no Afeganistão durante duas décadas. Porém, há vários anos que a saída dos militares americanos do Afeganistão — a mais longa guerra dos EUA — tem sido um desejo de sucessivos presidentes.

Desde 2018, os Estados Unidos mantiveram negociações diretas com os talibãs, que nas últimas décadas tiveram o seu gabinete político sediado em Doha, no Catar, com vista a promover um processo de paz interna no Afeganistão e a acelerar a retirada dos EUA do país. O acordo de paz foi alcançado em fevereiro de 2020. No final de 2020, Joe Biden foi eleito Presidente e, em abril deste ano, prometeu que a saída dos militares norte-americanos estaria concluída antes do vigésimo aniversário do 11 de Setembro.

Em poucos meses, os talibãs aproveitaram o recuo das forças norte-americanas para assumir o controlo quase total do Afeganistão. No último domingo, o movimento fundamentalista invadiu Cabul, a capital do país, e o Presidente afegão, Ashraf Ghani, fugiu do território — deixando os talibãs como governantes de facto do Afeganistão. O movimento prometeu apresentar em breve um novo governo que garante ser inclusivo e plural — e tem dado sinais de uma maior moderação, em comparação com o regime de 1996-2001, com o objetivo de obter o reconhecimento da legitimidade da sua governação no plano global.

Ao longo da última semana, os EUA e vários países aliados da NATO têm levado a cabo uma complexa operação de evacuação, a fim de retirarem de Cabul os cidadãos norte-americanos e dos países aliados, bem como os afegãos que trabalharam ao lado das forças ocidentais durante os últimos anos e que, por isso, poderão estar na mira dos talibãs.