Numa “violação clara das suas promessas eleitorais“, como escreve a Reuters, o primeiro-ministro britânico anunciou esta terça-feira um plano para aumentar as contribuições sociais, pagas por trabalhadores e empresas, em 1,25% a partir de abril de 2022. O objetivo é financiar os sistemas de saúde e de assistência social, que ficaram sob maior “pressão” com a pandemia.

O plano, que nas estimativas de Johnson vai arrecadar 36 mil milhões de libras (mais de 41 mil milhões de euros à taxa de câmbio atual) nos próximos três anos, entra em vigor em abril do próximo ano. Segundo cita a Sky News, apenas 5,3 mil milhões de libras (mais de seis mil milhões de euros) terão como destino o sistema de assistência social, sendo que o restante vai para a recuperação do NHS (o SNS britânico). A imprensa britânica diz, no entanto, que Johnson enfrenta oposição dentro do próprio partido.

Boris Johnson tenta, assim, fazer face aos problemas do sistema de assistência social, nomeadamente os custos crescentes associados ao envelhecimento da população, mas também aos atrasos decorrentes da pandemia — por exemplo, para cirurgias, com um recorde de 5,5 milhões em lista de espera. A ideia do primeiro-ministro britânico é aumentar as contribuições para a Segurança Social (que, no Reino Unido, se chama National Insurance) para subsidiar os cuidados de saúde e assistência aos mais velhos. O aumento nas contribuições, pagas pelas empresas e pelos trabalhadores, será de 1,25%.

“A Covid trouxe uma pressão enorme sobre o NHS [o SNS britânico]”, começou por dizer Boris Johnson, no parlamento, perante os deputados, prometendo também resolver os problemas de “longo prazo” do sistema de assistência social, que foram “tão cruelmente expostos pela Covid”. Este é, adianta, o “maior programa de recuperação na história“.

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Custos com assistência social aumentam

O sistema de apoio social inclui cuidados ao domicílio a idosos e pessoas com deficiências, como cuidadores, refeições, adaptação das habitações, equipamento e alojamento dedicado, como residências para idosos. Nos últimos anos, o custo com o apoio social tem aumentado, em parte devido ao envelhecimento da população, mas o fardo recai em grande parte sobre os indivíduos, que muitas vezes precisam de gastar as poupanças ou vender as casas para pagar pelos cuidados.

Uma em cada sete pessoas acaba por pagar mais de 100.000 libras (116.000 euros), de acordo com o Governo. Por outro lado, o financiamento para as pessoas com menores rendimentos, que não podem pagar, representa um encargo crescente sobre as autoridades locais.

Hoje, Johnson disse que, “a partir de outubro de 2023, ninguém que comece a receber apoio vai pagar mais de 86 mil libras (100 mil euros) ao longo da vida e ninguém com ativos abaixo de 20 mil libras (23 mil euros) terá de fazer contribuições a partir de poupanças ou riqueza imobiliária”. A taxa também vai ser aplicada aos dividendos, atingindo pessoas com ativos financeiros ou administradores de empresas.

A maioria do dinheiro angariado vai ser inicialmente aplicado nos serviços de saúde públicos (NHS) para combater as listas de espera que dispararam devido à pandemia covid-19, que, avisou recentemente, o ministro da Saúde, Sajid Javid, poderá chegar às 13 milhões de pessoas.

Vários deputados conservadores têm criticado nos últimos dias o potencial aumento das contribuições para a Segurança Social não só porque representa a quebra de uma promessa eleitoral, mas também porque o ónus vai recair sobre as pessoas em idade laboral, em geral mais jovens, e não sobre os reformados. “Sim, admito que isto quebra um compromisso eleitoral, o que não é algo que eu faça de animo leve, mas o programa eleitoral não previa uma pandemia global”, argumentou.

A medida vai ser sujeita a votação na quarta-feira, tendo o Partido Trabalhista já anunciado que vai votar contra, alegando que é apenas um “penso rápido sobre uma ferida aberta que o partido [do primeiro-ministro] causou”.

O líder do principal partido da oposição, Keir Starmer, afirmou que a atual situação é resultado das políticas de austeridade e que “uma década de negligência dos conservadores enfraqueceu o NHS”, tendo as listas de espera aumentado “em espiral ainda antes da pandemia”.

As tentativas de reformar o sistema de apoio social frustraram sucessivos governos britânicos.  A predecessora de Johnson, Theresa May, fez campanha nas eleições de 2017 com um plano para cortar subsídios para os aposentados e mudar a forma como eles pagam por cuidados a longo termo, mas a ideia foi rapidamente apelidada de “imposto da demência” e May acabou a perder a maioria no Parlamento.

Antes, o Partido Trabalhista avaliou a introdução de uma nova taxa, batizada pela imprensa como o “imposto da morte”, mas acabou perdeu as eleições meses depois.

O próprio Boris Johnson adiou o problema, apesar de ter anunciado no primeiro dia como primeiro-ministro, em julho de 2019, à entrada para a residência oficial, em Downing Street, que iria “consertar a crise na assistência social de uma vez por todas com um plano claro”.

William Hague, um ex-líder conservador, escreveu no jornal The Times que quebrar uma promessa eleitoral representa uma “perda de credibilidade quando forem feitas promessas eleitorais no futuro, um esbatimento da distinção entre as filosofias conservadora e trabalhista, um incentivo à filiação nos partidos marginais na direita e uma ideia dada ao mundo de que o Reino Unido está a encaminhar-se para impostos mais altos”.

Hoje, o editorial do tabloide The Sun vai mais longe e avisa que “Boris Johnson está enganado se acredita que pode quebrar casualmente as promessas do programa eleitoral e aumentar impostos sem pagar um preço alto nas urnas [eleitorais]”.