A decisão condenatória que poderá levar João Rendeiro à prisão para cumprir uma pena de cinco anos e oito meses pelos crimes de falsidade informática e falsificação de contabilidade não deverá transitar em julgado em setembro. O ex-presidente do Banco Privado Português pode vir a apresentar um segundo requerimento para interposição de recurso no Tribunal Constitucional para impedir o trânsito em julgado da decisão condenatória e evitar a baixa dos autos que levem à emissão do mandado de condução ao estabelecimento prisional.

A juíza do Tribunal Constitucional Mariana Canotilho rejeitou liminarmente a 7 de junho um primeiro requerimento para interposição de recurso de Rendeiro. Este reclamou para a conferência do tribunal, mas continuou sem ter sucesso por decisão de 15 de julho — o último dia de trabalho dos tribunais antes das férias judiciais, que decorrem até ao dia 31 de agosto e que suspendem os prazos dos processos penais.

Isto significa que João Rendeiro tem agora dez dias a contar do próximo dia 1 de setembro para decidir o que fazer: conforma-se com a decisão do Constitucional e deixa transitar em julgado o acórdão condenatório de cinco anos e oito meses ou insiste em novos recursos?

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Guichard avança com segundo recurso no Tribunal Constitucional

A resposta poderá estar na estratégia que está a ser aplicada por Paulo Guichard, ex-administrador e ex-número 2 de João Rendeiro que vive atualmente no Brasil. Condenado em regime de co-autoria com Rendeiro a uma pena de 4 anos e 8 meses de prisão pelo Tribunal da Relação de Lisboa, Guichard já tinha visto o Supremo Tribunal de Justiça rejeitar apreciar o seu recurso em janeiro de 2021 por entender que a lei não lhe permite recorrer para aquele tribunal superior.

Como o Tribunal Constitucional rejeitou igualmente de forma liminar a 7 de junho o seu requerimento para a interposição de recurso, o mesmo acontecendo a 15 de julho com a reclamação para a conferência, a defesa de Paulo Guichard decidiu avançar a 28 de julho com um segundo requerimento para a interposição de recurso no Tribunal Constitucional.

Ou seja, Guichard está a tentar repetir o uso de um novo instrumento de recurso junto do Constitucional. Como a sua defesa alega argumentos diferentes face ao primeiro requerimento de interposição de recurso que foi apresentado no Palácio Ratton, os conselheiros do Constitucional podem ter que tomar uma decisão depois da abertura do ano judicial marcada para 1 de setembro.

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É precisamente esta estratégia — apresentar um segundo requerimento para interposição de recurso — que a defesa de João Rendeiro poderá repetir. Uma decisão que terá de ser tomada num prazo de dez dias, entre 1 e 10 de setembro. Se o ex-líder do BPP nada fizer, os autos contra si transitarão em julgado no dia 11 de setembro.

Recorde-se que esta segunda-feira foi conhecida uma carta aberta dirigida por Paulo Morais e João Paulo Batalha, ex-líderes da Associação Transparência e Integridade, ao Conselho Superior da Magistratura a exigir explicações sobre uma situação “inexplicável”, “anómala” e que gera “indignação generalizada” — foram estes os adjetivos escolhidos pelos autores da missiva para classificar o facto de o ex-presidente do BPP ainda se encontrar em liberdade apesar de ter sido condenado a duas penas de prisão.

Os factos que poderão levar Rendeiro à prisão

João Rendeiro foi acusado em Junho de 2014 pelo DIAP de Lisboa de seis crimes de falsidade informática e um crime de falsificação de documento. Foram ainda acusados os ex-administradores Paulo Guichard, Salvador Fezas Vital e Fernando Lima e um quadro do BPP chamado Paulo Lopes.

Estando em causa a alegada falsificação da contabilidade do banco, a acusação deduzida pelos procuradores Inês Bonina e Hugo Neto tinham uma inovação: em vez do habitual crime de falsificação de documento, o Ministério Público optou por acusar João Rendeiro e os restantes ex-responsáveis do crime de falsidade informática, porque a informatização e a digitalização documental em vigor no dia-a-dia das sociedades comerciais faz com que apenas exista uma contabilidade em suporte informático — e não em papel.

Estava em causa na acusação um esquema de ocultação das condições de venda de produtos bancários aos revisores de contas e ao Banco de Portugal. Os famosos produtos de retorno absoluto (capital e juros garantidos) tinham garantias que eram alegadamente escondidas de quem tinha que fiscalizar as contas. Assim, e sem acesso a essa documentação das garantias, os revisores das contas e o supervisor da banca entendiam que o banco oferecia “robustez financeira”.

Só quando o banco entrou em situação de possível insolvência em 2008, o que obrigou à intervenção do Banco de Portugal, é que se descobriu que tais produtos de retorno absoluto tinham gerado um alegado prejuízo de 40 milhões de euros que foram alegadamente ocultados por via da utilização de várias sociedades sediadas em paraísos fiscais.

Rendeiro foi condenado a 10 anos de prisão efetiva num segundo processo pendente

João Rendeiro tem ainda uma segunda condenação pendente no caso BPP. Trata-se de um processo no qual foi condenado no dia 14 de maio a uma pena de prisão efetiva de 10 anos pelos crimes de abuso de confiança, fraude fiscal e branqueamento de capitais por, em conjunto com os ex-administradores Fernando Lima, Salvador Fezas Vital e Paulo Guichard, ter alegadamente desviado entre 2003 e 2008 cerca de 30 milhões de euros do BPP em prémios e outro tipo de remunerações sem a aprovação dos acionistas do banco.

Lima, Fezas Vital e Guichard foram condenados a penas que variam entre os nove anos e seis meses e os seis anos de prisão efetiva.

Caso BPP: João Rendeiro condenado a 10 anos de prisão

João Rendeiro, Paulo Guichard e Salvador Fezas Vital têm ainda um terceiro processo a aguardar decisão relacionado com uma subsidiária do BPP chamada Privado Financeira. Estes autos estão à espera de uma decisão no Tribunal da Relação de Lisboa depois de o tribunal de primeira instância ter absolvido os arguidos dos crimes de burla qualificada. O Ministério Público entende que terá sido um alegado esquema de burla que terá estado na origem de um prejuízo de 40 milhões de euros provocado a cerca de 100 investidores e decidiu recorrer para a Relação de Lisboa da absolvição dos arguidos.